De acordo com Esper Kallás, se o Brasil tiver mais uma semana com a mesma velocidade de ascensão, o sistema de saúde não será capaz de sustentar a demanda de casos.
Recentemente, o Brasil viu o número de mortes diárias devido ao coronavírus passar a marca de dois mil. Além disso, a média móvel de mortes por covid-19 bate recorde atrás de recorde. Considerando os dados da última semana (8 a 12 de março), o Brasil foi o país que mais registrou novas contaminações no mundo, passando, inclusive, os Estados Unidos. O infectologista Esper Kallás usa a palavra “devastadora” para a situação atual da pandemia.
O médico e professor é titular do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da USP, infectologista, coordenador do Centro de Pesquisas Clínicas do Hospital das Clínicas e responsável pelos testes da vacina contra covid-19. Segundo ele, apesar da sobrecarga no sistema de saúde durante a primeira onda da pandemia, o afluxo de pacientes buscando atendimento não era tão intenso como está sendo agora.
Mas o que levou a esse agravamento? “Estamos em uma velocidade de ascensão de casos maior. Temos visto um afluxo de pacientes buscando atendimento nos consultórios, mas principalmente nos prontos-socorros de diferentes hospitais da rede pública e da rede privada de todo o País”, comenta o professor Kallás.
Ele também explica que esse fenômeno do aumento de casos está acontecendo de forma simultânea em todas regiões do País. No início da pandemia, mesmo com o pico observado entre maio e agosto, a evolução da ascensão observada era mais lenta, dessincronizada, já que algumas regiões estavam mais calmas, enquanto outras estavam em pleno aumento da propagação. Devido a essa dessincronização, regiões que estavam mais tranquilas conseguiram ajudar outras que estavam com seus sistemas de saúde pressionados. Atualmente, a Região Metropolitana de São Paulo, local com maior número de leitos e profissionais de saúde habilitados e disponíveis, também passa por saturação devido ao número elevado de casos.
“Se a gente continuar nesse mesmo ritmo de crescimento, se tivermos mais uma semana com a mesma velocidade de ascensão, o sistema não vai ser capaz de sustentar a demanda de casos. Infelizmente, as pessoas vão acabar ficando, algumas já estão, sem assistência, o que pode se agravar em uma grande tragédia”, alerta Kallás.
As causas para a situação atual passam pelas novas variantes do vírus, mas também pela ausência de distanciamento social, uma negação pelas medidas sanitárias gerais e a simultaneidade da propagação. Não dá pra colocar a culpa apenas em um dos fatores.
Kallás diz que o questionamento sobre governos e suas medidas sanitárias, depois de um ano de exaustivos lockdowns, ocorre no mundo todo. Há um relaxamento do distanciamento social natural, por cansaço, acompanhado desse questionamento dos lockdowns que gera crise política. Com a sincronia entre acelerações de contágios em todo o país, fica difícil uma região ajudar a outra em caso de sobrecarga hospitalar.
O médico mencionou o modo como novas cepas do coronavírus se comportam de forma mais transmissível, seja a britânica, a sul-africana e a brasileira. “Quando um vírus predomina na cadeia de transmissão, é porque ele tem alguma vantagem, que pode ser a velocidade da capacidade de transmissão. Assim, aquele cuidado que deu certo até agora, pode não dar mais, exigindo uma atenção maior com o risco de contágio, apesar do cansaço com a pandemia”.
Sobre a eficácia das vacinas contra as variantes, o professor disse que se sabe que as novas mutações do vírus conseguiram “reduzir um pouco” a eficácia da vacina contra a covid. “Mesmo com as novas variantes, as vacinas conseguem prevenir formas mais graves da doença. Não temos dados dizendo que elas não funcionam, pelo contrário”, afirmou.
Kallas lembra que os dados que mostram a efetividade da vacina contra a variante P.1, originalmente encontrada em Manaus, vêm exatamente daquela região. O estado do Amazonas tem a vacinação mais avançada do país, por ter sido colocado como prioridade, e, por isso mesmo, tem mostrado queda significativa no contágio, mantendo-se praticamente isolado na desaceleração de mortes, enquanto o resto do país continua no vermelho. “Lá vai estar a resposta, pois os contágios são majoritariamente pela variante P.1.”
Kallas diz que o gestor de saúde não tem outra alternativa para diminuir a transmissão do vírus, senão alertar para o cenário epidemiológico e a necessidade de reduzir a atividade social. “Mas não dá pra responsabilizar apenas os governos e políticos, pois a responsabilidade também é do indivíduo”, diz ele.
O médico concluiu apontando a exaustão dos profissionais de saúde e do sistema hospitalar que já está, há um ano, trabalhando na sua capacidade máxima. “Quando tiver que sair para alguma atividade social, pense nessas pessoas que estão no seu limite e que podem não estar lá quando você precisar do atendimento”, alertou.
por Cezar Xavier | Texto em português do Brasil
Exclusivo Editorial Rádio Peão Brasil / Tornado