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Sexta-feira, Novembro 1, 2024

Sobre as águas da vida o silêncio dói

Vitor Burity da Silva
Vitor Burity da Silva
Professor Doutor Catedrático, Ph.D em Filosofia das Ciências Políticas Pós-Doutorado em Filosofia, Sociologia e Literatura (UR) Pós-Doutorado em Ciências da Educação e Psicologia (PT) Investigador - Universidade de Évora Membro associação portuguesa de Filosofia Membro da associação portuguesa de Escritores

memórias transportam como naves soterradas nestas calçadas das tardes vadias na minha sacola de estudante ainda nesta coimbra de vestes negras onde paira a voz do luto como que algo permanente no meu quarto, ele está a dormir, não o acordem, ele não quer que o acordem!

LVII

Tudo isto me parece estranho, opaco, hostil, verde, tudo me navega com cargas de vastidão neste quarto separado da rua pela minha imaginação que soletra cada nome em vão, tudo é dissipado num instante como uma ventania sem rumo e de repente os calços presos às perna ou que cama a saudade dos teus beijos numa rua de benfica lá pelos setenta e tal, o teu riso de velha como a minha mão consumida pelos abutres do deserto, um silêncio descoberto para reinvenções e memorizar sentado um jornal de caserna velho e sujo, ainda cartas e papeis na mala a tiracolo num repente perdido quando me debruço sobre as mesmas coisas de sempre, as fardas fustigadas numa arrumação perdida e nós campos de que praia por visitar, um beijo que me lave a cabeça de asnos e cânticos como se a vida fosse um corrupio de vastas sentenças à hora do jantar, tudo se torna cada vez mais estranho talvez por me deitar no meu colo e sentir o palpitar do tempo que as memórias transportam como naves soterradas nestas calçadas das tardes vadias na minha sacola de estudante ainda nesta coimbra de vestes negras onde paira a voz do luto como que algo permanente no meu quarto, ele está a dormir, não o acordem, ele não quer que o acordem!, sim, banhemos o mondego no suor dos bravos e contentes sorver dos mares o percurso do meu rio calado, que desce devagar contra os montes do sono nesta sala de aulas o professor de birras e óculos antigos a configurarem-lhe as rugas.

17 de abril. Os estudantes tomam a nova sala para a “verdadeira inauguração”, como se ouvia nos corredores da Universidade. Alberto Martins discursa. (Fotógrafos-Amadores da Secção Fotográfica da Associação Académica de Coimbra)

O cheiro a algodão nesta estrada de pedra a encantar-me a solidão num frio torpor de vícios, enlaço-o nas mãos tão vagarosamente enquanto o penso num sonho distante a vaguear-me a cabeça de sangue e tripas enraivecidas a oriente da minha tarde sozinha, uma sensação de vastidão que paira sobranceira pelo meu cansaço nas roupas mal arrumadas nesta mala de livros, os sonhos de coimbra abandonam-me como um repente volátil como que se de nada se tratasse e com risos alongados a chuva na testa de vésperas à janela.

Operei-me de verdade, uma cirurgia à consciência adormecida onde pisam gaivotas ensonadas rangendo as patas contra os quintais do mundo, esta nevoa escondida na testa que me abraça contra o vento enquanto caminhar me motive e sigo a estrada de mim próprio cortada na alma. Acordo pela manhã sorvendo os goivos e um choupal misturado entre as cataratas de ninda, o vício que me estremece que gestos, amanheço nesta sala de escritório para me tentar inventar em escritas obtusas onde que rimas se somam e subtraem com agulhas de vidro nos ossos e o cansaço evaporado, o jornal ainda na mesa e eu distraído com anestesias espetadas numa carne de plácidos no norte daquelas matas escondidas do meu silêncio hoje, vejo-as nas sombras dos olhos iludidos com conversas de espera e nada, apetece-me o sabor frio de bares escondidos nos calabouços dos meus passos verdes nesta noite de ferrugens e silêncios, onde me possa sentar e num ápice verter como lágrimas cada gole deste destemperado vinho que me cai gulosamente pelas entranhas da vida, sim, um renegado regresso nos meus ossos que estalam como um velho nas orquídeas destas cadeiras sem cor e profundas como a tosse. O espelho que me olha distante, o instante camuflado de restos que pingam de jangadas engolidas na franja seca de matas engasgadas nas mãos, ouço ainda os passos na caserna ou que hospital viciado em vagares lentos como a memória quando tantas vezes adormece aqui ao lado. Uma sonolência vazia divaga o resto que fica nas têmporas da tarde, o jazigo sóbrio com os funcos dispersos limpa a cara enquanto o tempo desfila a sua beleza pelas passerelles de matas de que destino um dia e a tia Maria na cabeça como uma recordação de natal e criança ainda o abraço desfigurado sobre as suas roupas decoradas de brilhos e luzes que luziam como quem passa pelo rossio pela tardinha.


Como aperitivo à deliciosa prosa de Vítor Burity da Silva, apresentamos novo capítulo do livro Sobre As Águas Da Vida O Silêncio Dói


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