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Sábado, Dezembro 21, 2024

Sobre as águas da vida o silêncio dói

Vitor Burity da Silva
Vitor Burity da Silva
Professor Doutor Catedrático, Ph.D em Filosofia das Ciências Políticas Pós-Doutorado em Filosofia, Sociologia e Literatura (UR) Pós-Doutorado em Ciências da Educação e Psicologia (PT) Investigador - Universidade de Évora Membro associação portuguesa de Filosofia Membro da associação portuguesa de Escritores

Ainda assim tudo isto é o cenário dos tempos que me adormecem cravados de silêncios pardos como colorir em mim uma sensação qualquer que possa quem sabe salvar-me, sim, é este o caminho que me indica a cama dos teus braços abertos.

LX

A irremediável costura atravessa a estrada como lanhos de pau lacrado num papel de enfeitar, reconhece-se nele a vontade e nada mais puro que isso, uma intenção voadora entre a fronte das testas invisíveis neste rio longínquo como arvoredos disformes atravessando o passado para contar heresias aos desafortunados, recordações presas às paredes desta casa, fardado ainda como um lenhador vazio de enxada encostada a que bolso vivo, sinta nele isso para sempre, um verdume carnívoro a enxotar-me dos pesadelos dessa viagem dormente.

Isto de estar permanentemente a antever o passado incomoda, são pesadelos cansados e já contados pelos sonhos, são verossímeis sentenças de um condor castrado nesta imensidão furada de costuras rasgadas, sim, a gente pressente o vago ainda que diluído em vasos presos à garganta definhar o tempo. É como acordar constantemente de pesadelos arremessados de varandas antigas, de várzeas vadias como quintais defuntos nesta cabeça estiolada a cada instante, é cansativo imaginar sempre o presépio dos templos que existiam nas masmorras de camas vazias, e nada sobre elas como se adivinham, cobertos de chuva e frio.

Dialogo lentamente como casebres verdes numa onda ambulante como metais disfarçados nesta crista de onça assanhada ou arrogância crismada com os riscos na cara enfeitiçada pelas tardes que me rodeiam, sim, é sempre uma sensação fustigada e mastigada, uma aliança com o tempo perdido nas memórias desta ousadia antiga como esfinges, sei lá, um círculo amolgado nas paredes do fim desta rua que me leva e traz calado mesmo que o dialogo se mantenha.

Paro entretanto neste quintal sórdido onde em criança deambulava, os açudes e os choupais ainda no cimo do monte de há anos e verdes como pastos varridos, um vento de esquiço soletra a planície como sonatas ao ar livre neste palco de teatros dos andes, tudo à minha volta é sonhado, nada repetido e ressequido como a franja das trepadeiras enrolando-se com o anoitecer esquecido do tempo, rodopio sem ver, como quem se perde num oásis de soluços incolores e disfarçados e a pele estremece um sono cansado, observo a escorregadela já velha e os pés ausentes, há mais frio que antes, sim, uma sensação talvez nova ou diferente, talvez, o meu olhar é velho e vesgo nestas paisagens de hoje como se tudo fosse na mesma o mesmo ainda, o vento sorri-me enquanto tento buscar-me de memórias e elas aqui como um garfo de espinhos espetados na pele novamente e treme vontades camufladas neste disfarce sem que alcance o meu próprio destino. Ainda assim tudo isto é o cenário dos tempos que me adormecem cravados de silêncios pardos como colorir em mim uma sensação qualquer que possa quem sabe salvar-me, sim, é este o caminho que me indica a cama dos teus braços abertos.


Como aperitivo à deliciosa prosa de Vítor Burity da Silva, apresentamos novo capítulo do livro Sobre As Águas Da Vida O Silêncio Dói


 

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