Mayana Zatz e Ester Cerdeira Sabino comentam como a revolução do sequenciamento do genoma tem sido utilizada para combater a covid-19 e prevenir doenças graves sem tratamento.
Há 21 anos, conseguir fazer o primeiro sequenciamento do genoma humano foi uma revolução para a medicina. Craig Venter, um geneticista americano, foi o responsável pela descoberta. Hoje em dia, esse tipo de atividade é realizada comumente e com muita rapidez.
O genoma de um organismo é uma sequência de DNA completa de um conjunto de cromossomos, e a partir dele muito pode ser feito para se avançar na descoberta de tratamentos e conhecimento de como se desenvolvem doenças.
Recentemente, a professora Ester Cerdeira Sabino, médica, imunologista e ex-diretora do Instituto de Medicina Tropical da USP, conseguiu, em 48 horas, sequenciar o genoma do novo coronavírus.
Segundo a médica, “o primeiro sequenciamento foi um marco, é como o homem ter chegado na Lua. Isso facilitou muito o desenvolvimento das tecnologias de sequenciamento, baixou os custos, desenvolveu softwares, tudo isso permitiu o entendimento maior da genética humana, assim como de bactérias e vírus”. Ela lembra que hoje em dia há quase 1 milhão de sequências depositadas no banco internacional.
A virologista explicou como conseguiu sequenciar o genoma com tanta agilidade. “A gente fez rápido, não porque estava usando qualquer outro tipo de tecnologia, mas sim pela organização, por saber da importância, já estar preparado e ter os primers aqui bem antes de o primeiro vírus ter chegado.” É assim que os pesquisadores continuam a estudar as novas cepas do vírus para compreender como se espalham pelo país e como as vacinas os atingem.
Mapeamento genético
Mayana Zatz, do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências da USP e coordenadora do Centro de Pesquisas sobre o Genoma Humano e Células-Tronco, é uma pioneira na área da genética. Com seus trabalhos, reconhecidos internacionalmente, a professora foi a primeira a localizar um dos genes ligados a um tipo de distrofia dos membros, juntamente com Maria Rita Passos-Bueno e Eloísa de Sá Moreira, em 1995. Juntas, também foram responsáveis pelo mapeamento do gene que causa a síndrome de Knobloch.
Segundo Mayana, o sequenciamento genético humano foi uma revolução, uma conquista concluída antes do previsto. Ela lembra que “o projeto genoma humano, iniciado em 1990, tinha como objetivo identificar todos os genes humanos em 15 anos”. Em 2000 foi anunciada a primeira conclusão do projeto, apesar de a conclusão definitiva ter sido anunciada em 2003.
Ela explica que, enquanto o primeiro genoma humano foi concluído depois de 13 anos de pesquisa, ao custo de US$ 3 bilhões, hoje, conseguimos sequenciar o genoma em algumas horas ao custo de mil dólares. Se formos nos restringir somente ao exoma, a parte que codifica proteínas, o custo é de algumas centenas de dólares.
Parecia um projeto ambicioso, mas, surpreendentemente, ele foi concluído antes do previsto. “Entre as conquistas obtidas após o primeiro sequenciamento, estão a agilidade no processo, a redução nos custos e um salto qualitativo no diagnóstico e na prevenção de doenças.”
Outro avanço importantíssimo, segundo a professora Mayana Zatz, foi “a criação da técnica CRISPR, pela francesa Emmanuelle Charpentier e a norte-americana Jennifer Doudna. Elas receberam o Prêmio Nobel de Química por desenvolver o sistema de edição genética”. A técnica é uma espécie de “tesoura molecular”, capaz de modificar genes humanos. Vem sendo utilizada para tratamento de algumas doenças hematológicas hereditárias e alguns tipos de câncer, podendo em breve tratar inúmeras doenças causadas por mutações genéticas.
O sequenciamento permitiu um salto qualitativo no diagnóstico e na prevenção. No centro do genoma temos painéis que conseguem analisar genes responsáveis por 6.300 doenças genéticas simultaneamente. o diagnóstico precoce e preciso é fundamental para o tratamento adequado e para prevenção de novos casos através da identificação de casais em risco.
Bancos genômicos
Mayana lembra que há diversos projetos de pesquisa em andamento visando a futuros tratamentos. “Em primeiro lugar, nós conseguimos sequenciar os genomas de mais de mil idosos saudáveis da população de São Paulo, que constitui o maior banco de idosos da América Latina. Nós descobrimos cerca de dois milhões de variantes genéticas que não estavam nos bancos genômicos internacionais, devido à grande miscigenação da nossa população.” Isso tem sido fundamental para compreender quando uma mutação é causa de uma doença ou simplesmente uma variação populacional.
Também estão sendo investigados os genomas de nonagenários e centenários e como eles contribuem para o envelhecimento saudável. Outro projeto é o do xenotransplante, em que se busca verificar como utilizar os suínos como doadores de órgãos, por estes serem semelhantes aos dos seres humanos. A técnica de Crispr foi utilizada para edição de genes de suínos para evitar rejeição de órgãos. Agora, a pesquisa busca financiamento para criação de animais com órgãos humanizados em larga escala.
Outra pesquisa investiga como atuam os genes protetores, para explicar em que pessoas portadoras de mutações que causam doenças graves permanecem assintomáticas. essas pesquiwsas abirão novas frentes de tratamento para doenças neurodegenerativas para as quais que não há terapia no momento.
Finalmente, estamos estudando o genoma de pessoas expostas a covid-19 e que não desenvolvem sintomas. “São os casais discordantes, em que um teve a doença em estado grave, enquanto o outro permaneceu assintomático mesmo dividindo a mesma cama. Descobrir os mecanismos protetores dessas pessoas poderá levar a futuros tratamentos”, conclui.
Edição de entrevista à Rádio USP
por Cezar Xavier | Texto original em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado