Em ato virtual, lideranças políticas e da sociedade civil apontam que acordo feito a portas fechadas entre Estados Unidos e Brasil pode colocar o presidente Joe Biden como cúmplice da destruição ambiental encabeçada pelo governo Bolsonaro.
“O presidente deste país tem dito muitas mentiras. Não aceito madeireiros ou garimpeiros dentro da minha terra. Quero a floresta em pé. Não sei falar o seu nome, o senhor já deve ter ouvido falar de mim. Sempre lutei pela floresta e os presidentes anteriores me ouviram. Espero que me escute também. Somente este presidente está contra mim. Se esse presidente ruim falar algo pro senhor ignore-o e diga: Raoni já falou comigo. Ele está incentivando o garimpo, madeireiro. Quero rio limpo, a floresta em pé. Para que nos odiar tanto? Não quero ver ninguém derrubando a floresta.” O alerta dado pelo cacique Raoni Metuktire foi endereçado ao presidente norte-americano Joe Biden, nesta quinta-feira (15), durante o ato virtual Emergência Amazônia: em defesa da floresta e da vida.
O manifesto on-line reuniu, além de Raoni, parlamentares de diferentes partidos ligados à Oposição, lideranças políticas, representantes da academia e de movimentos sociais, lideranças indígenas e quilombolas para denunciar o acordo que está sendo articulado a portas fechadas entre os governos dos Estados Unidos e do Brasil para a Amazônia. As negociações podem ser anunciadas na Cúpula de Líderes sobre o Clima, que deverá ocorrer na próxima semana, entre os dias 22 e 23 de abril, e geram preocupação.
De acordo com os participantes do evento – que lançaram uma carta e um manifesto que serão encaminhados a Biden, ao Congresso norte-americano, e aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) –, falta transparência e participação social na negociação.
“Esse evento se soma às outras iniciativas de cartas da Apib, do Fórum de governadores, que fazem crítica a esta metodologia do governo Biden de fazer acordo a portas fechadas com o governo brasileiro, sem participação da sociedade civil. Somos favoráveis à cooperação internacional, mas discordamos da forma. Cooperação pra quem? É um projeto que vai priorizar a vida ou que vai aumentar as desigualdades sociais? Vai falsear os dados ou fortalecer as organizações de fiscalização e controle, as populações locais no seu projeto de desenvolvimento econômico e social. Esse governo é inimigo da Amazônia, dos povos indígenas e seu projeto para a Amazônia é criminoso. Não merece confiança e Biden não devia dar atenção a este projeto”,
alertou o coordenador do Fórum Permanente em Defesa da Amazônia – entidade organizadora do evento –, deputado Airton Faleiro (PT-PA).
As negociações já acontecem há aproximadamente um mês. O risco, alertam as lideranças, é que Bolsonaro receba um cheque em branco dos Estados Unidos.
“Este é um governo que apenas enfraqueceu os mecanismos de fiscalização ambiental que possibilitam a conservação das florestas brasileiras e os compromissos do país no Acordo de Paris. Hoje, os jornais estampam que uma notícia-crime avança no STF contra o ministro do Meio Ambiente. Isso é importante ser observado pelos Estados Unidos. Além disso, não sabemos o que está por trás desse acordo. As exigências podem ser assustadoras. Não pode ser assim”,
afirmou a vice-líder da Minoria, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
A parlamentar ressaltou ainda o compromisso do PCdoB na luta em defesa da Amazônia. “Nosso partido sempre teve vinculação muito forte com essa pauta. Temos total interesse em nos manter nesse apoio na luta contra o desmatamento, contra a agressão aos direitos dos povos tradicionais. Esse governo jamais cumprirá as metas prometidas. Não concordaremos com qualquer apoio feito a portas fechadas”, reafirmou Jandira.
Trecho da carta que será encaminhada ao governo norte-americano reforça a preocupação. “Entendemos que um acordo com um governo abertamente antiambiental e antidemocrático, com tamanho pacote de retrocessos socioambientais tramitando no parlamento brasileiro, que se dê sem a consulta, a transparência, o diálogo com a sociedade civil, com governos da região amazônica, e com as populações locais é ilegítimo, insustentável, e seus resultados positivos, improváveis. A cooperação internacional para a Amazônia é bem-vinda, porém deve ocorrer com o comprometimento de ambas as partes com a conservação ambiental e o desenvolvimento sustentável e justo para as populações e, assim, atender ao interesse coletivo em prol da Amazônia, da democracia e dos direitos humanos do Brasil.”
Plano de Recuperação Verde
O presidente do Consórcio Interestadual da Amazônia Legal, o governador do Maranhão Flávio Dino (PCdoB), também participou do evento. Dino informou sobre a reunião realizada na quarta-feira (14) com governadores dos nove estados da Amazônia Legal com embaixadores do Reino Unido (Peter Wilson), Alemanha (Heiko Toms), Noruega (Nils Gunneng), União Europeia (Ignacio Ybáñez) e Estados Unidos (Todd Chapman) para discutir como os países do primeiro mundo podem ajudar na preservação da floresta amazônica. Dino salientou que a intenção era apresentar o Plano de Recuperação Verde (PVR) para a região, que tem como objetivo conter o aquecimento global, acabar com o desmatamento ilegal, alavancar o desenvolvimento econômico sustentável e melhorar a qualidade de vida de quilombolas, povos ribeirinhos e indígenas.
“Apresentamos uma visão de desenvolvimento sustentável aos embaixadores, frisando que a questão principal, em nível internacional, não é a obtenção de recursos financeiros apenas, mas sim, sobretudo, saber para onde esses recursos irão, ou seja, quais são as prioridades, valorizando a temática do desmatamento ilegal, que deve ser reduzido sim, porém, vinculando esse objetivo com a temática da geração de emprego e renda para os trinta milhões de brasileiros e brasileiras que moram na Amazônia brasileira”, explicou.
Segundo o governador maranhense, não é possível falar em segurança climática sem “ampla articulação”.
Bolsonaro ameaça direito à informação para a Amazônia
Outro tema abordado no evento foi a tentativa de desmonte da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) pelo governo Bolsonaro. Decretos assinados por Bolsonaro abrem brecha para a privatização da comunicação pública do país, pondo em xeque o direito constitucional à informação das mais de 30 milhões de pessoas que vivem na região amazônica.
O alerta foi levantado pela deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), presidente da Comissão de Cultura da Câmara. A parlamentar lembrou que o eventual avanço da proposta de Bolsonaro extinguirá, por exemplo, a Rádio Nacional da Amazônia, que leva em ondas curtas informação aos rincões do país.
“Estamos alarmados na Comissão de Cultura porque a privatização da EBC acabará com a Rádio Nacional da Amazônia e com todos os sinais de frequência pública. Estamos em defesa do direito da comunicação na região e reforço aqui meu compromisso na luta em defesa do terreno cultural e político da região”, afirmou.
Confira a íntegra da carta
Carta dos Parlamentares e da Sociedade Civil do Brasil aos Estados Unidos da América, em defesa da Amazônia
Os parlamentares e as organizações da sociedade civil brasileira que compõem o Fórum Nacional Permanente em Defesa da Amazônia, e as demais que assinam o ‘Manifesto ao Povo Brasileiro e à Comunidade Internacional’ anexo, apoiam e estimulam a cooperação internacional para a defesa do meio ambiente no Brasil.
O papel estratégico do Brasil e da Floresta Amazônica no combate à crise climática planetária fundamenta a importância do engajamento internacional, nos limites da soberania nacional, por meio de financiamento para medidas de proteção da floresta, suas populações tradicionais e povos originários. Neste sentido, reconhecemos e saudamos os projetos de cooperação com os Estados Unidos celebrados nas últimas três décadas que fortaleceram regulamentações e programas pró-clima no Brasil.
Entretanto, próximo à realização da Cúpula do Clima, a portas fechadas, sem transparência, participação e consulta àqueles que serão diretamente afetados, ocorrem negociações de um possível acordo de cooperação entre os Estados Unidos e o governo Bolsonaro com a justificativa de apoio à Amazônia. Estes termos de tratativa geram preocupação àqueles comprometidos com a pauta climática, com a democracia e com os direitos humanos. É inaceitável a conduta adotada pelo Brasil neste processo sem inteirar a sociedade sobre a construção de um possível acordo, ao mesmo tempo é alarmante que o governo dos Estados Unidos atribua confiança a um governo que empenha o negacionismo climático e tem a Amazônia e aqueles que lutam por sua conservação como inimigos. O alerta sobre o risco que o acordo pode representar para o meio ambiente e sociedade na atual conjuntura de ataques também foi apresentado em diversas cartas recentes ao governo do presidente Joe Biden, como a carta da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), na do Conselho Nacional das Populações Extrativistas – CNS; na carta da Sociedade Civil brasileira, assinada por cerca de 200 organizações.
Ao passo que negocia o acordo, Bolsonaro e seus aliados articulam a aprovação de leis que estimulam desmatamento, conflitos e violência na Amazônia, como a ‘grilagem’ de terras; o enfraquecimento do licenciamento ambiental, a abertura das terras indígenas para a agricultura empresarial e a atividade mineral, entre outras medidas de desregulamentação do uso da terra e recursos naturais. Alertamos que um acordo firmado neste cenário representará um mecanismo de validação e financiamento da agenda de destruição ambiental promovida pelo Governo, e que avança abruptamente no Congresso Nacional. Da mesma maneira, representaria um aval à política de retrocessos de Bolsonaro, justamente no pior momento da pandemia no país, quando o Brasil atinge mais de 350 mil mortos pelo coronavírus e retornamos ao Mapa da Fome.
Entendemos que um Acordo com um governo abertamente antiambiental e antidemocrático, com tamanho pacote de retrocessos socioambientais tramitando no parlamento brasileiro, que se dê sem a consulta, a transparência, o diálogo com a sociedade civil, com governos da região amazônica, e com as populações locais é ilegítimo, insustentável, e seus resultados positivos, improváveis. A cooperação internacional para a Amazônia é bem-vinda, porém deve ocorrer com o comprometimento de ambas as partes com a conservação ambiental e o desenvolvimento sustentável e justo para as populações e, assim, atender ao interesse coletivo em prol da Amazônia, da democracia e dos direitos humanos do Brasil.
Fonte: Liderança do PCdoB na Câmara dos Deputados
por Christiane Peres, Jornalista | Texto original em português do Brasil
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