Nada há de mais propício à eclosão da guerra que a projecção de uma imagem de fraqueza, e estas retiradas estratégicas ocidentais são, a esse título, preocupantes.
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As retiradas ocidentais
Depois de Biden chamar assassino a Putin, os EUA multiplicarem sanções e denunciaram a maior concentração de tropas russas junto da fronteira ucraniana desde 2014. Finalmente, a diplomacia turca divulgou um pedido dos EUA para a passagem de dois destroieres americanos em direção ao mar Negro.
Ainda de acordo com a reportagem da Defense News, a Rússia terá respondido que os exercícios militares iriam continuar por mais duas semanas e, mais importante ainda, anunciou o bloqueio do estreito de Kerch – que corta a comunicação entre as costas ucranianas do Mar Negro e as do mar de Azov.
Na sequência destes desenvolvimentos foi anunciada a anulação da passagem dos dois destroieres americanos para o Mar Negro, sendo pouco claro saber se se tratou de uma gestão da informação pouco amistosa por parte da Turquia – que tem necessariamente de ser notificada da passagem de vasos militares pelos Dardanelos – ou se se tratou de uma retirada decidida pelas autoridades americanas perante o reforço do dispositivo militar russo.
Este recuo da Armada Americana, real ou apenas sentido, do principal palco dos confrontos teve naturalmente o efeito de um balde de água fria junto das autoridades ucranianas que vêm este último desenvolvimento com legítima preocupação, dado que tem sido sobre a costa ucraniana do mar de Azov que a pressão russa tem sido mais óbvia.
Deixar passar em claro as jogadas hostis dos adversários é mau, mas anunciar contra eles medidas que não são levadas à prática é pior. Mais preocupante ainda é a impressão de que todo o crescendo de declarações anti russas da Administração Biden serviu apenas para que não se falasse de duas retiradas estratégicas americanas de maiores consequências, a de duas décadas de presença no Afeganistão e a decorrente da disponibilidade unilateral para retirar sanções ao Irão, abrindo assim o caminho para o prosseguimento do programa nuclear iraniano.
Nada há de mais propício à eclosão da guerra que a projecção de uma imagem de fraqueza, e estas retiradas estratégicas ocidentais são, a esse título, preocupantes.
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Recomposição no Indo-Pacífico
Desde meados do mês de Março assistiu-se a mais uma manifestação de força chinesa nas frentes taiwanesa e filipina do Mar do Sul da China que passou pela utilização um porta-aviões e de centenas de embarcações, supostamente de pesca mas que são com efeito militares.
A armada norte-americana, neste caso, respondeu de forma adequada com uma presença equivalente e realizando exercícios navais conjuntos com as Filipinas. Por outro lado, a França mostrou-se interessada na participação da principal aliança em formação na região, até hoje conhecida pelo nome de ‘Quad’ e que une os EUA, a Austrália, a Índia e o Japão.
Os exercícios navais conjuntos indo-franceses, sucedidos por outros no quadro do ‘Quad’ no Golfo de Bengala levaram a sonoros protestos por parte de Pequim mas parecem ter sido claros na mensagem de determinação que enviaram. Recorde-se que, na margem oriental do golfo, o golpe de Estado militar na Birmânia de 2 de Fevereiro foi precedido, quinze dias antes, por uma muito significativa reunião entre o Ministro dos Negócios Estrangeiros da China e o líder militar do golpe Min Aung Hlaing.
A forma como a China multiplicou os protestos e ameaças perante os exercícios navais indo-franceses mostra como ela se vê já como potência directamente implicada. No contexto da ASEAN, a China é a referência para as duas ditaduras militares da Tailândia e da Birmânia, dois Estados cliente que são o Laos e o Camboja influenciando de forma diversa os restantes com excepção do Vietname que se lhe opõe frontalmente.
A derrocada ocidental no Afeganistão, por outro lado, prenuncia uma chegada ao poder dos talibã, um tremendo recuo civilizacional para os afegãos e um aumento substancial da instabilidade no país e na região. Tanto a China como a Rússia mostraram-se mais empenhados em se ver livres da presença ocidental do que em acautelar as potenciais consequências de um novo centro jihadista. Isto é particularmente verdade para a Rússia e para os Estados da Ásia Central integrados na sua esfera de influência, dado que o programa chinês de erradicação da identidade religiosa e étnica no Turquestão Oriental parece ser intransponível para qualquer penetração talibã.
Os talibãs estão longe de constituir uma força unificada, com o Irão a disputar hoje a influência do que no princípio foi uma pura emanação paquistanesa, sendo claro que nem uns nem outros garantem o controlo absoluto do grupo, o que poderá complicar os cálculos chineses de projecção no Índico Ocidental.
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A emergência de uma nova aliança euro-árabe-israelita
Reuniu este fim-de-semana passado uma cimeira das diplomacias grega, cipriota, israelita e dos Emirados Árabes Unidos em Paphos com uma agenda em que a ameaça nuclear iraniana apareceu implicitamente como o ponto mais importante (destacado em título pela Al Arabiya).
O acordo nuclear iraniano de 2015, que a administração Biden afirma pretender ressuscitar, nunca foi mais do que o assentimento à emergência do Irão como potência nuclear coberto por uma massiva campanha de desinformação e propaganda. Se em 2015 se tratava de uma tragédia, em 2021 aproxima-se mais de uma comédia em que ninguém pode continuar a fingir que acredita no que o acordo pretensamente pretendia atingir.
Desde que, em Janeiro de 2016, o Presidente Xi e o líder espiritual Khamenei deram o seu assentimento ao acordo de cooperação estratégica, como eu acentuo no meu artigo do International Policy Digest, a cooperação sino-iraniana passou a ser estrategicamente mais determinante do que qualquer potencial cooperação irano-ocidental.
A recriação de uma cooperação irano-ocidental para dominar o mundo árabe, que seria uma tentativa de voltar aos tempos da pré-revolução islâmica, e que foi alimentada por praticamente todas as administrações americanas que antecederam a de Donald Trump, foi sempre um absurdo que simboliza a incapacidade das elites ocidentais entenderem o que por vezes apenas precisa de um mínimo de bom senso para ser entendido.
O facto decisivo nesta matéria foi a segunda sabotagem israelita do dispositivo nuclear iraniano de Natanz em menos de um ano. A credibilidade do dispositivo militar dos guardas revolucionários islâmicos para produzir a bomba nuclear foi severamente posta em causa.
The most devastating impact of the sabotage is in the perceived capacity of the theocracy to build the bomb. Iranians are laughing at the mullah incompetence! https://t.co/Ul9nNTudlm
— Paulo Casaca (@paulocasaca1) April 18, 2021
A sombra deixada pelo acordo estratégico sino-iraniano, e a incapacidade ocidental para dar credibilidade a qualquer acordo, levam a que se torne virtualmente impossível convencer quem quer que seja da racionalidade da aproximação irano-ocidental.
Tão ou mais importante do que a formação da aliança euro-árabe-israelita esboçada em Pathos foi a massiva manifestação iraniana contra a transformação do seu país num satélite da expansão chinesa para o mundo árabe.
A diplomacia chinesa, tal como a ocidental, pode estar a cometer o enorme erro de subestimar a capacidade dos iranianos para se revoltar contra o poder ditatorial, e isso poderá levar à derrocada da sua projecção no Índico Ocidental.