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Sexta-feira, Novembro 1, 2024

O Homem que Matou John Wayne e outros filmes do É Tudo Verdade

Ruy Guerra é hoje o mais importante sobrevivente do movimento brasileiro chamado Cinema Novo. E continua bem vivo.

O filme O Homem que Matou John Wayne – que está passando na 26º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade – não é uma biografia do cineasta moçambicano-brasileiro Ruy Guerra, mas uma apresentação do seu pensamento acerca de cinema. Os diretores Bruno Laet e Diogo Oliveira não se preocupam em mostrar que esse cineasta fuma charutos cubanos em todas as horas do dia, mas comentar com ele mesmo e com algumas outras pessoas que o conhecem o que o cineasta pensa.

A brincadeira criada, que resultou no título do filme, é ao mesmo tempo algo perfeito para explicar como Ruy Guerra vê o cinema hollywoodiano. Embora não tenha vivido muito na África e mais no Brasil, Ruy Guerra sabe muito bem o que é o colonialismo cultural que em Moçambique acontece de forma ainda pior do que em nosso país. E quando Chico Buarque mais o crítico francês Michel Ciment, Gabriel García Márquez, o cineasta alemão Werner Herzog, e o crítico português João Mendes falam sobre Ruy Guerra, é sempre expressando sobre como o cinema e o pensamento dele sempre foram em torno de uma luta a favor de uma liberdade a partir de “Os cafajestes”.

É importante o que Ruy fala sobre a necessidade do cineasta ter coragem para fazer o filme necessário, e que se não tivesse tido coragem não teria posto o tempo dado para a sequência em que Norma Benguell aparece nua em Os Cafajestes, se não o filme poderia ter tido menos força.

A estorinha criada sobre John Wayne é divertida: Ruy sonhou que vinha por um corredor e alguém enorme vinha em sua direção. Ele pensou em se afastar para cortesmente dar passagem. Mas de repente viu que era Wayne, um dos responsáveis pelo colonialismo do cinema ocidental. Então, quando ele se aproximou, deu-lhe uma cotovelada no estômago. E depois soube que ele tinha morrido de câncer no estômago por causa da cotovelada.

Além de O Homem que Matou John Wayne, está no É tudo verdade dois filmes moçambicanos de Ruy Guerra. Um é Mueda, Memória e Massacre, que reconstitui um episódio da história de Moçambique de 1960, ainda no governo colonial, quando foram mortos cerca de 600 pessoas sob alegação de indisciplina.

O outro filme é o média-metragem Os Comprometidos – Actas de um Processo de Descolonização, onde aparece o próprio presidente Samora Machel inquirindo um “colonizado”, um moçambicano que havia colaborado antes do governo popular com os colonizadores portugueses. Um filme que não passa realmente de uma sequência, mas que tem certamente uma enorme importância e autenticidade.

Ruy Guerra é hoje o mais importante sobrevivente do movimento brasileiro chamado Cinema Novo. E continua bem vivo.

(Olinda, 11. 4. 2021)


 

Chris Marker e o Cinema Documental

No Festival É Tudo Verdade, que começou em 8 de abril, vi no mesmo dia uma mostra especial em homenagem ao cineasta Chris Marker. Este, que é um grande cineasta e não apenas como documentarista, esteve em destaque no Brasil principalmente nos anos 70 do século passado. Em 1967, ele lançou o filme Loin du Vietnam, cujo assunto nos tocava muito.

Em 69 e 70, fez na série On vous parle du Brési dois filmes sobre o Brasil. Um sobre tortura pela ditadura de 64 e outro sobre Carlos Marighella. O nome de batismo do cineasta era Christian Hippolyte François Georges Bouche-Villeneuve. Ele nasceu em 29 de julho de 1921 e morreu em 29 de julho de 2012. Sempre foi um ativista em sua vida inteira, mas com base filosófica. Era formado em filosofia. Além de fazer filmes, fez fotografia, crítica, escreveu livros e sempre buscou conhecer a cultura de muitos povos, inclusive o japonês. Não foi um integrante do cinéma vérité, pois seus filmes possuem uma aura ficcional, porém sempre com muita verdade.

Chris Marker fez mais de 50 filmes. A mostra agora no É Tudo Verdade inclui um documentário de quase duas horas e meia realizado por Arnaud Lambert e Jean-Marie Barbe. Tem muitas citações de filmes de Marker. Entre as entrevistas, destaco a com o cineasta Win Wenders, que coloca questões especiais sobre a forma de ver e fazer o cinema por Chris – e fala, por exemplo, como ele enfrentava a questão das novas mídias. O nome do documentário é Chris Marker: Nunca se Explique, Nunca se Desculpe.

Um filme destacado de Chris é Sem Sol, que está passando. É um documentário ficcional que inclui a gente do Japão. Uma forma bela de mostrar como se comporta diariamente esse povo. Tem uma sequência que mostra a entrada do metrô, as pessoas totalmente aglomeradas antes das catracas; as pessoas cochilando durante a viagem; nas passagens das escadas. É uma sequência especial visual e muito bela.

Outro filme que está em exibição é A Solidão do Cantor, que é um documentário em torno da preparação de Yves Montand para fazer uma apresentação em Paris para apoiar os exilados chilenos do golpe de Pinochet. Ao mesmo tempo que mantém essa visão, também mostra o dilema do cantor ator em torno da preparação musical. E ao mesmo tempo mostra a própria performance do ator cantor maravilhosa.

Ainda temos Carta da Sibéria, que é um documentário também com ares ficcionais e belo. E ainda nessa mostra um documentário da cineasta Nicole Védrès, Paris 1900, sobre a cidade com a montagem de trechos cinematográficos existentes.

(Olinda, 9. 4. 2021)


 

O Tropicalismo e a sua história no cinema

A edição deste ano do Festival É Tudo Verdade, apresentado gratuitamente na internet, tem também uma mostra especial dedicada ao Tropicalismo. São sete filmes que se ligam a esse movimento cultural que aconteceu principalmente nos anos 60, tendo à frente Caetano, Gil, Torquato, Maciel, que repercutiu no Brasil todo.

Neste É Tudo Verdade, há Torquato Neto – Todas as Horas do Fim, dirigido por Eduardo Ades e Marcus Fernando, que conta a vida e a poesia desse artista piauiense que terminou no Rio de Janeiro integrado à cultura da época. E que deu fim à própria vida no dia em que completou 28 anos de idade.

Outro filme da mostra é Canções do Exílio – A Labareda que Lambeu Tudo, realização do pernambucano Geneton Moraes Neto, que entrevistou Caetano, Gil, Macalé e Mautner. É um filme excitante do ponto de vista cultural, pois Geneton colocava perguntas para fazer mexer com o pensamento dos entrevistados.

Outro filme é Coração Vagabundo, dirigido por Fernando Grostein de Andrade, um bom documentário do show que foi apresentado em São Paulo, Nova York e Japão. O fundamental é que Caetano fala com espontaneidade sobre muitas questões gerais ou pessoais.

Outro é Rogério Duarte – O Tropikaolista, dirigido por José Walter Lima, uma entrevista com o próprio Rogério Duarte, um baiano que não é muito conhecido do público, mas com participação forte no movimento e um excelente designer que fez inclusive o cartaz do principal filme de Glauber Rocha, Deus e o Diabo na Terra do Sol.

Narciso em Férias também está na mostra e certamente é o filme mais conhecido desse grupo de documentários, pois teve lançamento pela Globo. Caetano conta como foi sua prisão.

Ainda temos O Sol – Caminhando Contra o Vento, com direção de Tetê Moraes. Ele conta a estória do jornal O Sol, que saia diariamente como encarte do Jornal dos Esportes do Rio de Janeiro nos anos 60. O pessoal de esquerda todo colaborava. E Caetano casou com Dedé, que era repórter dele e fala na música Alegria Alegria.

Uma Noite em 67, que é uma montagem em torno do 3º Festival de Música Popular Brasileira, da Record, com participação de Gil, Chico, Caetano, Roberto e Sérgio Ricardo – que jogou o violão quebrado na plateia.

Muito bom colocar esses filmes em conjunto, que deixa a possibilidade de um melhor conhecimento em torno do que foi o Tropicalismo dentro da nossa cultura. Claro que não é só colocar elementos informações, mas poderá acontecer a análise que então deverá ser teórica. E dar chance para mostrar que a posição tropicalista não era “porraloquismo” – mas uma visão, uma forma de olhar os caminhos que poderiam ser seguidos dentro de um país dominado por uma ditadura militar.

(Olinda, 10. 4. 2021)


 

Gorbachev e sua queda da URSS

Filme politicamente muito importante, Gorbachev. Céu está na programação do 26º Festival É Tudo Verdade. Produzido durante o ano de 2020 na Letônia, uma das ex-repúblicas socialistas, o documentário é dirigido pelo cineasta Vitaly Mansky, principal entrevistador de Mikhail Gorbachev. Quando saiu do poder, Gorbachev foi morar numa casa luxuosa que lhe foi doada. E é aí que o filme começa. Mas a entrevista termina num hospital para onde ele teve que ir.

O diretor-entrevistador não teme fazer perguntas talvez indesejadas pelo entrevistado. E o que ele tentou o tempo todo foi conseguir de Gorbachev uma explicação para sua saída do Poder no Kremlin – uma dúvida que realmente ainda hoje está na cabeça de quem pensa na situação do mundo. Várias vezes a questão é colocada e inclusive Gorbachev é comparado com Lênin, que mudou o mundo com a sua posição. Mas, enquanto Lênin criou a República Socialista, o outro conseguiu destruí-la. Como?

Gorbachev. Céu é um título que deixa a impressão de que o filme é inteiramente a favor do entrevistado. Talvez seja. Mas não totalmente. No final dessa longa entrevista intimista, nós, espectadores, continuamos em dúvida. Para mim, o que me ficou foi a impressão de que Gorbachev não deveria ter sido escolhido para assumir esse Poder, pois ele demonstra ser uma personalidade muito sensível para esse cargo. Talvez quando moço tivesse outra maneira de enfrentar o Poder.

Agora, inteiramente pesadão, quase sem poder se movimentar, ele aparenta outro caráter. Mas tudo indica que houve uma luta política dentro do Kremlin e então Yeltsin conseguiu tomar o Poder e o mundo deixou de ter uma grande nação socialista.

Vale o seguinte comentário. É excelente que todos esses filmes em festivais e mostras como essa do É Tudo Verdade chegue a um grande público através da internet. Mas é necessário que se busque melhorar a forma técnica da exibição. Por exemplo, um filme intimista como esse deveria mostrar ao espectador a fisionomia bem às claras do personagem, mas fica escuro e difícil de se acompanhar. Até mesmo aparece um sinal redondo circulando, circulando na tela o tempo todo. Nem sempre o som é bom.

(Olinda , 11. 4. 2021)


por Celso Marconi, Crítico de cinema mais longevo em atividade no Brasil. Referência para os estudantes do Recife na ditadura e para o cinema Super-8  |   Texto em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado

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