A Barbie passou-se. Em vez de uma só, desengonçada e a permitir as piores perversidades adolescentes, agora tem corpinho para todos os gostos. Ora alta e magra, ora baixa e rechonchuda, ora branca ora negra. A empresa que a faz considerou, ao fim de dois mil anos, que Botero podia ter razão e vai de fazer moldes diversos para a bonecada.
A Barbie é, desde quinta-feira deste ano da graça de 2016, tudo o que um homem quiser. As meninas já podem brincar e os rapazes já podem rejeitar conforme etnia, credo e corpo.
A Mattel, empresa que nos deu tão profundos personagens como He-Man, dona da Barbie desde sempre, diz que assim quer chegar a todos os públicos. Fui ver. E não chega. O Ken, o eterno namorado da Barbie, continua branco e alto, como um Trump que se recusa a mudar.
Há que pensar, então, no que acontece além do reino maravilhoso. A sociedade já tinha reagido com alguma comoção à sexy Popota, toda ela curvadita e de baby-doll e minissaia. A Barbie clássica, inspirada num cartoon alemão da década de 50, estava gasta. Mas o problema estava nas vendas.
A Barbie já não vendia. Esperta como sempre, a Disney há muito tinha ultrapassado a bonequita da Mattel, com as suas princesinhas de todas as cores e feitios. A pobre alemã já só excitava os vintage, longe de se enquadrar no maravilhoso mundo da biodiversidade.
Tal como António Costa, a Mattel percebeu que era preciso diversificar: um bloquista aqui, um congresso do Livre ali, um PCP para a lapela. Eis-nos chegados, então, ao mundo dos moldes e cores para a canalha globalizada. Uma Barbie não é uma Barbie, são muitas. Igual ao mundo, aliás: uma convicção passam a ser muitas, à escolha e conforme a “conjuntura”.
Eu tive uma Barbie, das clássicas. Perdeu a cabeça comigo. Ainda lhe tenho as pernas. Mas sei que é uma Barbie porque só tinha aquelas pernas. Daqui a 30 anos já ninguém sabe de quem serão as pernas, porque se perdeu a identidade (mesmo que fosse estúpida e disforme).