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Sábado, Novembro 23, 2024

Karoshi

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Depois de ler, no início desta semana, o artigo «Morrer a trabalhar? Há um nome para isso: Karoshi», que o jornalista Ricardo Simões Ferreira assinou no DN e do qual ressalto o resumo que ele faz de um relatório da OMS, segundo o qual «…trabalhar 55 ou mais horas por semana significa um aumento de 35% no risco de AVC e de 17% de morte por enfarte, quando comparado com um horário de trabalho de 35 ou 40 horas…», que também refere outro dado ainda mais preocupante: um aumento de casos na ordem dos 29% entre 2000 e 2016.

Como o próprio recorda, este fenómeno não é recente, os primeiros estudos datam de há mais de trinta anos e se começou localizado no Japão, «…a sociedade globalizada e “sempre ligada” tem feito por trazer essa realidade até quase todo o mundo industrializado», transformando-o num (mau) fenómeno geral.

O termo japonês que designa a morte por excesso de trabalho – karoshi – não fazendo ainda parte do léxico popular (no momento actual nada ainda consegue bater a covid) pode passar despercebido para muitos, mesmo aqueles que conhecem um ou outro caso de fatalidades atribuíveis ao excesso de trabalho, que vendo bem até deverão ser em número superior ao dos casos de formação de coágulos sanguíneos na sequência da vacinação contra a Covid-19 de que possuam conhecimento directo e que tanta polémica e tantas decisões contraditórias já motivaram. A sua importância derivará principalmente da sensibilidade de cada um de nós para a realidade económico-social que nos rodeia.

Conscientes da dura realidade que é a de uma sociedade cada vez mais exigente e competitiva, em que o tempo parece sempre insuficiente para fazer tudo o que nos dizem que precisa ser feito, podemos assumir uma de duas atitudes: fazer o que julgamos possível ou, pactuar com quem pensa que os outros nunca fazem o suficiente… porque eles fazem tudo bem e depressa! Claro que existe subjacente a esta escolha um conceito político e económico, que não deve ser negado e ainda menos escamoteado no debate do problema.

Esta mesma dicotomia é a que sobressai quando se abordam questões como a da legislação laboral e se defendem ou criticam opções mais flexíveis ou mais rígidas, esquecendo invariavelmente que o objectivo da protecção do mais fraco será tanto mais eficaz quanto a regulamentação seja clara, honesta (que não aparente servir quem realmente prejudica) e o seu cumprimento eficazmente vigiado.

Outro pormenor, igualmente destacado pelo autor e segundo ele explicativo para as dificuldades nacionais na área das relações de trabalho, é o da fraca qualidade das elites governativas e directivas, com inevitáveis reflexos na motivação dos cidadãos e dos trabalhadores, a par o completo bloqueio do chamado elevador social, mecanismo que deveria assegurar alguma contrapartida e destaque ao esforço individual.

Advogando, na conclusão, a adopção da semana de quatro dias úteis como mecanismo de efectivo combate ao flagelo do prolongamento dos horários de trabalho e argumentando que tal seria exequível mediante a organização e o esforço para aumentar a rentabilidade das horas de trabalho, Ricardo Simões Ferreira acaba por lhe acrescentar o argumento de natureza ecológica da redução da poluição.

Não parece mal pensado, até porque atravessamos uma conjuntura particularmente desperta para esta problemática ambiental e, como o autor também refere, existem estudos que confirmam esse efeito da redução da poluição, mas pessoalmente parece-me muito mais adequada uma outra lógica argumentativa: é que a redução dos dias úteis de trabalho semanal deverá igualmente contribuir para alguma redução do desemprego e esta terá como inevitabilidade o aumento do poder de compra dos trabalhadores e do concomitante escoamento da produção.

E este é seguramente um argumento a que o desejo de lucro dos empresários será muito mais sensível. É que o aumento da procura interna, induzida pelo crescimento do rendimento das famílias e pelo aumento do tempo disponível (via redução para quatro dias úteis de trabalho semanal), terá efeitos positivos sobre o consumo, sobre o volume de negócios das empresas e sobre os seus lucros.

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