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Sábado, Novembro 23, 2024

A fábula do pangolim

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

A exposição da verdade, toda a verdade, nesta matéria é a única forma de nos precavermos contra esta e outras pandemias trazidas pela sinistra aliança da sede de dinheiro e da sede de poder sem limites nem restrições.

  1. O vírus da censura

Não é possível entender a catástrofe que se abateu sobre a humanidade a partir dos finais de 2019 sem entender a rede de manipulação e censura que foi montada na última década a partir do poder dominante das empresas tecnológicas que, do mercado da informação, passaram ao do poder político.

O manifesto de 2017 contra a ‘desordem informativa’, coredigido por um publicitário da teocracia iraniana para uma ONG criada pela número um das tecnológicas, a Alphabet; foi transformado em manual do Conselho da Europa por uma operação de captura de uma instituição europeia por interesses antidemocráticos.

A partir daí esse manifesto pela ‘ordem informativa’ contaminou todo o discurso e produção legislativa europeias em matéria de ‘combate à desinformação’. Ele é o ponto de partida conveniente para entendermos como foi possível a institucionalização da desinformação.

Enquanto os totalitarismos prometem a pessoa nova, perfeita e isenta de pecados, a democracia liberal assume o ser humano como imperfeito. Enquanto os totalitarismos assumem para si o encargo de criar a perfeição, a democracia liberal vê na liberdade a possibilidade de ver ideias melhores ganhar terreno a outras menos boas. Enquanto os totalitarismos vêm na organização dos Estados, monopólios ou oligopólios a chave para impor o que é supostamente bom sobre o que é supostamente mau, a democracia liberal vê no sistema de equilíbrios e controlos mútuos entre instituições independentes umas das outras a forma de obstar a que interesses particulares se sobreponham ao interesse geral.

Aquilo que os censores chamam de ‘desordem informativa’ é a liberdade de expressão e de opinião que é o alicerce mais importante do mundo livre. A censura, que os promotores da ‘ordem informativa’ consideram o remédio contra o rumor popular, é na verdade o seu principal motor, porque o cinismo, a desconfiança e as narrativas imaginárias que delas resultam são uma resposta humana à ditadura informativa.

Por isso, contrariamente ao que afirma o manifesto, não são as democracias que mais sofrem de epidemias de rumores ou de mitos populares, mas são antes as ditaduras como aquela a que o autor do manifesto faz a apologia: a iraniana.

Aquilo que encontramos nas sociedades livres, como as mentiras triviais, os delírios imaginativos, a maledicência, os mitos populares ou mesmo a difamação e a calúnia, encontram-se por regra em maior abundância nas sociedades privadas da liberdade, com a agravante de não encontrarem os mecanismos de um Estado de direito para lhes fazer frente.

Não é a censura que é eficaz para combater os abusos da palavra, mas é a democracia e o Estado de direito que têm de assegurar uma justiça competente e isenta para lhe fazer face.

Posto isto, a desinformação é uma arma de guerra, e isto não é desde a globalização ou da criação do ciberespaço, mas desde sempre, e nenhum Estado se pode permitir a ignorar essa realidade.

Saber como compatibilizar a liberdade com o condicionamento da informação para a guerra é um desafio complexo para o qual não tenho pretensões a ter encontrado a solução mágica; mas há alguns cuidados elementares evidentes.

Achar que a luta contra a desinformação deve autorizar a censura do cidadão, mas que não deve impedir os agentes do inimigo de se tornarem ideólogos e praticantes da censura travestidos de ‘factcheckers’ e financiados pelo contribuinte é de tal forma idiota que para que não aconteça, necessita apenas que os responsáveis pela salvaguarda da sociedade livre não sejam isso mesmo: idiotas!

  1. O vírus de Wuhan

Não está ainda passado o tempo necessário para que se possa ver com equilíbrio, sensatez e com base em informação independente e competente tudo o que existiu e continua a existir de mais importante no coronapânico que varreu e ainda varre o nosso mundo.

Passado mais de um ano, começa, no entanto, a surgir alguma luz sobre saber como começou a pandemia.

Deixemos de lado as mentiras grosseiras de circunstância que foram rapidamente abandonadas pelos autores, como a da não transmissibilidade entre humanos ou quando se tornou evidente que estávamos perante uma pandemia.

Não existindo dúvidas que a primeira vez que a doença atingiu proporções epidémicas foi na cidade de Wuhan, a primeira narrativa oficial foi a de que ela teria começado num mercado da cidade onde se vendiam animais selvagens.

Wuhan é considerada a capital mundial da investigação em coronavírus de morcegos, dispondo de duas instituições de investigação com amplo currículo na matéria, o Centro para a prevenção e controlo da doença de Wuhan e o Instituto de Virologia de Wuhan, o único centro chinês a que foi atribuído o nível de segurança 4 – internacionalmente, o mais avançado. Por outro lado, a China tem por todo o lado mercados onde se vendem animais selvagens vivos (para não falar dos incontáveis restaurantes onde eles estão expostos à entrada).

Nestas condições, à partida, sem necessidade de qualquer exame ou opinião de especialistas, a narrativa do mercado e não um laboratório como origem, tem um grau de probabilidade próxima de zero, levando a que a generalidade das atenções racionais e informadas se virasse para os ditos laboratórios.

Que as autoridades chinesas e a Organização Mundial de Saúde não tivessem partido desse princípio e agido em consequência não é surpreendente para quem tiver em conta como ambos actuaram desde o início da pandemia.

O que é deveras interessante e só recentemente – no mês passado – foi totalmente escalpelizado por uma personalidade científica de primeiro plano (Nicholas Wade, Origin of Covid — Following the Clues, 3 de Maio de 2021) é que a campanha de desinformação que transformou o inverosímil em dogma inquestionável, partiu dos EUA e foi de seguida imposta pela censura mediática internacional.

A 19 de Fevereiro de 2020, uma publicação de artigos científicos na área da saúde, a Lancet (que se tornou tristemente famosa noutros domínios da desinformação covidiana, nomeadamente na publicação de estudos inventados contra a hidroxicloroquina) publica um manifesto assinado por algumas dezenas de cientistas de solidariedade com a China e a OMS (em estilo inflamado e político) e proclamando que:

‘A rápida, aberta e transparente partilha de dados sobre este surto é agora ameaçada por rumores e desinformação em torno de suas origens. Erguemo-nos em conjunto para condenar veementemente as teorias conspirativas que sugerem que o COVID-19 não tem uma origem natural.’

Num pequeno texto de meia página, repetem-se as acusações de desinformação e conspiracionismo a todos os que duvidem do acerto do discurso oficial e exige-se a unidade de todos à volta da China e da OMS.

A expressão ‘origem natural’ é ambígua, porque uma coisa é saber se o vírus que deu origem à epidemia existe na natureza, outra é primeiro saber se ele foi capturado e acidentalmente libertado do laboratório e, nesse caso, se foi alvo de engenharia genética.

Há os que acham que o vírus que escapou foi submetido a engenharia genética (o supracitado artigo de Wade, por exemplo, considera essa hipótese como provável) e os que acham que o vírus libertado acidentalmente do laboratório não sofreu manipulação humana voluntária (por exemplo, Latham e Wilson, 15 de Julho de 2020, numa hipótese que Wade também considera possível).

O texto está inequivocamente construído para condenar como inimigos da saúde pública todos os que não seguem acriticamente a informação propagada pela China, pela OMS e pela burocracia sanitária americana, mas tem como única referência objectiva essa ‘origem natural’ do vírus.

Wade (3 de Maio de 2021) explica porquê: o promotor do abaixo-assinado é um cientista que dirige um projecto financiado pelo Instituto Nacional das Alergias e doenças contagiosas dos EUA, dirigido por Anthony Fauci, que subcontratou a parte mais perigosa do trabalho de investigação sobre coronavírus ao Instituto de Virologia de Wuhan.

Esta subcontratação americana ao laboratório chinês deu-se contra os sérios avisos feitos pela diplomacia americana na China e utilizando subterfúgios legais que passaram desapercebidos às autoridades.

O abaixo-assinado abusa assim do nome da ciência para iludir as suas responsabilidades pessoais no desencadear da hecatombe! Acusam-se os não crentes de desinformação para esconder a verdadeira desinformação, afirma-se que estes são conspirativos para esconder a lógica – essa sim conspirativa – de pôr no mesmo cesto todos os cientistas independentes cujo discurso não se remeta às teses oficiais.

A fraude promovida por Peter Daszak, que poderia e deveria ter sido identificada e denunciada à partida, quer pela revista que publicou o manifesto, quer pelas autoridades sanitárias e científicas americanas, quer pela comunicação social com um mínimo sentido crítico, foi antes transformada em dogma, e promovida pela máquina de propaganda das empresas tecnológicas americanas, que tratou de assegurar a censura e atacar a reputação dos que procuraram revelar a verdade.

A EUdisinfoLAB – organização lançada pela Alphabet que promove a desinformação e à qual dediquei um relatório – realizou em 2020 várias operações de desinformação, ataque reputacional e de censura a quem desmascarasse a desinformação sobre a origem do vírus (e outras).

Por exemplo, aqui, a EUdisinfoLAB gaba-se de ter conseguido censurar um filme francês que punha em causa vária desinformação institucional (a da origem do vírus por exemplo) e critica a empresa Youtube por não ter imediatamente censurado a informação científica não conforme à desinformação oficial.

Tudo indica que as instituições políticas agiram em conformidade com os desejos dos censores e se conluiaram com eles, como se pode depreender deste anúncio do EUdisinfoLAB que indicia que a captura do Estado pela censura e desinformação privadas abrangeu várias instituições públicas.

É claro que há sobre a origem da pandemia um grande manancial não institucional de desinformação, que inclui a acusação – totalmente inverosímil – de a população da cidade (com mais de dez milhões de habitantes e no coração industrial da China) ter sido usada como cobaia pelas autoridades chinesas.

Como deveria ser evidente para os líderes dos países democráticos, e como realçámos no início destas linhas, isto é assim não porque a censura não foi suficientemente ampla mas pelo contrário, porque a imposição da mentira pelo poder teve aqui, como tem sempre, o efeito de multiplicar a desconfiança e o delírio.

Os fautores da censura, de resto, como vimos, ao criar uma tese conspirativa segundo a qual todos os que colocassem dúvidas quanto ao discurso oficial deveriam ser metidos num saco comum sob o nome de ‘negacionistas’, promoveram estas narrativas.

Assim misturou-se o que é de grande probabilidade para qualquer observador isento (1) a fuga do vírus ter origem num laboratório da cidade de Wuhan; com algo que só os peritos na matéria podem plenamente discutir, (2) se o vírus foi ou não sujeito a engenharia genética; com o que não tem qualquer verosimilhança (3) que as autoridades chinesas (ou outras) tivessem usado Wuhan como palco de uma experiência para testar os efeitos no vírus.

  1. O pangolim

Para que a epidemia tivesse saltado directamente da natureza para a cidade de Wuhan através do mercado várias coisas eram necessárias, como a de a propagação das contaminações poder ser reconduzido a esse mercado, o que se veio a revelar como desinformação. Através dos registos dos internamentos hospitalares foi possível entender que a propagação do vírus se deu ao longo da linha de metro n.°2 que liga o Instituto de Virologia de Wuhan ao aeroporto (Wade 3 de Maio de 2021).

O problema maior para a tese oficial do salto natural do vírus da natureza para o homem é o de o vírus ser da família dos que se encontram naturalmente em populações de morcegos muito longe de Wuhan, no Sul da China. Para a história fazer sentido era necessário explicar como saltou o vírus do morcego para o homem, e como pode o primeiro contagiado atravessar meia China sem contagiar ninguém antes de chegar a Wuhan.

É aí que a desinformação oficial resolve inventar a história do pangolim que teria servido simultaneamente de transição entre o Sul e o centro da China e de catalisador da mutação que o vírus teria de sofrer para poder contagiar o ser humano.

Em duas das maiores epidemias deste século, existiu na verdade um animal que facilitou as mutações necessárias para que os vírus (ambos originários de morcegos) passassem ao homem, no caso do SARS-1 foi a ‘civeta’ (uma espécie de gato selvagem) e no caso do MERS-COV, o camelo. Com base nessa analogia, resolveu-se fazer a história do pangolim que, existindo no mercado dos animais selvagens em Wuhan, teria conseguido, não se sabe como, fazer a viagem geográfica e biológica do morcego para o homem.

Em artigo publicado por Rowan Jacobsen no Boston Magazine, a 9 de Setembro de 2020, com o sugestivo título ‘Ciência ou Censura’ faz-se a primeira denúncia de grande impacto público de como a história não tem consistência científica, os genomas do coronavírus do pangolim que tinham aparecido na literatura científica para justificar a teoria tinham sido inventados!

Mas apesar da evidência de que se estava perante uma fábula inventada para esconder um monstruoso crime contra a humanidade, a comunicação social oficial continuou a propagar a mentira e a censurar a verdade, até que, mercê da aplicação da legislação americana de transparência dos documentos públicos o principal responsável pela investigação viral americana, Anthony Fauci, foi obrigado a revelar os seus emails, e a verdade veio ao de cima.

Em vez de confessar que embarcou numa operação de desinformação, a comunicação social institucional pretende agora que se descobriram novos elementos que levaram a que se reabrisse o dossier da origem do vírus, quando o que aconteceu foi apenas ter-se tornado pública a conspiração para mentir e silenciar todos os que ousassem pensar e falar livremente sobre o assunto, a começas pelos cientistas independentes.

A exposição da verdade, toda a verdade, nesta matéria é a única forma de nos precavermos contra esta e outras pandemias trazidas pela sinistra aliança da sede de dinheiro e da sede de poder sem limites nem restrições.

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