Comércio eletrônico abre 90 mil postos de trabalho, mas ocupações tradicionais devem diminuir. Digitalização do mercado intensifica contratações no setor de logística e entregas e contribui com a precarização da mão de obra.
O comércio eletrônico, também conhecido como e-commerce, cresceu em todos os anos da última década. Em 2020, porém, por conta das restrições impostas pela pandemia de covid-19 e pelo aumento da demanda, esse crescimento foi intensificado, o que atraiu o investimento de grandes empresas e varejistas.
A edição mais recente do Webshoppers, estudo sobre e-commerce da Ebit/Nielsen, indica que o número de pedidos no comércio eletrônico subiu 30% entre 2019 e 2020. No mesmo período, a modalidade alcançou a marca de R$ 87 bilhões em vendas, um crescimento de 41%. Com esse avanço, quase 90 mil postos de trabalho foram criados no setor de logística e entregas.
Desenvolvimento do comércio eletrônico
“O que a gente assistiu foi a uma aceleração de um processo que já vinha acontecendo, e que, dada a pandemia, foi a grande saída para as empresas realizarem suas vendas e descobrirem novos mercados”,
afirma Edgard Monforte Merlo, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA-RP) da USP de Ribeirão Preto.
Na opinião do professor, o e-commerce “veio para ficar”. “Esse desenvolvimento está gerando mercados que muitas vezes as empresas não atingiam quando estavam só na economia real”, diz. Através do marketplace, vendedores menores podem anunciar seus produtos em portais de grandes varejistas, como Magazine Luiza e Americanas, e assim ampliar suas vendas.
A expectativa é de que o e-commerce continue crescendo em 2021. A modalidade tem uma taxa de penetração (relação entre o número de clientes que compraram no comércio digital em um período de tempo e o número total de clientes) de 10%, considerada baixa e com potencial de aumento. Segundo relatório da XP Investimentos, a estimativa é de crescimento de 32% no ano.
Com as boas perspectivas, os varejistas ampliam seu investimento. Em maio, o governo de São Paulo anunciou uma parceria com o Mercado Livre que inclui a aplicação de R$ 4 bilhões pela empresa no Estado e a criação de 5 mil novos empregos na região. A iniciativa também prevê o oferecimento de cursos profissionalizantes e a contratação de jovens através do programa Minha Chance.
Transformação do mercado de trabalho
Segundo Merlo, o desenvolvimento do e-commerce representa um processo intenso de mudança na economia, e esses fenômenos são acompanhados pela geração de postos de trabalho diferentes do que havia anteriormente. Entretanto, essas mudanças também estão relacionadas com o fechamento de alguns postos da economia tradicional, como os de venda física.
Em artigo publicado no boletim de maio da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), o professor da USP José Paulo Chahad afirma que o avanço do e-commerce na pandemia provocou a demissão de muitos prestadores de serviços e trabalhadores em vendas no varejo, ao mesmo tempo que aumentou a demanda para trabalhadores de delivery, que compensaram as perdas em outras ocupações.
A expansão da modalidade de comércio digital, segundo o artigo, deve promover mudanças significativas no mercado de trabalho. É possível que a demissão de caixas e assistentes de vendas seja intensificada, enquanto serão criados postos nos setores de transportes, comunicações e armazenamento. Mesmo com o fim da pandemia, é provável que ocupações que eram exercidas dentro das lojas não retornem.
Para Merlo, é difícil identificar a magnitude de geração e eliminação dos postos de trabalho, por isso, o desenvolvimento do capital humano é necessário. “Os esforços são muito importantes para fazer com que uma parte da mão de obra consiga emprego nesses novos postos de trabalho que estão surgindo.”
Digitalização da mão de obra
Essas mudanças não acontecem somente em relação ao comércio eletrônico. De acordo com Arnaldo Mazzei Nogueira, professor da PUC-SP e da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, está em curso a digitalização do trabalho e da mão de obra, uma tendência registrada desde o início do século 21 que, no geral, tende a reduzir os postos de trabalho.
Nogueira explica que, quanto mais um setor é digital e automatizado, menos ele precisa de força de trabalho. “O trabalho digital vem com tudo, ele certamente vai expandir, mas, proporcionalmente, ele vai reduzir o trabalho nas linhas diretas de produção e prestação.”
Segundo o professor, há dois tipos de postos de trabalho que são criados: o qualificado, normalmente ligado aos escritórios e à tecnologia, e o precário, ligado à realização das entregas e a ponta da linha de produção. O segundo tipo é o mais comum, conforme o processo de digitalização avança. De acordo com Nogueira, que é autor de um dos artigos presentes no livro Uberização, Trabalho Digital e Indústria 4.0, o trabalho precário é muitas vezes terceirizado ou em condições de subcontratação. “O que acontece é que há uma redução do trabalho regular”, afirma.
“Eles vão constituir uma força de trabalho sem direitos, sem regulamentação e muitas vezes são considerados prestadores de serviços”, comenta. “O que é importante para a gente discutir é a qualidade desses trabalhos, não negá-los”, acrescenta. Para Nogueira, é preciso repensar a regulamentação e a proteção desses trabalhadores para definir em que condições essas atividades serão realizadas. “Nós estamos vivendo um novo mundo, que pode se desdobrar tanto numa tragédia quanto em alguma civilização maior, vai depender de todos os demais setores que estão observando essas transformações”, conclui.
por Rodrigo Tammaro, Do Jornal da USP | Texto em português do Brasil
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