Diário
Director

Independente
João de Sousa

Sexta-feira, Novembro 1, 2024

Negação da ciência: por que isso acontece e 5 coisas que se pode fazer

Durante o curso da pandemia, pessoas morreram de covid-19 ainda acreditando que ela nem existia.

por Barbara K. Hofer e Gale Sinatra, em The Conversation | Tradução de Cezar Xavier

A negação da ciência tornou-se mortal em 2020. Muitos líderes políticos falharam em apoiar o que os cientistas sabiam ser medidas de prevenção eficazes. Durante o curso da pandemia, pessoas morreram de covid-19 ainda acreditando que ela nem existia.

A negação da ciência não é nova, é claro. Mas é mais importante do que nunca entender por que algumas pessoas negam, duvidam ou resistem às explicações científicas – e o que pode ser feito para superar essas barreiras à aceitação da ciência.

Editorial do Libération destaca responsabilidade do negacionismo do presidente Bolsonaro para a tragédia descontrolada da pandemia no Brasil

Em nosso livro “Negação da ciência: Por que acontece e o que fazer a respeito”, oferecemos maneiras para você compreender e combater o problema. Como dois  psicólogos pesquisadores, sabemos que todos são suscetíveis a formas dela. Mais importante, sabemos que existem soluções.

Aqui está nosso conselho sobre como enfrentar cinco desafios psicológicos que podem levar à negação da ciência.

Desafio nº 1: identidade social

As pessoas são seres sociais e tendem a se alinhar com aqueles que possuem crenças e valores semelhantes. A mídia social amplifica alianças. É provável que você veja mais coisas com as quais já concorda e menos pontos de vista alternativos. As pessoas vivem em bolhas de filtro de informações criadas por algoritmos poderosos. Quando as pessoas em seu círculo social compartilham informações incorretas, é mais provável que você acredite e compartilhe. A desinformação se multiplica e a negação da ciência cresce.

Ação nº 1: Cada pessoa possui múltiplas identidades sociais. Um de nós conversou com um negador da mudança climática e descobriu que ele também era avô. Ele se abriu ao pensar no futuro dos netos, e a conversa voltou-se para as questões econômicas, a raiz de sua negação. Ou talvez alguém esteja hesitante com a vacina porque o mesmo acontece com as mães do grupo de brincadeiras de seus filhos, mas ela também é uma pessoa cuidadosa, preocupada com crianças imunocomprometidas.

Descobrimos que é eficaz ouvir as preocupações dos outros e tentar encontrar um terreno comum. Alguém com quem você se conecta é mais persuasivo do que aqueles com quem você tem menos coisas em comum. Quando uma identidade está bloqueando a aceitação da ciência, aproveite uma segunda identidade para fazer uma conexão.

Desafio 2: Atalhos mentais

Todos estão ocupados, e seria exaustivo sermos pensadores profundos vigilantes o tempo todo. Você vê um artigo on-line com um título indutor de cliques, como “Coma chocolate e viva mais” e o compartilha porque presume que seja verdade, quer que seja ou pensa que é ridículo.

Ação # 2: em vez de compartilhar aquele artigo sobre como os OGMs não são saudáveis, aprenda a desacelerar e monitorar as respostas rápidas e intuitivas que o psicólogo Daniel Kahneman chama de pensamento do Sistema 1. Em vez disso, ligue a mente racional e analítica do Sistema 2 e pergunte a si mesmo: como posso saber se isso é verdade? É plausível? Por que eu acho que é verdade? Em seguida, verifique alguns fatos. Aprenda a não aceitar imediatamente informações em que você já acredita, o que é chamado de viés de confirmação.

Desafio nº 3: Crenças sobre como e o que você sabe

Todos têm ideias sobre o que pensam que é o conhecimento, de onde vem e em quem confiar. Algumas pessoas pensam dualisticamente: sempre há um certo e um errado claros. Mas os cientistas veem a provisoriedade como uma marca registrada de sua disciplina. Algumas pessoas podem não entender que as alegações científicas mudarão à medida que mais evidências forem reunidas, então podem ficar desconfiadas de como a política de saúde pública mudou em torno da covid-19.

Jornalistas que apresentam “ambos os lados” de acordos científicos firmados podem, sem saber, persuadir os leitores de que a ciência é mais incerta do que realmente é, transformando o equilíbrio em preconceito. Apenas 57% dos americanos pesquisados ​​aceitam que a mudança climática é causada pela atividade humana, em comparação com 97% dos cientistas do clima, e apenas 55% acham que os cientistas estão certos de que a mudança climática está acontecendo.

Ação # 3: Reconheça que outras pessoas (ou possivelmente até você) podem estar operando com crenças equivocadas sobre a ciência. Você pode ajudá-los a adotar o que o filósofo da ciência Lee McIntyre chama de atitude científica, uma abertura para buscar novas evidências e uma disposição para mudar de ideia.

Reconheça que muito poucos indivíduos dependem de uma única autoridade para obter conhecimento e experiência. A hesitação vacinal, por exemplo, foi combatida com sucesso por médicos que contradizem convicções errôneas, bem como por amigos que explicam por que mudaram de ideiaO clero pode dar um passo à frente, por exemplo, e alguns ofereceram locais de culto como centros de vacinação.

Desafio nº 4: Raciocínio motivado

Você pode não pensar que a forma como interpreta um gráfico simples pode depender de suas opiniões políticas. Mas quando as pessoas foram solicitadas a olhar para os mesmos gráficos que retratam os custos de moradia ou o aumento do dióxido de carbono na atmosfera ao longo do tempo, as interpretações diferiram por filiação política. Os conservadores eram mais propensos do que os progressistas a interpretar mal o gráfico quando ele mostrava um aumento no CO2 do que quando exibia os custos de habitação. Quando as pessoas raciocinam não apenas examinando os fatos, mas com um viés inconsciente para chegar a uma conclusão preferida, seu raciocínio falha.

Ação # 4: talvez você pense que comer alimentos de organismos geneticamente modificados é prejudicial à sua saúde, mas você realmente examinou as evidências? Veja artigos com informações prós e contras, avalie a fonte dessas informações e esteja aberto às evidências que se inclinam para um lado ou para o outro. Se você se der tempo para pensar e raciocinar, poderá causar um curto-circuito em seu próprio raciocínio motivado e abrir sua mente para novas informações.

Desafio 5: Emoções e atitudes

Quando Plutão foi rebaixado a planeta anão, muitas crianças e alguns adultos responderam com raiva e oposição. Emoções e atitudes estão interligadas. As reações ao ouvir que os humanos influenciam o clima podem variar de raiva (se você não acredita) a frustração (se você está preocupado, pode precisar mudar seu estilo de vida) a ansiedade e desespero (se você aceita que está acontecendo, mas acha que também tarde para consertar as coisas). Como você se sente sobre a mitigação do clima ou a rotulagem de OGMs, se você é a favor ou contra essas políticas.

Ação # 5: Reconhecer o papel das emoções na tomada de decisões sobre ciência. Se você reage fortemente a uma história sobre células-tronco usadas para desenvolver tratamentos para Parkinson, pergunte-se se você está excessivamente otimista porque tem um parente nos estágios iniciais da doença. Ou você está rejeitando um tratamento que possivelmente pode salvar sua vida por causa de suas emoções?

Os sentimentos não devem (e não podem) ser colocados em uma caixa separada de como você pensa sobre a ciência. Em vez disso, é importante compreender e reconhecer que as emoções são formas totalmente integradas de pensar e aprender sobre ciências. Pergunte a si mesmo se sua atitude em relação a um tópico de ciências se baseia em suas emoções e, em caso afirmativo, dê-se algum tempo para pensar e raciocinar, bem como sentir sobre o assunto.

Todos podem ser suscetíveis a esses cinco desafios psicológicos que podem levar à negação, dúvida e resistência da ciência. Estar ciente desses desafios é o primeiro passo para agir para enfrentá-los.


por Barbara K. Hofer e Gale Sinatra  |  Texto original em português do Brasil, com tradução de Cezar Xavier

Exclusivo Editorial PV / Tornado

The Conversation

  1. Barbara K. Hofer, Professora de psicologia emérita, Middlebury
  2. Gale Sinatra, Professora de Educação e Psicologia, University of Southern California

Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a nossa Newsletter. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

- Publicidade -

Outros artigos

- Publicidade -

Últimas notícias

Mais lidos

- Publicidade -