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Terça-feira, Dezembro 24, 2024

O Regresso da Geopolítica

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Por toda uma época histórica – do fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, ao colapso da URSS, em 1989 – o confronto de interesses no plano mundial era explicado pela luta sem quartel entre dois sistemas económico-políticos irreconciliáveis: capitalismo contra socialismo, democracia versus ditadura.

A simplicidade desse esquema interpretativo, que as ideologias respectivas se encarregavam de justificar, tornou-o universalmente popular. Na realidade, porém, as coisas eram bem mais complexas, com numerosas contradições de um lado e de outro da barricada, que dificilmente encaixavam nesse puzzle.

Sempre que necessário, as democracias dos países capitalistas dominantes não hesitavam, por exemplo, em apoiar as piores ditaduras. Há numerosos exemplos. Na América Latina, o caso mais célebre terá sido porventura o do ditador dominicano Rafael Trujillo Molina, que chegou ao poder com o apoio dos Estados Unidos em 1930 e nele se manteve de forma cruel, sangrenta e totalmente arbitrária até ser assassinado, em 1961. Foi sobre ele que o Secretário de Estado norte-americano Cordell Hull terá dito uma frase que ficaria para sempre registada nos anais da Guerra Fria: “Ele pode ser um f…. da p…, mas é o nosso f…. da p…”. Esta era, de ambos os lados, a nudez crua da verdade que o manto diáfano da ideologia não chegava a encobrir.

Foi assim que as democracias europeias continuaram, a seguir à guerra, a tolerar ditaduras de cariz fascista, como aconteceu nos casos de Portugal e Espanha, com os regimes de Salazar e Franco, admitidos até na Organização do Tratado do Atlântico Norte, supostamente criada para “defender o mundo livre do perigo comunista”. Do lado oposto, também não faltam exemplos. Até à sua extinção, a URSS apoiou numerosos governos que de socialistas ou comunistas pouco ou nada tinham. Muitas vezes, eram apenas grupos locais que se apoderavam do poder pela força instaurando ditaduras nacionalistas de ténue verniz marxista.

As maiores contradições surgiam dentro do próprio movimento. Partidos comunistas que em diferentes países lutavam pelos direitos democráticos submetiam-se às orientações vindas de Moscovo, onde imperava um regime que – é o mínimo que se pode dizer – não respeitava essas liberdades fundamentais.

Tendo vivido e trabalhado de ambos os lados da Cortina de Ferro, constatei que muitas vezes a fronteira, mais do que nos sistemas de propriedade ou de governo, estava no simples exercício do poder. Em Portugal e Espanha, governados longos anos pela direita, os valores estavam à esquerda. Reversamente, na Polónia ou na Hungria, submetidos a ditaduras comunistas, os valores estavam à direita. Isso explica até hoje a influência da esquerda na península ibérica e os governos de direita que dominam no leste europeu.

Olhando bem, portanto, já nessa altura dava para perceber que havia outras determinantes que não aquelas que as ideologias e propagandas respectivas se esforçavam por inculcar. Concretamente – os interesses económicos e políticos das potências dominantes de um e outro lado dos campos em confronto.

Ultrapassada a ilusão do suposto “Fim da História” – sugerido em 1989 por Francis Fukuyama, inspirado em Hegel- outros quadros interpretativos surgem para tentar explicar o recomeço – melhor seria dizer a ininterrupta continuação – dos confrontos e conflitos. Enquanto uns falam de “Confronto de Civilizações”, outros avançam com “Guerra de Religiões”, terceiros com “Guerra ao Terrorismo”… E há ainda os que dizem que estamos nos Pós-Guerra Fria ou mesmo de Regresso à Guerra Fria… É neste contexto que volta a ganhar foros de cidade a Geopolítica.

Elaborado a partir de meados do século XIX pelo geógrafo alemão Fridrich Ratzel, o conceito perdeu legitimidade pelo facto da teoria do Espaço Vital ter sido aproveitada por Hitler para justificar a sua política agressiva. Mas as ideias do inglês John Mackinder, reelaboradas depois pelo geógrafo americano Nicholas Spykman, sobre a “Ilha Mundo”, na qual se recorta um território crucial que vai do rio Volga, na Rússia, ao rio Yangtze, na China e dos Himalaias à Sibéria e ao Árctico – considerando que quem dominar esse espaço, onde se concentra a maior riqueza, controlará o planeta – merecem nova atenção à luz do confronto que se desenvolve, agora sob novas condições, entre os EUA e os seus aliados, por um lado, a Rússia e a China, por outro.

Como escrevia, já em 1994, o Professor do Departamento de Ciência Política USP, Leonel Almeida Mello, “a despeito do que possam pensar certos idealistas políticos ou outros que se auto-denominam “científicos”, Mackinder em matéria de relações internacionais — assim como Hegel em filosofia — não é “cachorro morto”. Não explicará tudo, mas é certamente um contributo para uma melhor compreensão dos conflitos que dilaceram o nosso mundo.

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