Estão fechadas todas as portas que dão acesso ao edifício social.
Um edifício multidisciplinar com dobradiças complexas e fechaduras sem combinação possível que permita à quase totalidade dos seus elementos constitutivos as ferramentas necessárias para a feitura de chaves ajustadas aos modelos instituídos.
Um edifício de tal forma monstruoso e assente em estruturas tão movediças que, para além da dificuldade antes referida, lhe acresce a localização exata das suas portas de acesso, janelas imaginarias ou virtuais que sejam, que permitam aos já referidos membros constitutivos, acesso desobstruído e sem quaisquer outros entraves, antes agora e depois, e com a acomodação devida para todos, onde o atual contexto social não permite, e que só alguns são os portadores de autênticas gazuas tecidas nos bastidores de todas as tramas estruturais onde se forjam os formatos educativos e culturais dos povos organizados em sociedades ainda hoje muito longe do grau civilizacional necessário que permita a autonomia pretendida e de participação ativa num estádio de responsabilidade assumida como elo principal da engrenagem central necessária para que o indivíduo se possa afirmar como elo nevrálgico do coletivo social.
De portas fechadas está, como disse, todo o edifício social mas também toda a sua filosofia de enquadramento e de concepção desde o desenho das suas peças; cartografia; execução dessas mesmas peças; até ao uso corrente do edifício.
Um uso que nunca é o correto por motivos dispersos na justa medida em que só os detentores das antes citadas gazuas conseguem percorrer-lhe os corredores e acomodarem-se nos seus luxuosos gabinetes distendendo todas as malfeitorias possíveis de imaginar pelos elos das correntes mentais dominantes com o objetivo claro de domínio concertado dos mais abastados sobre os mais necessitados.
Mesmo assim, e como a porta mais ampla “fora da caixa” é o pensamento, atreveu-se o citado, a escancarar a porta e “voar” Serra arriba ao sabor deambulante do passo irregular do indivíduo que de ar pesaroso calcorrea um carreiro térreo com pedras soltas e giestas nas bermas que serpenteia por entre rochedos e árvores raras e de onde se avista uma língua de água presa numa imponente represa incrustada numa mancha verde que se estende até ao limite do horizonte conversando com os seus botões a quem perguntava com voz timbrada, alto e bom som, como soe dizer-se.
– Porque será que também tu, botão, estás preso?
Cosido em um dos lados da camisa e para cúmulo de todos os teus azares, apertado num buraco aberto no outro lado da camisa?
– Quiçá, para seu conforto, senhor.
Respondeu-lhe o botão.
O senhor coçou a cabeça e retorquiu:
– E o que tem a ver o meu conforto com o teu desconforto?
– É tão simples quanto a língua de água que corre lá em baixo estar presa na represa para que se produza a energia necessária às populações que serve. E, dessa forma, a sua condição de prisioneira passa a condição necessária ao equilíbrio do habitat artificial construído pelo Homem.
Explicou o botão acrescentando:
– Assim como todas as pedras que continuarão a crescer ao sabor da deslocação e solidificação das poeiras sem que se saiba com precisão científica informação sobre se tem, ou não, vida própria;
– As árvores e todos os outros seres que compõe este local e arredores, se não lhes tocarem ou houverem outros atropelos, naturais ou outros, continuarão “prisioneiros/as” pelos mais diversos motivos, nos mesmos sítios e por isso os encontrarás sempre que por cá passares.
Em jeito de conclusão, o botão, depois de muito pensar, teceu consideração:
– Sabes, meu amigo; nascemos, crescemos e morremos sempre presos uns aos outros.
– E claro!
Respondeu-lhe o senhor.
– Mas, o facto de cada elemento da Natureza ser um elo de uma corrente sem fim não justifica as “PORTAS FECHADAS” inibidoras da lealdade para com os demais elos.
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90