Este Auto-Retrato que Magritte pinta em 1936, intitulado A Clarividência, é mais uma vez a expressão formal da sua ideia do que é representação, neste caso do pássaro e já não do célebre cachimbo; mas ao pintar-se a si mesmo pintando, coloca ainda uma outra questão, evoca e convoca outros pintores, como Velasquez, no célebre quadro das Meninas: renova a questão do criador que se vê (se cria) a si mesmo enquanto recria os outros.
A composição e o papel que cada um se atribui é marcadamente diferente: Velasquez mantém-se discretamente de lado, dando o centro do espaço às princesinhas e acompanhantes; Magritte ocupa, ainda que de costas, um espaço predominante – mudaram-se os tempos, o artista já não é vassalo, é dono e senhor de si mesmo e da sua obra.
Não falaremos de um “através do espelho”, como em Alice no país das maravilhas, mas de um através da tela – sendo a tela o espaço ideal (idealizado) de projecção do eu (eu criador).
O pintor está de costas, o rosto de perfil, mas não fixa nenhum pássaro visível, o que tem na mesa é um ovo (figuração simbólica do germinar da ideia).
Está de través, como também se poderia dizer; ou seja atravessado e atravessando dois mundos, o real e o imaginário que projecta no quadro.
E sabe disso, tem plena consciência do que é e do que faz, daí o título: clarividência.