Com a entrada em vigor do Brexit logo nos primeiros dias de 2021 rapidamente se fizeram sentir os seus efeitos nos mercados financeiros e de pronto a praça holandesa de Amsterdam ultrapassou a londrina no mercado europeu de acções empresariais. Mesmo sem substituir plenamente a congénere inglesa e esta distribuição de poder possa até representar mais uma clara vontade política por parte do BCE para marcar o rompimento com Londres que a vontade efectiva do mundo empresarial, é de assinalar (e aplaudir) esta nova realidade.
A Euronext Amsterdam, recorde-se, resultou da fusão, em Setembro de 2000, da bolsa holandesa (considerada por muitos como a mais antiga do mundo, uma vez que a sua fundação remonta aos primórdios do século XVII e à acção da Companhia Holandesa das Índias Orientais) com as Bolsas de Valores de Bruxelas e de Paris e que recuperou a sua independência depois de ter sido incorporada à NYSE (Bolsa de Valores de Nova York) entre 2007 a 2014, período durante o qual foi conhecida pela designação NYSE Euronext, assumindo desde então o carácter de uma bolsa europeia independente; além desta mudança de um lado para o outro do Canal da Mancha, a ruptura entre a City e o continente fica bem evidente quando mais de quatro centenas de empresas financeiras deixaram a praça financeira inglesa e os bancos sediados no Reino Unido transferiram cerca de 10% de todos os activos daquele sistema bancário, 900 mil milhões de libras (mais de um bilião de euros), enquanto as seguradoras e os gestores de activos, transferiram mais de 100 mil milhões de libras (cerca de 118 mil milhões de euros) em activos e fundos. Em resultado destes fluxos de caixa e de capital, foram também transferidos cerca de 7.400 empregos, apesar deste processo de desligamento ser marcado por barreiras tarifárias e não tarifárias e de as empresas da City terem perdido o seu “passaporte financeiro” (expressão que designa o conjunto de equivalências que permitem aos participantes no mercado financeiro negociar sem entraves no mercado único da UE), o que se traduz na obrigação deste recorrerem agora a um “parceiro” sedeado na UE para negociarem com clientes do espaço europeu.
No primeiro dia de abertura da Bolsa de Valores de Londres depois do Brexit efectivo, mais de 6 mil milhões de euros de transacções sobre acções de empresas europeias deixaram a City; este valor, que representa, aproximadamente, metade do mercado, não passou a ser negociado num único centro financeiro mas em várias capitais europeias (enquanto Amsterdam subia do sexto para o primeiro lugar, também outras praças começaram a beneficiar das transferências de activos e pessoal provocadas pelo Brexit), num claro sinal da tendência de multipolarização do sistema financeiro europeu, confirmada ainda pela decisão do Bank of America de escolher Dublin como plataforma dedicada às suas actividades bancárias dentro da UE, e de criar uma nova em Paris, constituindo o centro de suas actividades de mercado.
Entretanto o BCE parece pretender assumir um papel mais activo no capítulo da fiscalização e no controle do poder financeiro da City, procurando evitar que os bancos que operem no seu espaço continuem a depender das subsidiárias londrinas e mantenham reservas e processo de gestão do outro lado da Mancha, por considerar que isso dificulta a correcta avaliação e gestão dos riscos.
Embora abalada e um pouco mais isolada, a City não deverá ressentir-se em demasia, pois mantém toda a atracção que há muito exerce sobre os capitais oriundos do leste europeu e em especial os dos oligarcas russos ou de origens ainda mais duvidosas. Essa continua a ser uma opção, com a qual contam para compensar ou mesmo ultrapassar as perdas registadas para os mercados europeus. O Brexit facilita-lhes ainda o redireccionamento de energias para outras paragens, a libertação de algumas limitações que atribuíam à UE e até o estabelecimento de uma nova estratégia de competição fiscal, como anteriormente o fizeram com a conversão de Jersey (um pequeno território insular bem junto à costa francesa) num paraíso fiscal.