Destaques da Mostra Primière Brasil do Festival do Rio.
A Mostra Première Brasil do Festival do Rio passou lá no cinema de Botafogo e também on-line. E aqui comento alguns filmes a que assisti. Eles colocaram em exibição os filmes que haviam selecionado para a mostra de 2020, que não aconteceu. Por isso alguns filmes já eram conhecidos.
Atordoado, Eu Permaneço Atento
Esse é um curta que fez parte do Festival do Rio e merece um destaque especial. Na verdade, é um depoimento do jornalista Dermi Azevedo que sofreu na ditadura de 64 e mostra as possibilidades de vivermos hoje aquelas agruras.
Ele é um jornalista do Rio Grande do Norte, mas teve de ir viver em São Paulo, no Chile, fugindo da ditadura. Um depoimento, ele hoje com mal de Parkinson. Um trágico clima que mostra como, mesmo abatido, alguém pode continuar atento. E lutando.
Olinda, 09.08. 2021
Pajeú
O cineasta cearense Pedro Diógenes é jovem com um pouco menos de 40 anos. Tem tido uma intensa atividade nos últimos dez anos, pois no seu currículo existem seis longas e dez curtas, além de ter trabalhado em sessenta filmes como técnico de som.
Esse seu filme “Pajeú” esteve no Festival como ficção. Mas é tão verdadeiro, que poderia inclusive passar como sendo uma pesquisa de campo antropológica. Nele é criada uma estória simples, o sonho de uma jovem com medo de sumir de repente, desaparecer, e isso como uma alegoria para o sumiço que aconteceu em Fortaleza do Riacho Pajeú. Certamente, todo mundo conhece a música de Zé Dantas e Luiz Gonzaga “Riacho do Navio”, que também foi cantada por Fagner. A música que sublinha o filme faz leves referências a ela. E a estória mesmo é contada por uma atriz, Fátima Muniz, na pele da pesquisadora Maristela. O mais interessante é como o filme começa como uma leve trama e se transforma numa grande denúncia contra “os poderes constituídos” que deixaram o rio ser transformado num simples esgoto. É a vida de Fortaleza sendo contada e cantada por uma película de ficção.
Olinda, 09.08. 2021
King Kong en Asunción
Uma importante presença no Festival, esse filme de Camilo Cavalcante. Ele começa com uma cena muito violenta que assustou inclusive a psicanalista Dinara Machado, que ia parar de ver o filme, mas eu lhe alertei que a violência é no caso uma presença fundamental da caracterização do drama.
Na verdade, o filme todo tem um permanente clima de drama nostálgico e quase sentimental. Sem dúvida, uma criação fílmica original no currículo de Camilo.
Olinda, 09. 08. 2021
Um Animal Amarelo
Um cineasta bem aceito pela crítica internacional, o carioca Felipe Bragança tem obras exibidas em grandes festivais.
Talvez quando assistir a esse filme “Um animal amarelo” de outra vez eu vá gostar. Dessa vez gostei pouco. Ele tem uma estrutura que busca envolver o espectador em questões colonialistas, questões culturais. Questões entre África e Portugal e Brasil. Me pareceu um tanto esquemático. Com muita sofisticação elaborativa. Mas com pouca qualidade de simples direção. E muita quebra na montagem. Questões políticas pesando mais do que a própria estrutura dramática.
Olinda, 09. 08. 2021
A Morte Habita à Noite
Eu penso que tenho mais condições para avaliar um filme quando o vejo pela segunda vez depois de algum tempo, como acontece com esse filme de Eduardo Morotó, “A morte habita à noite”.
E minha impressão é de que o primeiro longa desse cineasta é bom, mas não muito forte e denso como parecia na primeira visão. É uma obra que caminha linearmente e faltando alguns momentos em que houvesse algum choque. A personagem vivida pela jovem atriz Endi Vasconcelos traz na verdade certos momentos. Mas o personagem principal vivido por Roney Villela não consegue dar gritos dramáticos. É um ator competente, seguro. Mas a estória do personagem é bastante linear. Como se trata de um cineasta com muitos prêmios, inclusive internacionais pelos curtas, e se trata do primeiro longa, é certo de que produzirá obras maiores. Esperemos.
Olinda, 10. 08. 2021
Limiar
“Pajeú” tem título de documentário e está apresentado no Festival do Rio como ficção. Esse filme, “Limiar”, tem título de ficção e está aqui como documentário.
Os filmes talvez até com isso dificultem as suas visões. “Limiar” é o segundo longa da cineasta paulista Coraci Ruiz e se joga em torno do filho dela. Talvez por isso mesmo é tão solto quanto uma narrativa. São praticamente pedaços de cinema que são colocados para o espectador ver e ele mesmo fazer seu filme. Eu por exemplo me interessei bastante pelo depoimento de Coraci sobre os kibutzes de Israel. Ele se parece com o depoimento que eu já ouvi do poeta Marcelo Mário Melo sobre essas comunidades.
Olinda, 10. 08. 2021
O Ciclope
Um curta paulistano, esse “O ciclope”, mas com cara de provinciano e poético.
No começo, a filha mostra fotos tiradas pelo pai e suas lembranças e as fotos são mostradas. Numa segunda parte, o pai caminha fora da prisão e a filha conta a estória que ouviu dele. De que o ciclope é o bicho mais infeliz do mundo, pois sabe, quando nasce, o dia em que vai morrer. Um filme curta que se destaca no quarto grupo desse gênero.
Olinda, 11. 08. 2021
#eagoraoque
Esse filme é de 2020. Já vi noutro festival #eagoraoque realizado por Jean-Claude Bernardet e Rubens Rewald, que fizeram o roteiro.
É um filme bem realizado do ponto de vista de cinema. E o grande personagem é o músico e filósofo Vladimir Safatle. Este participa de vários debates dentro do filme e o melhor é com negros de uma comunidade do Rio. Penso que o fundamental na crítica desse filme é pensar como ele chegará ao público. Desde 2020 ele já foi visto por quantas pessoas? Que debates já provocou? Do ponto de vista de Jean-Claude, talvez mostre como ele conseguiu aos 85 anos de idade mudar sua ação no cinema de crítico para a atuação. Mas a grande questão inclusive em cima de Safatle: O que realmente é possível e o que se tem que fazer?
Olinda, 11. 08. 2021
Curral
É outro filme pernambucano neste Festival, e sem dúvida é um destaque. Marcelo Brennand fez seu primeiro ficção.
Sua formação foi na New York Film Academy. E antes fez um documentário (2015) e um curta (2016). Ele deve conhecer muito bem a cidade de Gravatá, pois senão não conseguiria essa verdade histórica que o filme apresenta. Infelizmente. O filme não é regional. Mostra uma realidade extremamente regional, mas com perfeita narrativa cinematográfica. Tenho a impressão de que todos os atores são da região. Triste a política como ela é apresentada. E como sabemos que é real. Marcelo Brennand se preparou tecnicamente para construir esse filme.
Olinda, 12. 08. 2021
Desterro
“Desterro” é uma produção internacional da carioca Maria Clara Escobar.
Como ela é poeta além de cineasta, esse filme tem o clima de um conjunto de poemas. Cada poesia aparece em um trecho. Situação de cada um personagem é a forma da ligação estrutural. Assim o espectador vai se ligando ou não a cada poesia. Visual.
Olinda, 12. 08. 2021
Para Onde Voam as Feiticeiras
Este filme é mostrado como dirigido por Eliane Caffe, Carla Caffe e Beto Amaral.
Mas a minha impressão é de que quem fez mesmo a sua estrutura foi a cineasta Eliane, que fez a montagem. E “Para onde voam as feiticeiras” depende especialmente dessa montagem, pois os seus momentos são quase isolados, embora de um conjunto que se une. Ele mostra uma parte da sociedade paulista. Gente que está menos presa à sociedade institucionalizada. Que vive na rua sem teto. Ou que vive perseguida pela polícia. É um filme fundamental para quem quer conhecer a principal cidade do Brasil. Conhecer seu povo. Mas a quem será que chega esse filme?
Olinda, 13. 08. 2021
por Celso Marconi, Crítico de cinema mais longevo em atividade no Brasil. Referência para os estudantes do Recife na ditadura e para o cinema Super-8 | Texto em português do Brasil
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