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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

Paulo Mendo: o elogio da diversidade

Mário Jorge Neves
Mário Jorge Neves
Médico e membro do Observatório de Saúde Antonio Arnaut.

Paulo Mendo é um conhecido médico que desde muito cedo teve uma intervenção cívica muito importante a par da sua atividade profissional.

É neurologista e neurorradiologista, tendo sido o responsável pela criação desta última especialidade médica no nosso país.

Fez toda a carreira médica hospitalar, tendo chegado ao seu topo.

Ainda jovem, foi um opositor à guerra colonial e ao regime fascista derrubado em Abril de 1974.

Fez parte do MUD juvenil (Movimento de Unidade Democrática) que constituiu uma ampla plataforma de convergência de todos os sectores democráticos da nossa sociedade de então que lutavam pela democracia e a liberdade.

Esteve preso pela PIDE cerca de 2 meses e meio, juntamente com outros dirigentes estudantis.

Estas atividades obrigaram a que se tivesse exilado mais tarde em Marrocos.

Já em democracia, foi secretário de estado da saúde em 1976/77, num governo presidido por Mário Soares e num período em que não existia o ministério da saúde, mas o ministério dos assuntos sociais.

Nesta sua participação governamental é um dos artífices da gestão democrática nos hospitais em que se procedia à eleição de parte dos membros dos respetivos conselhos de administração (decreto-lei nº 129/77 e decreto regulamentar nº 30/77).

Em 1981/1982 exerce de novo o cargo de secretário de estado da saúde num governo presidido por Pinto Balsemão, onde se mantem o ministério dos assuntos sociais, tendo publicado o primeiro diploma das carreiras médicas (decreto-lei nº 310/82),cujo processo reivindicativo vinha desde 1961.

De 1987 a 1993, foi presidente do conselho de administração do Hospital Santo António (Porto).

De 1993 a 1995 desempenhou as funções de ministro da saúde num governo presidido por Cavaco Silva.

Passado pouco tempo de ter assumido estas funções demitiu a administração do Hospital de Évora que se mantinha em funções desde os acontecimentos dramáticos de diversas mortes de doentes no respetivo serviço de hemodiálise.

Por outro lado, tomou a decisão de publicar a portaria nº 186/94, de 31 de Março, que visou estabelecer um novo impulso à melhoria da formação médica pós graduada, bem como da qualificação médica por ela conferida, ao consagrar a chamada titulação única na obtenção do título de especialista, acabando com a fragmentação da qualificação médica até aí existente.

De referir que em 1992 Carlos Santana Maia foi eleito bastonário da Ordem dos Médicos com mais de 60% dos votos, tendo como principal matéria programática a titulação única.

Em 2002 publiquei um livro com o título “A saúde, as politicas e o neoliberalismo”.

A organização sindical médica de que eu era, na altura, um dos seus dirigentes considerou de utilidade informativa efetuar sessões de apresentação do livro em Lisboa, Porto e Coimbra.

Quando se perspetivou a sessão no Porto, lembrei-me de convidar Paulo Mendo para apresentar o livro, tendo-lhe enviado previamente o texto.

Paulo Mendo disse -me que existiam diversos aspetos do texto que lhe suscitavam substanciais diferenças de opinião e que estava surpreendido pelo meu convite.

Respondi-lhe que essas diferenças eram muito úteis porque se fossemos os dois dizer a mesmas coisas, as pessoas presentes na sessão adormeceriam rapidamente.

A sessão realizou-se e houve um debate vivo sobre os problemas que vêm afetando a saúde desde há largo tempo.

O sectarismo político e ideológico é o principal obstáculo ao livre desenvolvimento das ideias e da consciência crítica.

É da contradição que nasce o progresso!

E a síntese é sempre o resultado de opiniões contrárias.

De 2002 a 2005, Paulo Mendo, apesar de estar no governo um ministro da saúde do seu partido, foi um crítico frontal das parcerias público-privadas na saúde (PPP) e dos hospitais SA a quem chamou num artigo de opinião “ hospitais Sem Alma”.

Em 10 de Julho de 2018, a Ordem dos Médicos fez, de surpresa, uma homenagem a Paulo Mendo a partir de um convite para participar num debate sobre a lei de bases da saúde, que no final evoluiu para essa homenagem.

Depois das várias intervenções dos convidados, em que fui um deles, Paulo Mendo fez uma curta declaração de agradecimento onde, entre outros aspetos, referiu que uma questão que ele sempre tinha valorizado muito na sua ação cívica e política era a diversidade.

Registei aquela afirmação de princípio e revi-me nela.

Num momento em uns aprendizes de inquisidores voltam a surgir para exigir declarações sobre opções ditadas pela liberdade de consciência de cada um, temos de fazer um “hino” à diversidade.

Esses “aprendizes” têm como objetivo supremo uniformizar as opiniões e as opções numa obsessão paranoide de aplicação do pensamento único.

O nosso futuro civilizacional como sociedades livres impõe a completa liberdade criativa, a liberdade de pensar e decidir.

Valorizemos cada vez mais o livre pensamento, porque não há nenhum inquisidor que corte a raiz ao pensamento.

Só o pensamento livre permite que sejamos cidadãos esclarecidos e de corpo inteiro.

Como disse um dia, no final do Secº XIX, o advogado cubano José Marti: “Ser culto para ser Livre”.

Ao colega e amigo Paulo Mendo, um enorme e fraterno abraço na Diversidade.


por Mário Jorge Neves, médico, membro do Observatório de Saúde António Arnaut

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