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Quinta-feira, Novembro 21, 2024

Era uma vez Angola

Vitor Burity da Silva
Vitor Burity da Silva
Professor Doutor Catedrático, Ph.D em Filosofia das Ciências Políticas Pós-Doutorado em Filosofia, Sociologia e Literatura (UR) Pós-Doutorado em Ciências da Educação e Psicologia (PT) Investigador - Universidade de Évora Membro associação portuguesa de Filosofia Membro da associação portuguesa de Escritores

Num prado de muito longe e parado, deito-me à sombra de sorrisos vadios para tentar pelo menos começar a noite e aí sim, fechar de verdade os olhos.

O chão é o princípio de tudo para nada, respiramos oxigénio como quem bebe fel e sorri contente não vá o fim antecipar-se e tudo o vento levar. Ainda que tudo tenha ido já, nada ficou, de verdade, ficou este absoluto nada sem formas nem fórmulas a gente num papel qualquer e que importa se sabem ou não ou se entendem ou não, sabendo nós já e de cor o nada ali numa caixa onde a estupidez perdura como um raio que me parta a paciência.

Já tanto tempo passou e tanto tempo se perdeu. Distraímo-nos a ver passarinhos subtis a cobrar nada do tanto que já voou, do lixo a felicidade ingénua de inocentes e crentes numa oração entre contentores de lixo e vómitos vomitados na soberba, a arrogância e o fato inseparável faz parte da ordem celestial qual é a capacidade desta gente que nem sente que se sente mesmo, ignoram o céu, sabem mais que a divindade e nem a bíblia ou Jesus Cristo, temos tudo como dizia Fernando Pessoa, nada sabe de contabilidade e nem consta que tivesse biblioteca.

Aqui já não há fome. Há morgues repletas com cadáveres desconhecidos já putrificados, cheiros nauseabundos a percorrerem a marginal como se Luanda assim fosse. Vinte ou trinta não fazem o todos e a maioria faz parte desse corredor de paredes inchadas de peles secas dos que já partiram para ficarem ali num desumano espectáculo de miséria.

Era uma vez Angola.

Que interessante seria se tudo isto fosse um conto para se vender em supermercados, não há livrarias, mas avenidas frias intermináveis, mas não, não é conto, é a soma de tantas palavras que os olhos fechados e cerrados conseguem ainda assim ver. Os olhos para nada servem já, basta sentir no corpo o que é impossível de se ver.

Escolas não faltam. Falta quem ensine. Hospitais, mas sem médicos, imensas avenidas sem semáforos, alcatrão vendido e estradas de terra batida não venha o diabo dizer que nada foi feito. E nada foi feito. O que será ser um país? O que é ser governo? Que significado tem uma assembleia da república? Ou então, que representa para todo o mundo olhar-nos com desprezo e pena? Já enterrei a minha alma para que não a roubem, tornei-me invisível porque temo a sombra do meu não existir, nem corro, não compensa chegar mais cedo.

Num diapasão vazio que comigo segue, descemos os Combatentes contentes tal a tristeza que por dentro rangia como gato danado e tropeçar nas lezírias de uma noite só de uma vez, e assim ficar, e assim estar, e ali estar até tudo acabar, como hoje, já tudo terminou.

(texto escrito em pirâmide invertida)

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