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Domingo, Novembro 3, 2024

Afeganistão: Como financiarão os talibans a economia?

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Talvez o problema mais urgente que espera o futuro governo taliban seja o de como financiar a economia do seu país, depois de duas décadas de uma ocupação militar estrangeira que nunca mostrou grande preocupação com isso.

Uma ideia do futuro próximo poderá ser dada por um estudo do British Overseas Development Institute (um think tank britânico dedicado a questões de desenvolvimento internacional e humanitárias) sobre a província de Nimroz (localizada no sul do país, na fronteira entre o Irão e o Paquistão e que foi a primeira a ser tomada pelos talibans) e que faculta uma ideia das fontes de financiamento que os islâmicos conseguiram mobilizar no terreno; ao contrário do que é ideia corrente, surge à cabeça a tributação dos fluxos de comércio formal e informal, algo que se revelam muito melhor do que o governo anterior, e só depois o narcotráfico.

Este resultado surpreendente (para o ponto de vista mais popular no Ocidente) deve ser analisado com as reservas devidas ao facto da região em apreço não ser particularmente adequada ao cultivo da papoila do ópio, mas já um relatório da NATO de 2020 referia que, antes de assumirem o poder, os talibans tinham a capacidade de arrecadar receitas da ordem dos 1,6 mil milhões de dólares e no seu último relatório sobre o mercado mundial de drogas, a ONU indica que o Afeganistão representava 85% do suprimento mundial de ópio no ano passado (6.300 toneladas resultantes do cultivo de 224.000 hectares), uma importante fonte de divisas ligada à fabricação de heroína.

Esta questão e a ideia generalizada sobre a mais famosa das produções afegãs, especialmente sensível aos poderes e à imprensa ocidentais, já levou os talibans, através do seu porta-voz Zabihullah Mujahid, a assegurarem a intenção de não se envolverem nem facilitarem o narcotráfico numa mensagem destinada a tranquilizar a comunidade internacional, mas também a alertar que o retorno ao narcotráfico e o desenvolvimento de um narcoestado seriam apenas o resultado da falta de ajuda externa.

A propósito, talvez mereça a pena recordar que esta não é a primeira vez que os talibans agem ou se comprometem a agir contra a produção da heroína. Já o tinham feito em 2000, antes da invasão ocidental, como o mostra a evolução da área afegã dedicada ao cultivo da papoila do ópio…

…que, segundo dados da própria ONU, rapidamente cresceu para valores próximos do dobro após 2001, chegando mesmo a ultrapassar os 300.000 hectares de área cultivada em 2017 e deixando a dúvida de o recuo registado nos últimos três anos se dever, ou não, à seca que tem assolado a região.

Os novos senhores de um país devastado por décadas de guerra que herdam uma economia pouco mais que incipiente e muito dependente da ajuda externa, num território com reduzidas capacidades agrícolas e indústria inexistente, impossibilitados de recorrer às reservas monetárias sob controle estrangeiro (norte-americano) e a braços com uma catástrofe humanitária, terão poucas ou nenhumas hipóteses além do recurso ao tradicional comércio do ópio ou da possível exploração mineira, recentemente anunciada, que até já terá despertado a atenção da China e dos vizinhos Paquistão e Índia.

Segundo dados do AFGHANISTAN VOLUNTARY NATIONAL REVIEW 2021 – coligidos e publicados pelo anterior governo, dirigido por Ashraf Ghani, que apontam para mais de 47% da população em situação de pobreza, quase 37% da população (cerca de 11,7 milhões de pessoas) a viver sem segurança alimentar e uma taxa de mortalidade neonatal superior a 37 por mil – o cenário do país é muito pouco animador e…

…a experiência e os antecedentes dos novos governantes são bem conhecidos, mas o que em caso algum pode ser dito é que sem saberem como governar, os talibans lançam o caos no Afeganistão, quando boa parte desse caos está a ser intencionalmente fomentado no terreno, com o congelamento das reservas (contrariamente ao que, insidiosamente, aqui afirma Luís Delgado) e a suspensão ou a redução da ajuda internacional, e na opinião pública ocidental, graças a este tipo de notícias e comentários.

 

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