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Sexta-feira, Novembro 15, 2024

Dados de mobilidade mostram eficácia de isolamento contra pandemia

Análise da primeira onda de covid-19, ocorrida ano passado, mostra que estratégias de isolamento bem-sucedidas reduziram de 24% a 40% a incidência da doença.

Pesquisa com participação do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP sobre as medidas de isolamento social adotadas na pandemia de covid-19 usou dados de mobilidade captados por telefone celular para avaliar os locais em que esse isolamento foi mais eficaz. Os pesquisadores apontam que, onde foi adotado o isolamento brando, quando o número de casos não era alto, foi possível deter o crescimento acelerado da pandemia, mesmo num período sem vacinas e com hospitais lotados. Isolamento brando é quando não há lockdown mais radical ou controle de ir e vir, como ocorreu na Argentina e em países asiáticos. O estudo mostra que as estratégias de isolamento bem-sucedidas reduziram de 24% a 40% a incidência da doença. Para o futuro, os responsáveis pelo estudo reforçam a necessidade da existência de dados de mobilidade confiáveis e em tempo real, a fim de aprimorar as estratégias de controle de epidemias.

A pesquisa analisou o impacto do isolamento social feito no Brasil na evolução da epidemia, durante a primeira onda da covid-19, acontecida no ano passado. “Dada a diversidade das ações, essa análise se mostra muito complexa”, aponta o professor Sérgio Oliva, do IME, um dos pesquisadores que realizaram o trabalho. “Porém, alguns resultados se sobressaem, principalmente, da eficácia desse isolamento brando, quando aplicado no início.” Os resultados da pesquisa são apresentados no artigo A snapshot of a pandemic: The interplay between social isolation and COVID-19 dynamics in Brazil, publicado em 15 de setembro na revista científica Patterns, da Cell Press.

Isolamento social foi usado como medida preventiva ou remediativa; preventiva, quando o número de casos por 100 mil habitantes ainda é baixo, desacelerando o avanço do coronavírus e dando tempo ao sistema de saúde para se preparar; remediativa, quando o número de casos por 100 mil habitantes é muito elevado, o que requer a substituição do isolamento brando pela adoção de medidas mais extremas, com lockdown.

O professor explica que, na pandemia, o isolamento social foi usado como medida preventiva ou remediativa. “A medida preventiva se caracteriza pela aplicação deste isolamento brando quando a doença já estava estabelecida, com um número mínimo de casos por 100 mil habitantes, mas ainda não tinha atingido um limiar muito alto, o qual varia conforme o tamanho da cidade. Isso fezcom que se mitigasse o avanço, diminuindo a velocidade de crescimento, dando tempo para que o sistema de saúde se preparasse”, relata. “Como medida remediativa, o isolamento ocorre quando o número de casos já tenha ultrapassado um limiar, ou seja, o número de casos por 100 mil habitantes esteja muito elevado, aí o isolamento brando não basta e medidas mais extremas, com lockdown, têm de ser tomadas.”

Os dados de mobilidade de aparelhos celulares são uma medida indireta do efeito das políticas de isolamento, aponta Oliva. “Como no Brasil não houve um controle rígido do isolamento, essas medidas mostraram-se ser uma das únicas disponíveis para se aferir a adesão a elas”, observa. “É importante ressaltar que todas as informações usadas no estudo foram fornecidas por uma empresa que coleta os dados de forma agregada por cidades, portanto, sem impacto na privacidade individual.”

Isolamento na hora certa

Os pesquisadores analisaram os dados de incidência da doença e o índice de isolamento de várias cidades brasileiras, posteriormente agregando-as pela hierarquia demográfica e cruzando com dados de índice de desenvolvimento humano. “O resultado é que há um impacto das medidas de isolamento brandas realizadas no Brasil. Quando realizadas na hora certa, elas mitigaram o avanço da doença numa época sem vacinas e os hospitais estavam perto do colapso. As estratégias de isolamento bem-sucedidas reduziram de 24% a 40% a incidência da doença”, relata o professor do IME.

Gráficos com a curva de casos de covid-19 registrados na primeira onda da doença, acontecida em meados de 2020, em 32 cidades brasileiras, onde a baixa corresponde à queda da quantidade de infecções pelo coronavírus motivada pela adoção de medidas de isolamento social, numa fase em que não havia vacinas disponíveis, aliviando a pressão nos serviços de saúde e reduzindo o número de mortes; isolamento reduziu entre 24% e 40% a incidência da doença  – Imagem extraída do artigo

“As cidades que tardaram mais para implementar tais medidas sofreram mais com a pandemia”, diz Oliva. “Também verificou-se, pelos dados de isolamento, o impacto e eficácia do Plano São Paulo, retardando o pico da doença nas cidades do interior.”

“Um sistema de monitoramento de crise centralizado, permanente e efetivo, com métricas públicas e participação de peritos de várias áreas, alimentando as decisões políticas, daria mais transparência e poderia ter feito com que o impacto da epidemia no Brasil fosse menor”, enfatiza o professor. “Com isso, possivelmente a doença não teria ramificado tanto e teríamos controlado melhor a pandemia, diminuindo mortes até a chegada da vacina.”

Quanto à viabilidade de uso desse tipo de dado no caso de futuras pandemias, o professor aponta que cada epidemia difere da anterior, porém, o trabalho deixa clara a importância da existência de dados de mobilidade em tempo real, confiáveis e de abrangência nacional, sem revelar a identidade das pessoas que tiveram as informações analisadas, preservando a privacidade individual.  “Isso permite uma rápida predição do espalhamento da epidemia e posterior controle ótimo de planos de distanciamento social, evitando sobrecargas do sistema de saúde, possivelmente sem necessidade de impor restrições de mobilidade muito rígidas”, salienta.

“Um sistema de monitoramento de crise centralizado, permanente e efetivo, com métricas públicas e participação de peritos de várias áreas, alimentando as decisões políticas, daria mais transparência e poderia ter feito com que o impacto da epidemia no Brasil fosse menor”, enfatiza o professor. “Com isso, possivelmente a doença não teria ramificado tanto e teríamos controlado melhor a pandemia, diminuindo mortes até a chegada da vacina.” Além de Oliva, o trabalho teve a participação dos pesquisadores Cláudia Peixoto, Diego Marcondes e Pedro Peixoto, do IME, Mariana Melo, da Escola de Engenharia de Lorena (EEL) da USP, e Cláudia Ferreira, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu.


por Júlio Bernardes  |  Texto em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado

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