A este óleo de 1961 deu Magritte o título de “Le tombeau des Lutteurs, o túmulo dos Lutadores”.
Por aqui se vê como o conceito de realismo de um criador pode ser mutável: o título produz sobre quem vê o quadro a sensação de que algo mais do que a simples rosa ali se esconde, algo mais se pretende dizer; não será pois uma obra de cunho meramente formal, realista, fotográfico quase (Magritte trabalhou em publicidade, conhece bem o valor do suporte fotográfico como mediador de realidade) mas antes uma proposta em que, pelo contraste do título, ele nos vem dizer “o que se vê num objecto é um outro objecto escondido”.
Se estava na moda, com Gertrud Stein, afirmar “a rose is a rose is a rose is a rose….” ou seja o real é aquilo que vemos, mais do que isso é pura especulação, pois a nossa capacidade de apreender o real é limitada – havia aqueles que, contrariando essa moda, buscavam para lá do real apreensível uma outra dimensão, uma transcendência que, essa sim, conteria a verdade da Obra (seguindo, talvez sem o saber a doutrina de Platão do Belo e do Verdadeiro).
Já no início do século Rainer Maria Rilke (durante os anos de Paris fiel secretário de Rodin) se tinha debruçado sobre o mistério da Rosa, sua íntima essência, sua última perversidade.
Em belíssima tradução de Maria Gabriela LLansol para a editora Relógio d’Água (1996) encontramos o ciclo de 24 poemas que Rilke dedicou às ROSAS e de que escolho apenas um ou outro exemplo:
II
Vejo-te, rosa, como livro enorme
com inúmeras páginas, entreaberto,
contando, em pormenor, uma felicidade única
que nunca ninguém lerá: És um livro mágico
que se abre ao vento e que até, de olhos fechados,
pode ser lido…
de onde as borboletas saem assombradas
por terem tido o mesmo pensamento.
XXII
Rosa, afinal estás brotando
da campa dos mortos,
tu, que transportas
para um dia feito de ouro
a alegria inabalável.
São eles que o permitem?
Eles cuja cabeça oca
nunca soube tanto como agora?
Ou vejamos ainda esta última estrofe do poema XXIII:
A tua espantosa diversidade permite-te conhecer,
numa mistura em que tudo se confunde,
essa inefável concordância do nada e do ser
de que ignoramos tudo?
Rilke, o poeta da transcendência absoluta, permitindo que por trás dele se descubra a rosa do Paraíso de Dante, a luz do centro do universo tal como lhe foi misticamente revelada.
Outros, como Fernando Pessoa pela voz de Ricardo Reis, desejarão ser coroados de rosas:
“Coroai-me de rosas,
Coroai-me em verdade
De rosas –
Rosas que se apagam
Em fronte a apagar-se
Tão cedo!
Coroai-me de rosas
E de folhas breves.
E basta.”
(1914)
Pessoa era leitor de Rilke, cuja obra conhecia bem.
Num como noutro a pulsão da morte se transforma nesse desejo de rosas – que de tão absolutas se tornam inacessíveis ao destino mortal.
Eis ainda Ricardo Reis, em 1916:
Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é sombra
de árvores alheias.
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós próprios.
Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
….
….
Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.
Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.
Dir-se-á: a que nos leva esta deriva do pensamento sobre a rosa e sua efémera realidade?
Precisamente à noção de uma efemeridade que só a obra de arte torna real e duradoura. De cada vez que olhamos e vemos, que lemos e somos levados a sentir.