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Terça-feira, Novembro 26, 2024

Monólogo de um mestiço

Delmar Gonçalves, de Moçambique
Delmar Gonçalves, de Moçambique
De Quelimane, República de Moçambique. Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora (CEMD) e Coordenador Literário da Editorial Minerva. Venceu o Prémio de Literatura Juvenil Ferreira de Castro em 1987; o Galardão África Today em 2006; e o Prémio Lusofonia 2017.

Poemas de Delmar Maia Gonçalves

I

“Apesar do mar azul há pântanos de incertezas.”

II

Sinto a acidez do ódio
nas pálpebras
da minha quietude.

II

“Mucutu”

Saudade
ancestral de passados
que nos preenchem
os vazios da solidão presente.

III

“Nós somos zombies de nós mesmos.”

IV

Viver no exílio
atormenta-me o coração
Oxalá meu Deus,
me devolvas
às planícies sagradas
do meu solo pátrio.

V

“Eu”

Nos pés e nas mãos
carrego o espectro
da veia ancestral
e nos olhos liberto a esperança
com asas de condor
Eis-me futuro!!!

VI

No preciso instante
em que a pátria de revolve em sangue
calo-me bem alto
e falo-me baixinho.

VII

Em quantas mãos
se dividem
as mãos da nossa morte?

VIII

No mundo
em que me vejo afogado
após a expulsão
do ventre da minha mãe
não vivo
Fui condenado
a descobrir novos mundos
num mundo em que viver é pecado capital.

IX

“Vozes anoitecidas pelo silêncio”

Estranha tristeza
me invade
revolvendo-me as entranhas
Vãos desejos de vendetta
me inquietam
Clamados são
por vozes anoitecidas pelas grades do silêncio.

X

“Monólogo de um mestiço”

O bode expiatório

Porque teria
de preocupar-me com os mestiços?
Não serão eles
tão racistas como os negros?
E se, não são como estes,
o que importa, se são igualmente tão racistas como os brancos?
Não serão eles os mais revoltados que estão contra tudo
e contra todos?
Que confiança poderia depositar numa mente híbrida?
Que sociedade teria espaço para um banido?
Já percebi a raiz de todo o mal!
Já percebi o porquê
de tanto sofrimento nestas sociedades!
E por isso vos peço, por favor brancos e negros!!!
Decretem o fim dos mestiços!
Promulguem e aprovem a lei anti-mestiçagem!
Mas céus! Não sem antes
exterminarem os seus criadores!
Para que então a morte seja justa.
Afinal, não é tão importante moralizar
a morte nestas sociedades?

XI

“Mestiço e africano”

Sou o que sou
não o nego
Sou o que sou
mesmo sendo o que não sou!

XII

“Solo”

Mãe
minha pátria
é o teu solo.

XIII

“Imbondeiro”

Sou um imbondeiro
e a lua é minha irmã
na selva do mundo.

XIV

“Dei um pontapé no cú do diabo!”

XV

“Pátria”

És o vesúvio estrelado
em chamas
que planta meu extermínio.

XVI

“Lua”

A lua
banha-me
a esperança adormecida.

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