“La vie est à Nous”, produzido pelos comunistas franceses, a tortura sob a perspectiva de Patricio Guzmán e o melodrama “Meus dias no Cairo”.
O importante da plataforma Making Off é que com ela temos oportunidade de ver por exemplo o filme “A vida é nossa” (La Vie est à Nous), que foi produzido em 1936 claramente como um documentário de propaganda para uma eleição que ocorreu naquele ano na França, com a política de Frente Ampla.
É um filme de 1 hora de duração, e a produção foi organizada pelo PCF – Partido Comunista Francês –, mas a verdade é que a organização coube a uma grande equipe de cineastas ligados ao Partido, como Henri Cartier-Bresson (que se transformou no fotógrafo mais famoso talvez no mundo), Jacques Becker e Jean Renoir. Este foi escolhido para coordenar a realização do filme.
O que me parece mais interessante vendo esse filme militante é observar como o cinema era importante nesse ano para a política e para um Partido que não estava no Governo, mas tinha ligações com o país socialista dessa época, a União Soviética. Em seu conjunto de cenas, onde as marchas e reuniões aparecem quase sempre, as presenças de Lenin e de Stalin aparecem em duas cenas isoladas com todo destaque. Mas quanto ao aspecto cinematográfico, sente-se que Jean Renoir teve autonomia para montar a produção. É uma obra que tem dimensão plástica, tem continuidade e uma narrativa autônoma e inclusive com beleza estética.
“La Vie est à Nous” nos chega através da Making Off, e para mostrar a importância dessa forma nova de exibição de filmes, é bastante lembrar que se trata de uma obra que não foi apresentada à censura, portanto, nunca foi exibida em cinemas comerciais, mas somente em salas ligadas à organização partidária. Se hoje houvesse setores educativos com espírito de conscientização, ele seria aproveitado como peça fundamental para debate. Tanto como cinema, quanto como expressão didática.
Há um trabalho longo de análise desse filme escrito por franceses num guia de filmes existente no CCBB – Centro Cultural Banco do Brasil.
Olinda, 10. 10. 21
A Tortura e Patricio Guzmán
A plataforma Making Off tem uma importância extraordinária, pois traz por exemplo o primeiro filme realizado pelo cineasta chileno Patricio Guzmán, o curta-metragem “Apuntes sobre la tortura y otras formas de dialogo”. O filme tem 14 minutos de duração e foi realizado em 1968, quando ele começou sua carreira no Chile e tem toda uma astúcia na apresentação do tema, porque leva a questão não só a toda a América Latina, mas também questiona o Comandante e outras figuras de Cuba como o próprio Guevara. É assim um começo totalmente aberto, sem temer enfrentar questões da própria esquerda política da qual sempre participou.
Patricio Guzmán teve uma carreira cinematográfica sempre ligada à sua terra, o Chile, e mesmo depois que saiu de lá em 1973, quando Pinochet deu um golpe e assumiu a ditadura, foi inclusive para Cuba, mas terminou indo morar na França, onde vive até hoje. Ele tem uma dezena de filmes, todos ligados a seu país.
Mas esse curta me levou a pensar como existem filmes abordando as mais diversas questões sociais e humanas. Parece que hoje em dia os filmes estão mais esquecidos dessas questões. Entretanto, pelo tanto de filmes que existem, as pessoas poderiam ter uma outra visão de mundo, se realmente assistissem a pelo menos um décimo deles. Basta ver, por exemplo, que em 64 uma ação principal dos ditadores foi tentar impedir que os filmes com visão crítica fossem produzidos. O mesmo acontece hoje com este governo no Brasil de um senhor da extrema direita.
Penso que essa forma de divulgação de filmes, através de plataformas on-line, ajuda à divulgação de todo tipo de filme, e por isso a grande importância delas. Mesmo uma plataforma oficialíssima como a Netflix, aqui e ali, traz obras mais abertas e críticas, e assim importantes para influenciar na formação cultural dos espectadores.
Todo mundo sabe que cinema não é a maior diversão, e os filmes só servem para isso quando são inteiramente alienados. Mas esses são feitos assim em função de um caminho que é buscado pelos filósofos do pensamento racista ou mesmo desumano.
Olinda, 27. 09. 21
Meus dias no Cairo
Um filme simples e comercial – isto é, bastante disponível para agradar ao espectador –, “Meus dias no Cairo” (Cairo Time) merece estar nessa seleção que a plataforma MUBI apresenta. É um melodrama escrito e dirigido pela cineasta canadense Ruba Nadda, lançado em 2009. Ruba – que nome exótico e eu pensei que ela fosse egípcia! – deve ter ligações pelo menos com o Oriente Médio, pois tem outros filmes também filmados por lá.
O interessante é que o melodrama é inteiramente realista, mas não simplesmente nos referindo ao estilo realista. Ela – a diretora – conta uma estória passada no Cairo e em todos os momentos temos a presença da realidade. A estória é inteiramente verídica, mas por certo já deve ter acontecido com muita gente, a paixão assim e na forma em que acontece. Ainda vemos as cenas da cidade, que também foram rodadas certamente ali.
Os atores têm o “physique du rôle”. E o que é fundamental, a diretora conseguiu dar o toque necessário para que o melodrama somente mostrasse o que era necessário, nunca apelou para sentimentalismo ou coisa parecida. Aproveita espaços belíssimos da cidade e também músicas relacionadas com a cultura local.
Não conhecia essa cineasta, mas fiquei pensando em assistir a outros dos seus filmes. O fundamental no cinema é justamente essa aproximação verdadeira, que sempre o filme deve ter com o espectador.
Olinda, 28. 09. 21
por Celso Marconi, Crítico de cinema mais longevo em atividade no Brasil. Referência para os estudantes do Recife na ditadura e para o cinema Super-8 | Texto em português do Brasil
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