No inicio, uma vocação democrática e plural
O Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup) foi constituído em 1989 numa Assembleia Geral descentralizada com 1805 votantes repartidos por 26 mesas de voto, da qual a mais ocidental funcionou na Universidade dos Açores – Horta, Assembleia Geral em que foi ratificada a mesa, aprovada a constituição do Sindicato, os seus Estatutos, com equilíbrio dos princípios maioritário e de representação proporcional, e eleita uma Comissão Instaladora de 26 membros. A constituição sucedeu a um processo de contestação do denominado Novo Sistema Retributivo da função pública que pôs fim à indexação das remunerações às da magistratura, legislada dois anos antes, contestação que passou por sucessivas greves a provas de ingresso no ensino superior e deixou nos participantes a ideia de que os seus interesses profissionais só seriam adequadamente defendidos por um sindicato que fosse seu, com dirigentes eleitos pelos próprios, e em cuja formação de tomadas de posição pudessem intervir.
As Direcções
Desde o início as Direcções do SNESup são eleitas por voto directo dos associados, tendo sempre concorrido uma única lista, baseada num processo informal de cooptação. Informal, uma vez que os órgãos em funções estão obrigados à neutralidade nos processos eleitorais. Inicialmente o desejo de assegurar a continuidade do Sindicato explicava esta prática de cooptação mas também a circunstância de haver poucas possibilidades de interacção entre associados de diferentes instituições e áreas do país, condena a que as listas sejam organizadas a partir do “centro”(i). As Direcções não têm tentado corrigir este enviesamento estrutural, que torna a sua vida mais fácil, e pelo menos desde 2016 – eleição de Gonçalo Velho – trabalham activamente para dele tirar partido, perpetuar elites e fabricar Presidentes que deixaram de ser apresentados à comunicação social como Presidentes da Direcção para passar a sê-lo como “Presidentes do SNESup”, impedindo também que outros colegas publiquem artigos com referência de que desempenham funções ligadas ao SNESup (iii).
As novas tecnologias não criaram condições adicionais de participação: no SNESup não há chats para discussão entre os associados, foi fechado, por altura da eleição de Gonçalo Velho, um blog com vários autores (Forum SNESup) e as disposições estatutárias que permitem o acesso de todos às actas e as relações dos associados não são cumpridas porque não se pode tirar cópia, nem sequer com telemóvel…
De 2001, creio (a colecção desapareceu do site) a 2016 as Direcções do SNESup publicaram primeiro em papel, depois por correio electrónico, uma newsletter InfoSNESup que rapidamente atingiu periodicidade quinzenal, o que funcionou como um instrumento de controlo democrático – não se falar de um problema era notado pelos associados, deixar de se falar de um problema também. No final deste período Gonçalo Velho ficou com a responsabilidade de redacção da newsletter, falhando frequentemente prazos e transformando itens informativos em mini-comunicados. Ao atingir a Presidência em 2016 anunciou que o InfoSNESup passaria a mensal, publicou um número e depois suprimiu a publicação. O SNESup passou a fazer apenas comunicados quando a Direcção o entende e os associados deixaram de acompanhar tão estreitamente a actividade do Sindicato(iv). Impera uma visão mercantil: recorda-se ao associado que este deve permanecer inscrito para ter apoio jurídico, quando se entrava no site aparecia um cinto de segurança.
Os números da participação na eleição das Direcções e outros órgãos nacionais, que acabam por ser o único instrumento de legitimação democrática no SNESup, tem vindo a cair, tendo votado na lista única em Novembro de 2020 apenas 320 dos 3641 associados (8,8%).
Um “Conselho Nacional” restrito a activistas
Uma primeira revisão de Estatutos, em 1992/93, transformou um Conselho Nacional eleito proporcionalmente por círculos correspondentes a instituições de ensino superior, num Conselho Nacional eleito por estabelecimentos cujos membros têm de exercer funções de delegados sindicais. Logo, o Conselho Nacional passou a ser necessariamente formados por “activistas”. À semelhança de outros sindicatos que na altura corrigiram “excessos” de democracia, foram-lhes dados poderes de assembleias gerais, inclusive os de aprovar relatórios e contas, continuando no entanto as assembleias gerais a existir nos Estatutos.
Participei durante muitos anos em reuniões de Conselhos Nacionais do SNESup com 20 a 30 membros. Foi à custa de ligações formadas no Conselho Nacional que em 2001 se fez uma ruptura moderada nas eleições para a Direcção, o que infelizmente inaugurou uma prática indesejável de compor as listas de futuras Direcções através de cooptação de “conselheiros”. com um número superior ao legalmente admitido a acumular funções nos dois órgãos. A verificação de quórum foi sempre um problema, mas apenas porque para além da discussão de questões profissionais, sempre valiosa, se havia criado a obrigação de tomar decisões que normalmente pertenceriam a uma Assembleia Geral. De 2013 a 2017 viveu-se de expedientes e a partir de 2017 o quórum passou, por decisão do próprio órgão e não dos Estatutos, para um terço dos membros, incluindo representações, continuando a funcionar com 20 a 30 membros.
Ora o SNESup conta com 375 lugares no Conselho Nacional, que na sua maioria não são preenchidos por falta de candidaturas, e não tem o estatuto de “assembleia de representantes”, que noutros sindicatos ou nas Ordens Profissionais permitem dispensar as assembleias gerais de sócios, mas prevêem compulsoriamente a forma de preenchimento de todos os lugares das assembleias de representantes. Pior: no Conselho deixaram de estar representadas a maioria das escolas nucleares do sistema de ensino superior em que o sindicato arrancou no início e muitas daquelas em que se conseguiu implantar nas fases de expansão, e nem todos os 60 membros que aceitaram em Novembro de 2020 “fazer-se eleger” (sem oposição e nalguns casos apenas com o seu próprio voto) são necessariamente activistas nos seus estabelecimentos. No total votaram apenas 146 associados para o Conselho Nacional (5,5%).
Este Conselho Nacional, a quem cabe votar os Relatórios e Contas, parece não ter feito as perguntas certas quando no Relatório de 2014 foi informado que o SNESup tinha investido 430 mil euros no BES nem sobre as imparidades que, em consequência, ocorreram anos depois, e também não sobre a razão das aplicações do sindicato no Banco Popular, Banco da Opus Dei, que foi objecto de medida de resolução em Espanha e comprado pelo Banco Santander pela importância de um euro, nem informou, em qualquer dos casos, os associados. Não indo as Contas a Assembleia Geral, esta não teve a possibilidade, consagrada no Código Civil, de demandar os eventuais responsáveis, caso os houvesse. Também, seguidamente à apresentação de um Relatório que teve de ser refeito, deixaram os relatórios de mencionar o número de associados, nunca tendo aliás indicado quantos pagavam regularmente quotas, informação que me parece seria indispensável para o acompanhamento da situação financeira do sindicato.(v)
Apesar de tudo, Assembleias Gerais
Com a revisão de Estatutos de 1992/93 deixaram de realizar-se Assembleias Gerais. De 2001 a 2010, após a eleição de nova direcção, realizaram-se cinco, respectivamente em 2001 dando orientações para a negociação de uma revisão do ECDU então em curso e aprovando um Regulamento Eleitoral em uso e que nunca tinha sido formalmente votado, em 2003 procurando encerrar uma revisão ordinária de Estatutos que não teve quórum, criando um regulamento de apoio à criação de correntes de opinião e definindo orientações para a eventual negociação com Pedro Lynce da revisão dos Estatutos de Carreira, em 2007 novas orientações para a revisão dos Estatutos de Carreira, desta vez com Mariano Gago, a ratificação do Relatório e Contas de 2006 já aprovado pelo Conselho Nacional, e a criação de um Regime Disciplinar previsto desde a revisão de Estatutos de há quinze anos atras, em 2010 alterações no regime de quotas, e, mais adiante, deliberação sobre a emissão ou não de um pré-aviso coincidente com os emitidos pela CGT e UGT para a greve geral de 24 de Novembro de 2010. Nos cinco anos seguintes mais nenhuma Assembleia Geral do SNESup foi convocada, retornando-se ao binómio Direcção-Conselho Nacional.
Cabe dizer que o decénio em que se realizaram Assembleias Gerais foi de grande intervenção sindical e que a sua convocação, que passou ainda em parte pelo funcionamento de mesas de voto nos locais de trabalho, incidindo sobre propostas previamente discutidas e consensualizadas nos outros órgãos, visou, assumo-o uma vez que fui um dos seus impulsionadores, dar aos associados a ideia de que o Sindicato lhes estava a ser restituído.
Em 2016 um triunvirato formado dentro da Direcção pelo presidente cessante, pelo futuro presidente Gonçalo Velho e pelo presidente do Conselho Nacional e da Mesa da Assembleia Geral (também membro da Direcção!) organizou uma assembleia geral descentralizada / por correspondência no período entre semestres para votar uma revisão de Estatutos, declarada não aprovada por falta de quórum, e diversas outras propostas, incluindo dois regulamentos habilitados pela malograda revisão de Estatutos e uma proposta dada como da autoria conjunta da Direcção e do Conselho Nacional mas não assinada e entrada fora do prazo.
A deliberação viria a ser judicialmente anulada um ano depois, sendo a anulação sustentada pela Relação de Lisboa, por vários motivos, o primeiro dos quais, o presidente da Mesa da Assembleia Geral não ter enviado aos associados as propostas a votar (nem por correio electrónico!), o ter uma revisão do Código de Trabalho eliminado a possibilidade de assembleia gerais regionalmente descentralizadas (exigindo que os associados possam interagir durante as assembleias) e o não ter havido quorum em primeira convocatória (a mesa recusara fazer uma segunda). Os associados não receberam notícia da anulação judicial nem cópia da sentença anulatória.
A reacção de Gonçalo Velho e Mariana Alves ficou na altura consignada em acta da Comissão Permanente da Direcção de 5 de Abril de 2017 a que só recentemente tive acesso e que passo a transcrever
Passou-se de seguida ao ponto 3 da ordem de trabalhos: assuntos de ordem estatutários e legalidades. Gonçalo Velho deu conta que a juíza na sentença que declarou nulos os resultados da última Assembleia Geral considerou os Estatutos do SNESup ilegais e enviou-os para o Ministério Público. Por outro lado, o Dr. José Martins já tinha alertado para o facto de os estatutos do sindicato conterem muitas ilegalidades, o que coloca o SNESup numa situação de limbo jurídico. Por isso propôs ao Ministério Público que analisasse com urgência a apreciação do processo judicial tendo em conta que é a única instituição do país que pode alterar os estatutos e que é virtualmente impossível um quórum da Assembleia Geral que é o único que tem poderes para o fazer. A proposta foi aprovada por unanimidade.
Dois anos depois, em Abril de 2019, estava Gonçalo Velho numa reunião do Conselho Nacional, agitando um parecer da DGERT, de que se disse ter tido origem num pedido de fiscalização do SNESup o qual estaria “em contacto permanente” com o Ministério do Trabalho, acompanhado por um advogado que fez um brilharete assegurando (disseram-me) que bastaria um único voto a favor para fazer aprovar as alterações propostas pela Direcção.
A votação por correspondência, teve também lugar fora do período normal de funcionamento das aulas – 19 de Julho – manipulando o esclarecimento para que se votasse em função dos proponentes e não nas propostas. Apesar de agitado o papão do Ministério Público que ia vir e fechar o Sindicato apenas 121 associados enviaram boletim de voto favorável à proposta de alteração estatutária da Direcção. Quanto mais se dramatiza menos se é acreditado…No ano seguinte, quando estava já a passar a pasta, Gonçalo Velho promoveria uma nova revisão de Estatutos, que conduziria a que uma Assembleia Geral pudesse reunir e deliberar sem quaisquer limites, convocada presencialmente para qualquer ponto do país e assegurada pela presença de membros da Direcção e do Conselho Nacional com ajudas de custo pagas, e no ano de 2021 que agora finda, Mariana Alves requereu em 5 de Abril nova Assembleia Geral de revisão de Estatutos (comunicação com a refª 0077).
As deliberações da Assembleia Geral de 19 de Julho de 2019 foram anuladas por uma sentença de primeira instância(vi) mantida por Acordão da Relação, nem um nem outro se deixando convencer pelas teses do senhor advogado que fizera o brilharete no Conselho Nacional. É interessante ver que na sentença ficou aberta a possibilidade de uma Assembleia Geral funcionando por videoconferência. Mais uma vez os associados foram mantidos na ignorância. Foi requerido que os órgãos do SNESup corrigissem no site e no Boletim do Trabalho e do Emprego a redacção dos Estatutos em vigor. Até agora, sem resultados.
Por que não concentrarmo-nos nas questões profissionais? …
… deixando o poder a quem gosta dele ou pretende projectar-se?
O problema é que a falta de democracia afecta a intervenção sindical nas próprias questões profissionais, como mostra o exemplo do superior privado. Em meados de Maio a Direcção do SNESup deu notícia de ter recebido do Ministério um projecto de decreto-lei sobre superior privado cujo texto contudo não divulgava nem aos próprios colegas do privado. Com a ajuda do Jornal Tornado que publicou um artigo meu sobre Superior privado – entre o sindicato e o Ministério os professores estão entre a espada e a parede, de colegas cujo contacto tinha, e da FENPROF que entretanto publicara o projecto “secreto” no seu site foi possível pressionar a Direcção a marcar uma reunião por videoconferência sobre o superior privado.
Estivemos assim presentes em 9 de Julho pouco mais de uma dezena de interessados que expressaram de forma muito enfática as suas preocupações com o texto do Ministério, ouvindo da presidente Mariana Alves que a Direção do SNESUP não divulgaria aos associados a posição a ser apresentada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, antes de o processo negocial estar em curso.
Organizámos posteriormente um pequeno grupo de discussão com cinco dos participantes na reunião e acabou por ser enviada à Direcção uma sugestão de “Contraproposta” a discutir em nova reunião a organizar por videoconferência.
Dias depois, sem referência à nossa iniciativa, foi noticiado que em “reunião plenária do SNESup”, sem passagem por nova reunião de interessados, fora aprovada uma “Contraproposta” de teor não divulgado que iria ser negociada a partir de Agosto. Curiosamente a FENPROF já publicara um “parecer” enviado ao Ministério.
“Reunião plenária do SNESup” é coisa que não há nos Estatutos, parece que já confundem “Direcção” com “SNESup”. Não submeter aos directos interessados o texto a apresentar para negociação é coisa que me faz lembrar os “Sindicatos Zero” que foram a correr em 2009 “negociar” com Mariano Gago a revisão dos Estatutos de Carreira do público e prontamente assinaram os acordos que o ministro queria.
Actuar em relação ao superior privado como “Sindicato Zero” é algo que só é possível por se ter vindo durante anos a excluir os associados das decisões. Mas não foi para isto que foi criado o SNESup.
Notas
(i) A candidatura de 2001 foi formada a partir de dinâmicas que reuniram associados que não se conheciam, como Paulo Ferreira da Cunha, deixando de fora o presidente da Direcção cessante que não conseguiu formar lista, mas impugnou a aceitação da lista que se apresentou.
(iii) Gonçalo Velho, colunista do Observador aparece identificado como ex-Presidente do SNESup. Mariana Alves, colunista do Correio da Manhã como Presidente do SNESup.
(iv) A Ensino Superior – Revista do SNESup começou por ser bimestral, passou a trimestral e actualmente tende para publicar dois números duplos por ano e reproduzir documentos sindicais “oficiais” .
(v) Poderão também estar envolvidos problemas relativos à fidedignidade dos cadernos eleitorais. Em todo o caso a receita de quotas vem aumentando, o que é positivo.
(vi) É interessante ver que a sentença admite a realização de Assembleias Gerais funcionando por videoconferência , tendo um associado apresentado já um projecto de regulamento nesse sentido.