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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

Ao Fundo Pitangas

Vitor Burity da Silva
Vitor Burity da Silva
Professor Doutor Catedrático, Ph.D em Filosofia das Ciências Políticas Pós-Doutorado em Filosofia, Sociologia e Literatura (UR) Pós-Doutorado em Ciências da Educação e Psicologia (PT) Investigador - Universidade de Évora Membro associação portuguesa de Filosofia Membro da associação portuguesa de Escritores

Faz-se cedo olhar a vida. Faz-se cedo encontrar a distância. Acomodar no intemporal o vértice da inconstância. Como reflexo disso, a ausência e a presença

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Se souber o que são saudades, então sinto isso, saudades, apenas saudades que a tarde me traz. Mesmo das tuas mãos, quase caladas, porque ainda assim não vens e trazes, sem mãos, as manhãs acordadas. Sei, porque aí, isso sim, sei, piso eu quase diariamente, saudade eternamente do presente.

Sem que importe ou incomode, incomodaria então porque? Digo apenas digo apenas… aceita pelas penas… sem que tenhas, como penas apenas as saudades não são penas, são saudades. E não as sinto porque apenas me apeteça, mas tenho, e não encontro, só saudades certamente e quanto a isso, piso a relva que me embrenha em madrugada já esquecida porque de ti, que apenas ouvi um dia destes, foste apenas numa alma que a manhã levou e prometeu trazer e foi contigo e aqui ficou, nada do resto nem do todo, o vazio sim, onde sei que de pensar a saudade apenas mora já, sem saber, se sei que sou, onde estou, cheio sim, com o nada do vazio que a partida preencheu.

Que saiba. Com que saiba então, cores pretéritas de algum dia. Sei garanto, não sabes, sei que sentes que um dia, há mar demais entre o tempo que dista tudo isto de ti, como um sem ti aqui sei, que saudades são capítulos amargos que devaneio perante mim, ou consequência de mim mesmo neste mar que não sei, como a saudade, saudade apenas e nada mais que saudade, que não sei quem seja tal saudade, a que sinto ser-me totalmente neste ausente casamento de mim com tudo que invento, e sou a ausência que me abruma na saudade, a saudade que a cada capítulo do meu sonho, me faz sentir a passo e passo a ausência de seres quem és mais distante que apenas pensar-te longe do mais recôndito pensamento de sentir-te, como concluir-me como um facto de que, garantidamente, não sei que são saudades. Talvez disto entenda um dia, em pequeno a mesma coisa, restos ali, desbaratados no sufoco livre do quintal aberto, eras tu, não esqueças e digo sabes.

Sabes de quem falas?

Mundo de restos, vazios, sepulcros. Ouvia que Lisboa acolhia. Recebia.

Como se fosse uma casa nova do outro lado da lua cheia.

– Quem inventou esta guerra?

Fuzilam o nosso silêncio, aniquilam o nosso sono, sonho, nessa casa que é nossa, repleta de convénios de famílias, de todos os ramos da vida.

– Que querem?

Os cantos redondos dos quatro cantos do meu país ali, à janela de não sei quê, diria, não entendia o que seria na altura a guerra por uma independência merecida, e porque não a dariam?

– Os anjos óbvios como num desígnio de ter merecido ali nascer?

O que fica não fica para sempre, pensava. Acredito.

Mas não.

Disseram que Lisboa acolhia numa redoma sem cheiros nem qualquer frenesim. Mas não!

Um dia, bem cedo, foi o que me fizeram. Meteram-me nos escombros de casas de metal, com asas, como em grades de arames que voavam, levaram-me para uma fortaleza branca com muros de distância na margem de lá dum rio, diria se soubesse na altura, mar, como muros de salvação para dentro das paredes mórbidas a fingir não haver inocência, nem sequer quem, sabes de quem falas?

Pode até ter sido mais do que isso. Ou desmentem-me? Que fossem também ser o mistério? Fosse isso verdade.

Diria:

– Estou metido num bando de arruaceiros como torpedos caídos do céu sobre a casa da minha mãe. Numa panela de pressão, como feijões sem defesa.

Faz-se cedo olhar a vida. Faz-se cedo encontrar a distância. Acomodar no intemporal o vértice da inconstância. Como reflexo disso, a ausência e a presença, a ausência de essência, o afecto das razões, como reflexo disso, o grito melancólico conspurcando o respeito, sacrificando do peito o esforço da existência. Faz falta não haver falta, o compêndio do erro, a enciclopédia do medo, o vocabulário do vulgar, num ritmo insano, a vida deflagra-se sem orientação como uma nave sem bússola. Faz-se tarde adiar o sonho. Empolgar-se ante a maresia do funesto, os riachos mórbidos do tempo que cavalgam distraidamente as margens do encanto, levando-se a si próprios como correntes do vento, saciando com brevidade a incoerência da própria existência, molhando suavemente os pés num sonho que se inventa. Cedo será assumir como destino, o inevitável aprumo do fim deambulando verdades esmeradas, ousando nesta mesa de café a partida de uma vida realizável, digitados num firmamento os sepulcros acres do silêncio. Com o que se queiram os momentos, repteis sossegos escravizam o descontentamento, os labirintos do tempo ou que se ingira sob verdades ocultas partes de espólio da vida consagrando-se quase que aleatoriamente, quando ou como seguir e por onde, se enclausuravam os dogmas da realidade riscadas na breve e solta folha da existência, com salpicos de uma noite vandalizada Ou como doer-me a cabeça. Ou como perder em mim o sentido inócuo de uma qualquer dor que me assuma e oriente, ou doar-me nefasto contra certezas dum tempo invernal largando nas hortas da noite as incertezas por cada passo recriado lentamente. Os pensamentos, cremos como e neles apostamos, divina crença conspurcando as essências da inevitável existência nestes preâmbulos cépticos, com a certeza alheada jogando-se rendida a um canto do mar dos nossos sonhos. A cidade dorme, e conforta-se como qualquer coisa dum absoluto findar, as luas ásperas da falência física dos meus sagrados marasmos que me levam ao interior dos meus íntimos mundos, afundando-se confortáveis e rendidos aos propósitos conseguidos, girando sobre a estrada desfeita da noite.

Pelo menos por quanto tempo valerem, se assumam ou que se rendam, serem destes serões os momentos entregues como a ceia da vida junta, corporizadas ausências de mentes presentes sempre, elevando-se em cada um de si, o que restar da vontade ou do que se consiga rentabilizar na consciência, fugindo como se conseguir da morte que alimentara o futuro. Furos permanentes e todos os caminhos sempre raros, porque inventados constantemente e a cada instante novos pecúlios na orla antiga do ter que confortar-me comigo, diante mim mesmo num olhar ofuscando a falésia das nossas vidas, nas mãos furtivas do presente. Caminhar por aí que me resolve? Mas não será por isso apenas este camuflado rastejar pelas falésias velhas, pelas raras verdades, ocultadas vaidades, ou mesmo pelo que nunca poderão representar as minhas efusivas confidencias com estas maresias quase minhas só. Entregues a liberdade do espaço que nos envolve, que nos ladeia, que nos comunica com a sensibilidade do vento as vibrações que na alma repousam, seguindo como sempre e sempre verdadeiramente a sul, dos horizontes nómadas das manhãs, que nos encaminham por eternas noites ate que repetitivamente nos iremos consular num leito qualquer, quase sempre um qualquer, mesmo que seja sempre o de todos os dias, diferentemente do estado em que nos entregamos a esse momento, individualizando-o por dentro, como sonho dum sempre encontrado. Como será ser cedo ou indiferentemente ser tarde. Que importarão esses conceitos numa vulgar necessidade apenas, que se decorram livremente as inconstâncias e saibamos com elas lidar e caminhar, sendo elas o folgo dos instantes mais comuns, de mortais prisioneiros de nós mesmos, falíveis, sabes? Acreditas? Que importa ainda assim duvidares dessa falibilidade, desse incontornável destino dos paraísos que cada um de nós será certamente? Será sempre cedo. Ou sempre tarde. Que importa?

Não sei, a escada subia sons discretos, o ruído de cânfora das madeiras na súbita ausência, Começo por não entender, nem sequer essa ideia errónea de vadios burgueses sem dinheiro nenhum, ricos de fantasias avulsas a naufragar desejos de quem em tempo nenhum conseguiram, na sua vida a sua pátria perfilada sem contornos de valor somado na cama do descanso. O somatório de vitórias não conseguidas erguidas contra a ignorância de tantos, esses idiotas sabedores do saber mais evoluído da história na cama nula da putrefacção da ignorância.

Quando os entendo deixo de os perceber, canso-me dessa diarreia vertiginosa a subir falências, essas vozes cansam-me não apenas por só me incomodarem, mas porque efectivamente cansam quem quer dignamente viver, a vida simples do precisar, canso-me desta raiva que me incutem as vossas vozes, esses corredores bafientos de conspiração estigmatizante, o saber é vosso excelências, desculpem-me ter ideias, por favor, o senhor doutor verá, coisa nenhuma a esta porra de sangues incrementados em raças perdidas, esta vergonha acumulada no valor de valor nenhum a incomodarem-me quando se pronunciam, o jantar servido, a barriga confortada e as mentes perdidas vagueiam ideias nenhumas sobre o saber doce do saber nenhum, cegos acordados nesta cama gentia, de onde vieram então sarcomas pálidos de valor que a história não conhece, metem-me raiva as vossas vozes sem argumento algum a disparar contra a vontade de quem contra a sua vontade não sabe sequer ler, ide, ide aos vossos saberes superiores ensinar a viver a vida com dignidade, respondo pelos valores de quem me traz algum saber, mesmo bebendo na sacristia um bom vinho do porto e descansar dignamente este estado que me faz sentir a vida, como a pretendo sentir. Não gosto de ti pá, afirmo-o nos corredores da cidade, que ninguém me ouça, não gosto dos odores da tua voz repulsa que me expulsa da minha nação, não me apetece esquecer-me da minha origem como quem me dirige argumentos da sapiência mais suprema do valor humano, da minha vida, digo-vos, onde andaram quando vos apelei ajuda, onde estavam quando me arregacei ao saber indúvio do chefe sentado e que mal sabia ler, oh carneirada, erguei-vos perante verdades, perante razões inexplicáveis do saber sopremo da cultura impura dos cidadãos esquecidos numa marginal qualquer.

Como aquelas paredes brancas do Alfeite, destinadas pela maresia longa do silêncio, num sábado perdido onde jangadas, fechadas, descobrem uma dor cor de embrulho, um saco de verniz sem cor visível, desmoronarem-se num vagar vazio.

Repleto:

Só o céu numa turbulência embrionária a adivinhar uma chuvada nestes sonhos de pedra.

Como aquelas paredes que um dia:

– Acredita!

Tenham sido também pequenas, num crescimento manual de pedra-sobre-pedra. O meu, sonho-sobre-sonho num alguidar de água fria, de janela aberta, neste lugar impregnado pelos sons do meu quintal, onde se juntavam os amigos, na mesma sala:

– Sala nenhuma!

O alguidar tombava também numa maresia inventada pelo charco minúsculo, dos meus músculos também minúsculos, ainda sem força, para recolocar em posição o alguidar, onde me banhava no silêncio amorfo dum sonho.


Como aperitivo à deliciosa prosa de Vítor Burity da Silva, apresentamos novo capítulo do livro Ao Fundo Pitangas

 

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