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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

Glasgow: o Nuclear em nome do Clima

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Para nos aproximarmos de uma sociedade mais respeitadora dos seus elementos constituintes e da natureza em que vivem não precisamos de veículos de promoção da histeria colectiva, leituras parciais e lineares da realidade, religiões de ícones mais ou menos futuristas, precisamos antes de conhecimento e debate, alargar horizontes e pontos de vista.

  1. A religião climática

O clima e os seus humores foram sempre uma fonte fundamental da religião. O tema do dilúvio, por exemplo, que nós conhecemos a partir da história judaica, foi identificado praticamente por todo o mundo, mesmo no Médio Oriente com fontes diversas das hebraicas, e frequentemente assumindo um papel central nas construções religiosas.

Essa foi certamente uma razão importante para que as questões climáticas fossem separadas do dos restantes desafios ambientais com que a humanidade se confronta a partir da Cimeira do Rio de 1992.

A cimeira do Rio produziu uma declaração que considera os diversos impactos ambientais de forma holística e alguns instrumentos legais, como a convenção sobre a biodiversidade e a convenção quadro sobre alterações climáticas.

A criação de um instrumento legal específico dedicado ao clima levou a que a perspectiva integrada se perdesse. O clima é função de um jogo mais complexo de factores naturais e artificiais do que, por exemplo, a qualidade da água ou do ar. Enquanto podemos identificar de forma relativamente simples a poluição atmosférica por micropartículas e a sua fonte, e podemos também de forma não muito intrincada relacionar este tipo de poluição e as doenças respiratórias e a mortalidade que ela causa, tudo é muito mais complicado quando queremos relacionar emissões atmosféricas e efeitos no clima, e mais ainda os efeitos dessas variações do clima na saúde ou qualidade de vida do homem.

O mesmo se passa com a poluição da água. É relativamente simples estimar o efeito da salinização por rega na destruição da fauna e da flora, mas bastante mais complexo estimar o impacto final dessa salinização no clima global.

Concretizando, enquanto a variação do padrão de pluviosidade ou de temperatura registado numa zona se pode dever a múltiplas razões, antropomórficas ou não, a deflorestação ou a eliminação de toda a vegetação devido a salinização ou exploração mineira a céu aberto tem um impacto antropomórfico climático pontual mais fácil (e na verdade mais importante) de medir.

A poluição das actividades humanas não tem um impacto uniforme no clima, e esse impacto não tem o mesmo efeito independentemente das circunstâncias, e isso desde logo porque ‘clima’ é em si mesmo um conceito complexo: diz respeito tanto à temperatura como à água (e esta em vários estados) e tanto ou mais à variabilidade que a valores médios.

Do ponto de vista da clareza, rigor e comprovação, nada aconselha a escolha do clima em vez das muitas variáveis ambientais sobre as quais a actividade humana se faz sentir; a menos que haja qualquer razão para crer que o clima é a mais importante delas, e é isso que está implícito em todo o discurso climático, mas não está demonstrado em lado nenhum. Mais ainda, as pregações que se pretendem ungidas pela ciência para postular o clima como ‘a urgência’ e ‘a prioridade’ nem sequer se dão ao trabalho de tentar demonstrar o que dizem, nunca comparando as catástrofes climáticas que dizem querer parar com as catástrofes nucleares que possibilitam.

Em síntese, a escolha do nuclear como salvação da humanidade, que resulta da histeria climática, surge como corolário da ‘ciência’, sem que sequer se tente demonstrar que a humanidade corre maior riscos com os desastres climáticos do que com os desastres nucleares, demonstração que não é sequer tentada por não ter qualquer base científica.

  1. A polarização tóxica climática

Se a polarização é indispensável a um sistema democrático, a polarização linear, preconceituosa e irracional que se tem denominado de ‘polarização tóxica’ é o seu inimigo mortal. A partir do momento em que ela se instala, tudo passa a ser válido ou é necessariamente inválido, conforme o selo que é impresso na opinião, no facto, ou na narrativa. O raciocínio torna-se supérfluo, a tolerância é abolida, o debate é proscrito, o outro é ostracizado, cancelado, insultado, agredido ou eliminado.

Em tempos idos era a religião que resolvia as coisas dessa maneira, rotulando como negacionista, cismático, herético ou ímpio tudo o que não fosse conforme ao dogma. Contrariamente ao que se poderia esperar, o problema não foi ultrapassado pelas luzes, mas foi mesmo acentuado pelo cientismo, ou seja, pelo rotular como científico do dogma a impor e, portanto, como igualmente ímpio tudo o que ponha em causa o dogma metamorfoseado em ciência.

A confusão entre ciência e autoridade – bem exemplificada no selo do painel intergovernamental de centenas de cientistas climáticos – tornou esta polarização tóxica incomparavelmente mais perigosa do que qualquer fé propagada por cultos cientologistas, e construiu um clima intelectual quase irrespirável feito de superstição, ignorância e prepotência apresentadas como ciência e doutrina ambiental.

Toda a complexidade climática foi impiedosamente linearizada. A água, como humidade, precipitação ou acumulação foi secundarizada pela temperatura, e desta reteve-se apenas as médias planetárias e temporais, como se não fosse a sua variação o elemento-chave. O clima passou a ser representado pela temperatura média anual do planeta, simplificação absurda da realidade climática.

Apesar de as primeiras estimativas efectuadas pelo painel climático terem atribuído à emissão antropomórfica de dióxido de carbono menos de metade da responsabilidade pelos efeitos climáticos, rapidamente tudo foi reduzido a CO2 com o argumento de que todos os outros gases com efeitos de estufa se podem reduzir aos seus múltiplos (não podem, porque têm períodos de transformação muito diferentes e porque a sua transformação depende do que acontece com outros elementos presentes) e esse dióxido de carbono foi reduzido a carbono, secundarizando a importância e as disparidades de comportamento de gases carbonizados emitidos para a atmosfera.

A este quadro simplista juntou-se o pior do jargão tecnocrático-economista, passando a falar-se correntemente de poupar ‘orçamentos de carbono’ para diminuir ‘graus de temperatura’ num arrazoado cada vez mais delirante e divorciado da realidade, pregado de forma cada vez mais histérica e ditatorial.

Como todo o discurso primário e simplista, o ‘climatismo’ foi desde o início presa fácil de interesses instalados. O mais óbvio, e que voltou agora a renascer, foi o da indústria nuclear de que o climatismo diz, contra toda a evidência, que a sua radioactividade é menos perigosa que o dióxido de carbono produzido pela combustão. Se para Henrique IV, Paris valia bem uma missa, para Macron, a renuclearização vale bem duas semanas de pregação climática em Glasgow.

O segundo – e que foi talvez o mais importante na modelação do climatismo – foi o da indústria da captura de carbono, que aparece quase como resultado óbvio da perequação de toneladas de carbono em graus de temperatura. A captura de carbono é o golpe de génio da indústria dos combustíveis fósseis que duplica assim o negócio, primeiro libertando gases de carbono na atmosfera e depois capturando-os da atmosfera onde antes tinha sido colocado.

Para a captura de carbono é importante esconder que o problema maior da exploração de carvão está na contaminação do ar por micropartículas e por emissões de óxidos de azoto e de dióxido de enxofre, os reais perigos para a saúde pública – que, diga-se de passagem, contrariam o efeito de aquecimento – tudo reduzindo ao dióxido de carbono que, no entanto, apesar do seu efeito de estufa, não tem qualquer impacto negativo na saúde pública.

Se a questão fosse racionalmente equacionada, nunca se investiriam somas colossais a ‘capturar carbono’ – como se faz por exemplo na Islândia que tem um dos ares mais puros do planeta – em vez de investir essas somas de forma lógica por exemplo na Índia, substituindo o carvão por energia solar, o que teria um impacto positivo enorme na saúde pública, reduzindo igualmente de forma mais eficaz a produção global de dióxido de carbono.

Seria mais racional, mas seria naturalmente mau para o negócio de queimar carvão e para o negócio de extrair carbono do ar (que só existe em função do primeiro), e daí a necessidade de confundir a realidade com as simplistas equações carbono/temperatura do climatismo.

E depois tivemos a eclosão do negócio da subsidiodependência. Como a realidade nos tem demonstrado, a chave do progresso energético é a da investigação, pura e aplicada, desenvolvimento e disseminação. As quedas de preço das energias renováveis ao longo destas três décadas ultrapassou sempre tudo o que foi previsto e descontado pelo climatismo, e isto apesar da convenção quadro pouco ou nada ter contribuído para esse fulgurante progresso.

Em vez de se utilizarem os fundos públicos para acelerar esse movimento e assegurar que ele chega a todo o lado – é desumano e irracional por estarmos perante impactos globais não disponibilizar universalmente a melhor tecnologia disponível – optou-se por subsidiar os grandes investimentos na utilização dessas energias ou subsidiar-se os grandes poluidores para que estes deixem de poluir.

Enquanto o consumidor que apostou em energias renováveis para substituir energias de origem fóssil não recebeu qualquer incentivo (falo aqui por experiência própria), foram gastas somas colossais a subsidiar grandes poluidores pelos supostos custos do fim da sua poluição, quando na verdade essa poluição nem sequer era rentável, ou a subsidiar investimentos paquidérmicos – em que frequentemente as grandes petrolíferas se transformam em grandes empresas de tecnologias climáticas – de eficácia duvidosa.

Por último – cereja em cima do bolo – temos a burocracia dos orçamentos nacionais e anuais de carbono e dos compromissos da sua redução, exercício de custos faraónicos e de proveitos nulos ou quase. Se o cálculo global de impactos está crivado de incertezas, o cálculo de mais de uma centena de impactos parciais, sujeitos a interesses nacionais, são mais incertos ainda e de interacções difíceis de medir.

Estou convencido que a utilização dessas verbas na investigação e disseminação de técnicas e práticas ambientais seria muito mais eficaz que todos os cálculos e promessas de toneladas de carbono e graus de temperatura.

  1. Pela defesa do ambiente!

Como produtos da natureza que somos, os humanos são naturalmente sensíveis às maravilhas da natureza. Em determinadas circunstâncias, em situação de precaridade, os humanos podem ser levados a subestimar a importância do ambiente, e essa é uma razão adicional para considerarmos os desafios ambientais com que a humanidade está confrontada de forma integrada com os do desenvolvimento humano, mas não para pensarmos que devemos nortear a nossa acção pela catequização de uma massa ignara que necessariamente não entende a importância do ambiente em que vive.

Nem todos temos a mesma sensibilidade para a natureza e nem toda a natureza nos toca a todos da mesma forma, e isso só deixará de assim ser quando formos substituídos por robots. A essência de uma sociedade livre e democrática é a de aceitar as diferenças e batermo-nos pelos nossos pontos de vista esgrimindo-os racionalmente, aceitando a regra da decisão maioritária com respeito pelas minoritárias.

Para nos aproximarmos de uma sociedade mais respeitadora dos seus elementos constituintes e da natureza em que vivem não precisamos de veículos de promoção da histeria colectiva, leituras parciais e lineares da realidade, religiões de ícones mais ou menos futuristas, precisamos antes de conhecimento e debate, alargar horizontes e pontos de vista.

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