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Quinta-feira, Dezembro 26, 2024

“Racismo institucional”, por José Carlos Ruy

José Carlos Ruy, em São Paulo
José Carlos Ruy, em São Paulo
Jornalista e escritor.

Nos marcos da celebração do Mês da Consciência Negra, divulgamos a obra póstuma de Ruy, que é inédita.

Leia a seguir o ensaio “Racismo institucional”, décimo capítulo do livro “Há Racismo no Brasil”, do escritor e jornalista José Carlos Ruy (1950-2021). Nos marcos da celebração do Mês da Consciência Negra, o Vermelho divulga a obra póstuma de Ruy, que é inédita. Será publicado um capítulo do livro por dia entre 20 e 30 de novembro. Confira.

Cap. 10 – Racismo institucional

Superar a chaga social do racismo é, cada vez mais, uma bandeira assumida pela comunidade negra e pelos democratas mais consequentes, que manifestam a exigência antirracista em ações públicas cada vez mais ousadas, visíveis e frequentes.

O preconceito racial é uma realidade vivida cotidianamente pelos negros, e mais da metade deles (51%) declararam já ter sofrido discriminação por parte da polícia, registra a pesquisa “Discriminação Racial e Preconceito de Cor no Brasil”, realizada pela Fundação Perseu Abramo. Entre pessoas de pele mais clara, esse número cai para 15%. A pesquisa avaliou a discriminação e o preconceito de cor nos quesitos institucionais: polícia, escola, trabalho, saúde e lazer.

O aspecto dramático do racismo é a violência contra os negros, que engrossa as estatísticas policiais. Uma pesquisa do Ministério da Saúde, divulgada em novembro de 2004, mostrou a enorme diferença entre negros e brancos no que diz respeito à saúde. Os dados revelam que as mortes decorrentes de transtornos mentais, doenças infecciosas, durante a gravidez ou parto, na população entre 10 a 64 anos, são duas vezes maiores entre os negros do que entre os brancos; das 16 causas de mortes relacionadas no estudo, 14 delas aparecem com maior frequência entre os negros do que entre os brancos. As mortes por transtornos mentais (entre elas as causadas pelo abuso de drogas ou álcool) assumem dimensões de epidemia entre os negros, chegando a 6,4 por 100 mil; entre os brancos, são quase a metade: 3,4. Quando se trata de mortes por doenças infecciosas, passa de 30 em cada 100 mil entre os negros, e 17 entre os brancos – outra vez, quase a metade.

O estudo baseou-se em dados do SIM (Sistema de Informação de Mortalidade), do Ministério da Saúde, referentes a 1998, 1999 e 2000, além do Censo de 2000, e mostrou que a maior parte das mortes entre negros são causadas por homicídios, acidentes de trânsito, suicídios ou outras causas violentas. A conclusão é que um entre quatro negros de qualquer idade morre em decorrência dessas causas – elas equivalem a 25% das mortes. A segunda maior causa de mortes entre os negros decorre de doenças circulatórias: 22%. Entre os brancos, a principal causa de mortes são doenças circulatórias (28%), e as mortes violentas vêm em segundo lugar, com 16%. Os homicídios aprecem como causa de 12% das mortes de negros; entre os brancos, a taxa é muito menor, representando 5% das mortes. Se forem considerados apenas os jovens, entre 15 a 25 anos, os homicídios são responsáveis por 38% das mortes entre os jovens brancos e 52% entre os negros.

Os negros e mestiços prevalecem também na população aprisionada, e este é outro aspecto do racismo institucional que há no Brasil. Com base em dados de 2014, o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) do Ministério da Justiça mostra que, entre os 622 mil presidiários que haviam no Brasil naquele ano, 61,6% eram negros e mestiços – percentual maior do que há na população total, na qual negros e mestiços são 53,6% do total. O perfil dos presidiários é historicamente construído: são negros, pobres e, em sua maioria, moradores das periferias urbanas.

Um estudo publicado pelo IPEA em 2008 refere-se a duas formas de racismo – o racismo individual, que é combatido pela lei, e o racismo institucional, estrutural ou sistêmico – ele atua ao nível das instituições sociais, “de forma difusa no funcionamento cotidiano das instituições e organizações” (entidades públicas, empresas, governos, escolas, etc.) e age “de forma diferenciada na distribuição de serviços, benefícios e oportunidades aos diferentes grupos raciais. Ou seja, o racismo, o preconceito e a discriminação operam sobre a naturalização da pobreza, ao mesmo tempo em que a pobreza opera sobre a naturalização do racismo, exercendo uma importante influência no que tange à situação do negro no Brasil”. “Esses mecanismos de discriminação racial não apenas influem na distribuição de lugares e oportunidades. Reforçados pela própria composição racial da pobreza, eles atuam naturalizando a surpreendente desigualdade social desse país”.

Os conservadores alegam, como foi dito anteriormente, a inconstitucionalidade das políticas afirmativas, acusando-as de criar “privilégios” para a parcela da população beneficiada, rompendo assim com o princípio da igualdade de todos perante a lei.

Contra este argumento, o estudo do Ipea de 2008 demonstra a insuficiência das políticas sociais para eliminar a desigualdade decorrente da cor da pele, cujos limites foram expostos nestes 20 anos de experiência de universalização das políticas sociais.

Os indicadores mais tradicionais da desigualdade racial dizem respeito à renda e instrução. A Síntese de Indicadores Sociais 2004, estudo feito pelo IBGE a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) revelou que entre 1993 e 2003 a renda e a instrução dos brasileiros cresceu, embora de forma desigual quando considerada do ponto de vista da cor da pele. Os brasileiros de pele mais clara tiveram pequena vantagem. Em 1993, a renda média dos brancos era de 3,6 salários mínimos, e a dos negros era de 1,7, menos da metade da renda dos brancos. Em 2003, a distância caiu um pouco, mas a renda dos negros continuava abaixo da metade da renda dos brancos: tinham renda de 1,93 vezes o salário mínimo, enquanto a dos brancos era de 3,9 vezes o salário mínimo.

A disparidade se repetia em relação à educação. Em 1993, os brancos tinham 6,8 anos de estudo, em média, enquanto a média de negros e pardos era de apenas 4,5 anos. Em 2003, a diferença diminuiu, mas continuou grande: os brancos tinham 8,3 anos de estudo, em média, contra 6 anos dos negros que, no período, não conseguiram atingir o patamar que os brancos tinham dez anos antes.

Este é o pano de fundo da pobreza diagnosticada pelo Atlas Racial Brasileiro, elaborado pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD) e pela Universidade Federal de Minas Gerais, com base em dados do IBGE, divulgado em dezembro de 2004. Ele mostrou que a pobreza brasileira tem cor: 60% dos pobres e 70% dos indigentes são negros. O estudo mostrou que 50% dos negros e pardos são pobres, condição social que atinge um percentual muito menor do segmento de pele clara: 25% dos brancos estão nessa situação.

Outros dados, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), revelam que dos 22 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza, 70% são negros; entre os 53 milhões de pobres, 63% são negros.

O Brasil tem a segunda maior população negra do mundo, atrás apenas da Nigéria; um contingente que, incluindo os mestiços, é mais da metade de sua população.


Texto em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado

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