Que 2022 seja um ano de esperança, luta e de planejar a reconstrução do país.
De minha parte, espero viver ao menos mais uns trinta anos, quando, bem velhinho, estarei conversando com meus netos, como uma testemunha ocular da história. Àquela altura, eles irão encontrar nos livros fatos a respeito da grande pandemia que acometeu a humanidade na passagem da segunda para a terceira década do século vinte e um. Como o assunto virá invariavelmente acompanhado de referências à gripe espanhola, que assolou o mundo um século antes, os questionamentos serão inevitáveis. Por que uma doença com modo de transmissão tão semelhante causou tantas mortes cem anos depois, sendo que havia muito mais conhecimento e melhores meios de comunicação e tecnologias hospitalares? Como pôde ser possível ter-se repetido o ceticismo, as narrativas conspiratórias (no primeiro caso, uma invenção alemã, no segundo, chinesa) e os movimentos contra a prevenção?
Restará a mim argumentar que não posso falar muito a respeito da gripe espanhola, mas da onda de ignorância e negacionismo que o mundo, e especialmente o Brasil, atravessava no período da pandemia da Covid. A partir daí virão à minha mente figuras vagas, destituídas de nomes, que terei esquecido, e tampouco estarão facilmente acessíveis após tantos anos de ostracismo. Lembrarei vagamente que houve sujeitos terrivelmente incompetentes respondendo pela saúde pública à época, ora militares arrogantes sem qualquer formação na área, ora médicos bajuladores que não titubearam em atirar seus juramentos e diplomas na lata do lixo para agradar ao presidente da época, um sujeito deplorável que fez de tudo para agravar a pandemia. Lembrarei que não foi apenas na saúde, mas que aquele governo reuniu as figuras mais esdrúxulas e repugnantes da época em todas as pastas, como educação, economia, justiça, relações exteriores, meio ambiente e tantas mais, o Brasil se transformou em pária internacional naquele período. Houve até uma senhora inacreditavelmente medíocre e fanática encarregada de comandar um ministério dedicado a toda sorte de políticas retrógradas e autoritárias. Filósofo charlatão, empresário e pastor fascistas, juiz e procurador conspiradores, teve de tudo, o que explica muito da tragédia vivida.
Meus netos ficarão curiosos em saber o que foi feito dessa gente. Eles terão lido algo a respeito do presidente que governava orientado por seus filhos medíocres, afinal muitas piadas sobre o ridículo daquela situação, assim como os crimes cometidos por eles, não terão sido esquecidas com o tempo. Não podendo dar detalhes, direi que talvez estejam vagando por aí, incógnitos. Vários terão sido presos, e depois soltos com o tempo, outros não tão rapidamente. A certeza é de que estarão devidamente excluídos da memória oficial, e também da popular, há muito teria se passado seu curto momento de fama. É provável que ainda sejam cultuados nos esgotos do fascismo que teimará em resistir em nossa sociedade. Por isso será importante mantê-los na lata do lixo da história, mas não os esquecer completamente, para que não voltem travestidos de novidade.
por Marcelo Bizerril, Professor associado da Universidade de Brasília (UnB), Doutor em Ecologia pela UnB, pós-doutor em Política e Gestão do Ensino Superior pela Universidade de Aveiro (Portugal), foi diretor do Campus de Planaltina da UnB em Planaltina (DF) | Texto em português do Brasil
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