O que vai acontecer até dia 30 não está decidido. Independentemente do resultado, creio ser necessário reflectir melhor sobre o processo eleitoral e o que deve ser um governo minoritário.
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O voto antecipado em eleições antecipadas
Portugal foi, até há poucos anos atrás, um dos países da Europa onde a votação não presencial era mais difícil ou mesmo impossível, sendo que várias vezes me referi à necessidade de alterar essa situação, que justifica parcialmente os crescentes níveis de abstenção.
Finalmente, a situação começa a ser alterada com várias possibilidades alternativas ao voto presencial, mas infelizmente nem sempre da melhor maneira. Em primeiro lugar apresenta-se a mudança como medida sanitária, prolongando a psicose instalada, levando a que os seus danos se tornem irreparáveis, porque, como já fez saber Bill Gates, agora trata-se de perpetuar a mesma lógica antissocial para prevenir a gripe, se entretanto não se arranjar outro vírus qualquer mais aterrador.
Depois porque a informação não está bem coordenada e disponível para permitir ao grande número de pessoas que não podem votar presencialmente nos locais de recenseamento saber o que e como fazer.
Em terceiro lugar porque é algo que não deve ser visto como regra, mas como excepcional e sujeito às mesmas garantias de confidencialidade, de autenticidade, de reflexão e ponderação sobre o voto.
No meu caso, cidadão português residente em Bruxelas, só agora me dei conta que teria que declarar até dia 5 de Dezembro de 2021 se quisesse votar na minha mesa habitual de voto habitual em Bruxelas. Em resultado dessa regra, apenas um número extremamente limitado de cidadãos portugueses poderá votar presencialmente em Bruxelas (69) sendo que o número é ainda mais limitado em numerosas capitais europeias (por exemplo, 1 em Atenas, 2 em Berlim, 3 em Paris).
Depois, e mais importante do que isso, porque a validade do meu voto estará dependente do bom funcionamento do serviço de correios, porque como explica o folheto explicativo o meu voto só será tido em conta se os correios o fizerem chegar até dia 29 de janeiro ao Ministério da Administração Interna, em Lisboa, algo que nunca virei a saber se aconteceu ou não.
Os procedimentos eleitorais em Portugal são inaceitavelmente longos, com as eleições a decorrer mais de três meses depois do chumbo do orçamento a 27 de outubro, com prejuízos enormes evidentes em vários planos, mas pior ainda do que isso é a ideia de que o voto é independente do momento e da circunstância, ou seja, que seja normal solicitar o voto ao cidadão antes mesmo de ter começado a campanha eleitoral.
Seria bom que se debatesse a sério na reforma de procedimentos, mantendo como norma a votação presencial, e com um quadro claro, consistente e estável das excepções ao princípio.
Como escrevi aqui no Tornado, defini o meu voto quando o BE e o PCP – com a bênção do senhor Presidente da República – resolveram mandar abaixo o governo sem apresentar para a sua acção qualquer razão de peso para uma decisão de tal gravidade.
À data em que fui obrigado a decidir o meu voto – dia 12 de janeiro – não consegui ver nenhum dos dois partidos, e menos ainda o senhor Presidente, explicar por que razão optaram por esse procedimento, e mantive por isso o voto decidido em Outubro do ano passado.
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O jogo das coligações eleitorais
A razão essencial que justifica o voto proporcional é o de ter mais em consideração a opinião das minorias, objectivo sem dúvida louvável, mas que tem como custo o de poder produzir resultados contrários aos expressos pelas maiorias.
Em 2015, quando a coligação de direita teve uma maioria sobre o partido da esquerda mais votado, tendo embora uma votação muito inferior ao da esquerda, a Geringonça pareceu-me justificável, embora como expediente e não como uma fórmula permanente.
Cinco anos depois, quando vi nos Açores uma ‘geringonça de direita’ reunindo o PSD, o CDS, o PPM, a IL e o Chega – mais conhecida pela ‘caranguejola’ – a opção pareceu-me formalmente justificável, embora padecendo de um grave vício de forma: o de ter sido cozinhada pelo senhor Presidente da República, pouco antes das eleições presidenciais em período em que ele se deveria constitucionalmente abster de o fazer.
De lá para cá tornou-se óbvio para muitos de nós o problema dessa solução: a de fazer depender todo o governo de uma minoria, neste caso do deputado agora solitário do Chega que dita as condições com que o governo funciona muito acima do seu peso político real.
Esta situação tem sido totalmente escamoteada e não têm sido dela tiradas as devidas consequências no plano nacional, entregando-se antes os cinco parceiros dessa coligação a uma descarada demagogia, com um complexo jogo de alianças cruzadas entre eles para fazer crer na campanha eleitoral que a coligação que fazem, não existe.
Pessoalmente, o que considero vivamente revoltante é que numa região onde a subsidiodependência é infelizmente a regra se faça dos beneficiários do Rendimento Social de Inserção – a principal excepção que deve ser mantida quando se querem evitar subsídios – os bodes expiatórios, e que se leve a cabo com isso uma perseguição ao pobre sem nada realmente reformar do que deve ser reformado.
No país, pesem embora todas as promessas feitas em contrário (que não há razão para ser vistas como mais credíveis do que as feitas nos Açores) é possível uma geringonça de direita em que é o Chega que pode mandar, como o faz nos Açores.
E assim, num país em que toda a banca foi ou é subsidiada pelo Estado em montantes colossais sem que nada de sério se tenha feito para pôr cobro à situação, corremos o risco de ver os pobres (os ‘ciganos’ na versão continental) a ser o alvo da perseguição, o que é quanto a mim intolerável.
E é para evitar um mal maior que também resolvi nestas eleições – não o fiz em 2019 – dar o voto ao PS.
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Cenários possíveis
No rescaldo das eleições autárquicas, vaticinei umas eleições renhidas. Recorrendo a uma alegoria de meios de transporte, que começou com o ‘roubo da bicicleta’ à coligação PS-Livre, coloquei a questão a decidir a 30 de Janeiro a de saber se os eleitores se vão lembrar mais dos milhões perdidos com aventuras aéreas ou dos comboios recuperados com economia de meios.
De lá para cá, as coisas têm corrido mais ou menos como previ. Rui Rio tem-se afirmado com um discurso autêntico, cilindrou a ‘tralha cavaquista’, pôs o Presidente da República na ordem (na verdade, foi o único líder político que fez) e fez da TAP o grande casus belli.
Ninguém lhe pediu até hoje (que eu visse) que explicasse a sua proposta de revisão constitucional que, a pretexto do COVID, dinamitava o que temos de melhor entre nós, e que são os direitos, liberdades e garantias, tendo-se antes a esquerda entregue a acusá-lo de ser um clone de Passos Coelho, o que ele não é.
Esta proposta, só pelo facto de lhe ter passado pela cabeça leva-me a considerar impossível dar-lhe o meu apoio.
O argumento aéreo invocado por Rui Rio – a TAP leva mais por um voo mais curto que saia de Lisboa do que por um voo mais longo que saia de Madrid – é obviamente demagógico, por que essa é uma prática de todas as companhias internacionais, mas tocou uma corda sensível e serviu para despoletar muito do descontentamento.
O que vai acontecer até dia 30 não está decidido. Independentemente do resultado, creio ser necessário reflectir melhor sobre o processo eleitoral e o que deve ser um governo minoritário.