Algumas práticas culturais ainda continuam a manter-se, resistindo ao passar dos tempos. É o caso da “volta do chouriço”, em Val de Vez, concelho do Sobral de Monte Agraço. Pelos “Leilões”, sempre a uma semana do Carnaval, um cortejo percorre todas as casas da localidade a recolher chouriços para um lanche comunitário ao fim do dia.
Os “Leilões” marcam a agenda das colectividades do concelho do Sobral de Monte Agraço e arredores nesta época do ano, sobretudo antes do Carnaval mas também após a Páscoa e até ao Verão. Com origem religiosa, hoje acabam por preencher um fim-de-semana com bailes, almoços e, em alguns casos, ainda se mantêm os leilões dos “cargos”, pirâmides recheadas de frutas e “bolos ferradura”, licitados pela melhor oferta entre os presentes.
Na aldeia de Val de Vez os “Leilões” têm lugar sempre uma semana antes do fim-de-semana do Carnaval. Dentro dessa tradição há outra, a “volta do chouriço”, com origem desconhecida mas também muito antiga, segundo alguns moradores mais idosos da localidade. Dantes a iniciativa decorria na Segunda-feira, porque os moradores trabalhavam no campo e estavam por perto. Hoje, para apanhar mais residentes em casa, a “volta do chouriço” é ao Domingo.
Consiste numa volta pela aldeia com uma vara nos ombros de dois homens. Começa vazia mas, à medida que passa por todas as casas, vai recolhendo chouriços, que acumulam e fazem crescer em vários quilos o peso da vara. Em cada casa o cortejo vai parando, ora para recolher chouriços, ora para recolher outros bens, como ovos ou laranjas. Em algumas, a comitiva serve-se de um lanche e vinho ou licores, oferecidos pelo dono da casa.
Outrora, o cortejo seguia acompanhado por acordeonistas, mas hoje nem sempre é fácil arranjar um disponível. Daí que umas cornetas acabam por fazer o mesmo efeito, menos melodioso mas igualmente barulhento. Como está perto o Carnaval, as crianças acompanham mascaradas e também ajudam à algazarra.
Também havia uma prática usual, as “pulhas”, que eram lançadas a cada morador onde o cortejo parava. Eram versos dedicados ao visitado, à medida que se recolhiam os chouriços. A maior parte das vezes continham elogios ou afirmações engraçadas, mas noutros casos havia um certo maldizer e nem sempre a brincadeira terminava bem, sobretudo se regada com o bom vinho local. Em certos casos os lançadores das “pulhas” enchiam os pulmões e os versos eram ouvidos na aldeia vizinha de Moitelas, a cerca de dois quilómetros de distância.
Depois de recolhidos, os chouriços são consumidos assados na sede da Associação Recreativa e Desportiva de Val de Vez. Também aqui houve uma alteração, dado que dantes o cerimonial de comer os chouriços decorria no largo da aldeia. Mas agora é dentro de paredes, enquanto se convive e decorre o leilão do cargo e de outros bens. Os chouriços que não forem comidos nesse dia são assados e comidos no Domingo e na Terça-feira de Carnaval.