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Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

Balanço de 2021 e Perspectiva para 2022

Lejeune Mirhan
Lejeune Mirhan
Sociólogo, professor, escritor e arabista. É também comentarista Internacional, ensaísta e autor de 17 livros, como: Iraque: Relatos de uma ocupação (2003-2007), lançado em 2021; Marx, para principiantes, lançado em 2020 e Palestina: história, sionismo e suas perspectivas, lançado em 2019 (os três publicados pela Apparte Editora)

É comum que façamos, aos finais de ano e início de ano novo, o balanço do ano que se encerra e apontemos as perspectivas do novo ano. Este meu novo ensaio pretende dar um breve balanço do que foi para o mundo o ano “velho’ e arrisco opiniões sobre como poderá vir a ser o tal ano “novo”. Muitas dificuldades, conflitos, desigualdades e mesmo conflitos regionais de grande envergadura.

 

I – O mundo em 2021

 Listo a seguir os principais fatos na política internacional que marcaram o ano de 2021, tecendo-lhes pequenos comentários sobre os mesmos.

 

  1. Posse de Joe Biden, 20 de janeiro de 2021

No dia 20 de janeiro de 2021, Joe Biden toma posse como o 46º Presidente dos Estados Unidos, tendo derrotado em 20 de novembro de 2020, Donald Trump e o fascismo naquele país, que era um pilar desse movimento internacional fascista. Os fascistas perdem espaço no mundo inteiro, restando este último pilar aqui no Brasil que, se conseguir chegar até às eleições em outubro de 22, será fragorosamente derrotado por Luis Inácio Lula da Silva.

Esse é um registro importante a ser feito. No entanto, ao mesmo tempo, quero deixar claro o que venho falando nas minhas análises. Biden não está compreendendo o momento que nós estamos vivendo do mundo, que é para derrotar o fascismo. Mesmo que ele esteja no nascedouro, o fascismo deve ser tratado como aquelas cobras que você tem que esmagar a cabeça se não, elas não morrem.

Ele não está tendo a grandeza que tiveram Winston Churchill e Franklin Delano Roosevelt que apertaram as mãos, durante três reuniões importantes na Segunda Guerra, do líder dos comunistas, no mundo inteiro, Joseph Stalin, comandante do Exército Vermelho, que foi o grande vitorioso da Segunda Guerra. Sem o Exército Vermelho, Hitler provavelmente venceria a guerra, pois o ocidente não seria capaz de derrotá-lo.

Infelizmente, a prioridade número um de Joe Biden vem sendo a de tentar destruir – mas jamais conseguirá – a Rússia e a China. O fascismo agradece. Então, em que pese ter sido importante a derrota do fascismo nos Estados Unidos e, a posse dele, ele ainda não tem a compreensão dessa grandeza, de entender que o momento é de aliança com a Rússia e a China.

 

  1. Importantes vitórias eleitorais

O segundo aspecto deste balanço de 2021, são as importantes vitórias eleitorais, sendo que algumas muito sofridas, que nós obtivemos na América do Sul e Central.

Na América Central, vencemos na Nicarágua e em Honduras, com Daniel Ortega e Xiomara Castro Zelaya. Mas, na América do Sul, a vitória no Peru, no segundo turno, com 0,4% dos votos válidos, e a derrota de Keiko Fujimori, fascista de primeira grandeza, foi muito importante.

E agora, mais recentemente, em 17 de dezembro, tivemos a vitória de Gabriel Boric no Chile, derrotando por quase 12%, o fascista e pinochetista José Antonio Kast, filho de um membro do Partido Nazista. Isso foi muito importante.

Gabriel Bóric, presidente eleito do Chile I Foto: Divulgação

Já temos governos progressistas na Argentina e Bolívia. Este ano em maio, nós provavelmente venceremos pela primeira vez em décadas, as eleições na Colômbia, com um agrupamento de centro-esquerda muito mais progressista do que em algum passado recente a Colômbia possa ter sido governada, que é liderado por Gustavo Petro, economista e ex-guerrilheiro.

A onda rosa – que não chega a ser uma onda vermelha – contagia toda a América do Sul. A simples visita do presidente Lula à Europa, no giro muito importante, onde o presidente da França lhe pediu, ou seja, pediu para Lula visitá-lo, num claro sinal para a esquerda francesa.

Macron está fustigado por dois campos fascistas, um tradicional com a Marie Le Pen e o outro, o jornalista Éric Zemmour, a novidade mais à extrema direita fascista. Ele é nascido na Argélia, é judeu argelino. Portanto, se nasceu num país árabe, é árabe também. Mas, quem nascia na Argélia antes de 1962 era considerado francês. É um fascista, de extrema-direita.

Com Emmanuel Macron, temos a esperança de, quem sabe, no segundo turno, pelo menos, ter o apoio da esquerda francesa. A União Europeia, de um modo geral, torce para o presidente Lula vencer. E vencendo, o Brasil volte a ser um polo no mundo e irá voltar a fortalecer o BRICS.

Hoje o mundo tem três polos: Estados Unidos, Rússia e China, portanto, é o mundo multipolar. Mas, é uma multipolaridade ainda frágil. Rússia e China juntas ainda não conseguem conter os Estados Unidos, que seguem tendo quase mil bases espalhadas pelo planeta e sete frotas navais que patrulham 24 horas, todos os três oceanos.

A Europa sonha em ser um polo. Ela reúne as três características principais para isso: tamanho, população e PIB, como o Brasil e a Índia. Mas, ambos e, de certa forma, a União Europeia, são polos subordinados ao imperialismo estadunidense.

Eu falo de certa forma, porque eles, às vezes, ensaiam uma tentativa de dizer não, como disseram naquele giro que o Biden fez pela Europa, quando o G7 disse não, a OTAN disse não, a Comissão Europeia, que é uma espécie de gabinete ministerial da União Europeia, que funciona como se fosse um país, também disse não ao Biden. Mas, regra geral, é um Continente subordinado à América do Norte. Portanto, se o Brasil vence, a UE ganha certo fôlego para manter uma Independência maior.

Há contradições na França, por causa da quebra dos contratos com a Austrália para construir submarinos, que seria a França que faria mas agora serão os Estados Unidos. Isso foi um golpe muito forte para a França. Essa manobra ocorreu durante a implantação de uma nova aliança militar no Pacífico chamada AUKUS, que envolve a própria Austrália, Inglaterra e os EUA.

Há contradições com a Alemanha de Merkel. Ainda não sabemos o comportamento do novo primeiro-ministro, Olaf Scholz, que toda a imprensa alemã chama de centro-esquerda. Eu tenho sinceras dúvidas se ele é mesmo de centro-esquerda, mas é positivo que a social-democracia tenha vencido.

Olaf Scholz, novo Primeiro Ministro da Alemanha I Foto: Divulgação

Existe um conflito da  RFA com os EUA, sobre o percentual que a Alemanha tem que investir em relação a gastos militares para sustentar a OTAN, e isso é uma briga que o Trump já desenvolvia com a Merkel.

Tem também a questão do gasoduto russo Nord Stream 2, que está pronto desde setembro de 21, mas a UE não autoriza o seu funcionamento, no momento em que a Europa precisa de muito gás por causa do frio. Então, essa é mais uma contradição. Mais recentemente, o PM Olaf disse que vai conversar com a Rússia, seguindo a trajetória da sua antecessora.

Eu arrisco dizer que o sonho da União Europeia é ser um polo. Ela, por si só, além daquelas três características que eu mencionei acima, ela tem uma moeda alternativa ao Dólar, que é o Euro. Praticamente a única ainda no comércio internacional e umas das mais fortes do chamado entesouramento pessoal.

Você pode guardar Euros embaixo do colchão e, em qualquer lugar do mundo tem uma casa de câmbio no aeroporto que troca os seus Euros. Já, os reais não, você tem que sair do Brasil com o dinheiro já convertido.

 

  1. Resiliência do fascismo

O terceiro aspecto é sobre uma certa resiliência do fascismo do mundo. Eles perderam eleições importantes na América do Sul e nem disputaram na Nicarágua. Por isso, aquela onda toda de não reconhecer Daniel Ortega.  Eles só reconhecem quando eles disputam e vencem, quando não vencem, não reconhecem, não serve.

Por exemplo, dos países chamados nórdicos e escandinavos – que não são os mesmos – pela primeira vez, parece que estão sendo governados hoje por partidos sociais-democratas, o que não significa ser de esquerda. Mas, seguramente, não são partidos de direita.

Então, nós podemos avaliar 2021, em que pesem derrotas substanciais, de vários países da extrema direita, fascistas, eles mantêm uma certa resiliência e uma certa força, a exemplo do Brasil. A questão mais importante hoje é o centro da direita mundial. Eles não têm mais onde se apegar e estão perdendo em muitos lugares. Se eu pudesse fazer uma frase única de conclusão: eu reconheço que há um declínio do fascismo, mas ao mesmo tempo, há a resiliência, eles têm fôlego.

 

  1. A aliança China-Rússia

Outro ponto deste balanço é a sólida aliança entre a República Popular da China e a Federação Russa. Na história dos dois países, houve momentos de altos e baixos. Houve momentos até de rompimento. Mas, elas começam a melhorar a partir de 2001.

Por que 2001? Dois fatos fundamentais acontecem. Comemoramos em 2021, os 20 anos da assinatura do Tratado de Boa Vizinhança entre Rússia e China, uma união cada vez mais sólida. E, a criação formal da Organização de Cooperação de Xangai – OCX, fundado pela China e pela Rússia e mais alguns países como Paquistão, Cazaquistão etc. Hoje ela reúne 12 países, incluindo Irã, Índia e Paquistão.

Presidentes da China e da Rússia, Xi Jinping e Vladmir Putin I Foto: EPA/ Yuri Kochetkov

Trata-se de uma organização militar cujos 12 países somam em torno de 10 milhões de soldados na ativa e cinco milhões na reserva. Os Estados Unidos têm dois milhões na ativa e um milhão na reserva. Mas, se houver uma guerra entre eles, os Estados Unidos vencem. Mas, não é interesse deles. A organização luta contra três ismos: extremismo, separatismo e terrorismo. Os chineses os chamam de “os grandes males”.

Os Estados Unidos dizem lutar contra o terrorismo, mas de certa forma, apoiam o terrorismo. A exemplo do Estado Islâmico, que corta a cabeça de cristãos. Fizeram de tudo para derrubar o presidente da Síria e não conseguiram. Perderam a guerra na Síria.

Estava previsto para o dia 31 de dezembro de 2021 a saída das tropas estadunidenses que ainda estavam no Iraque. Não da forma apressada como foi no Afeganistão, onde houve uma fuga, depois de uma derrota acachapante do imperialismo dos Estados Unidos. É uma transição. Mas, no Iraque, deu-se uma retirada mais lenta. Portanto, solidifica cada dia a aliança entre Rússia e China. Ainda não temos a confirmação da completa desocupação do Iraque pelas tropas dos Estados Unidos.

 

  1. A República Islâmica do Irã

Outro aspecto que eu destaco é de um país de tamanho médio para grande, com 100 milhões de habitantes, que é a República Islâmica do Irã, que trocou o comando da presidência no dia 6 de agosto, assumindo o poder um hierarca da estrutura islâmica xiita do país, Ebrahim Raisi, doutor em Direito, professor, cuja imprensa ocidental chama de ultraconservador.

O que sabemos que ele é um ultra-antiimperialista.  Então, o Irã se consolida no Oriente Médio ou, nós podemos chamar como na Bíblia, na Ásia Menor, como o líder regional. Esse é o Oriente Médio que stricto-sensu, composto por 20 países árabes, mais Israel, que fica no meio.

No meu conceito de Oriente Médio eu o amplio para a Turquia e para o Irã. Portanto, seriam três povos: o turco, persa, árabe e um pouco de israelenses. Aliás, Israel é um país artificial criado, que nunca existiu, onde se falam 80 línguas diferentes, apesar de o hebraico ser a língua oficial. Então, está no meio de 400 milhões de árabes.

Então, isso é o Irã, um país que se consolida como líder do chamado eixo da resistência, que é formado, além do Irã, pelo Iraque, Síria e Líbano. Apesar da crise no Líbano e tudo fazerem para quebrar o país, para dobrar o país, por parte do imperialismo, eles não conseguirão. O Líbano não vai sair da órbita do eixo da resistência, como o imperialismo deseja.

Esta Resistência é integrada também pelo Hezbollah, que é um partido político, mas tem o seu braço armado. E, pelo Hamas que também é um partido político e que tem também o seu braço militar. Estas organizações se somam à luta dos comunistas, socialistas, patriotas, nasseristas, cristãos do Papa Franciso, todos que integram o chamado eixo da resistência. O Irã se consolida como líder a partir de 2001.

 

  1. O aumento do poderio militar da China

Outra questão que eu registro é que a China está ampliando o seu poder mundial bélico e econômico. Ao mesmo tempo que ela garante a soberania do seu mar do Sul. Hoje o país já tem a maior frota naval do mundo, 360 navios e lanchas costeiras de assalto. Os Estados Unidos não têm tudo isso. No entanto, eles têm 10 porta-aviões e a China tem apenas dois. Este ano de 2022 vão comissionar o terceiro porta-aviões e, até 2030, estão construindo mais quatro.

Ela terá, desta forma, sete porta-aviões para consolidar o seu poderio militar no mar do Sul da China, que é o Oceano Pacífico. A bem da verdade, ali é um dos três grandes pontos de tensão política e militar no mundo hoje. O outro é a fronteira russa-ucraniana e o outro é Israel-Irã.

O conflito no mar do Sul da China é específico no estreito de Taiwan, que pode decretar a sua independência, a secessão, a separação daquilo que é indivisível, pois só existe uma China no mundo, que é a República Popular da China. Taiwan é China.

Os Estados Unidos estão incentivando essa separação. Eles estão ali em uma região que vive este tensionamento, e diariamente surgem provocações, declarações de senadores estadunidenses que visitam Taiwan, que foi inclusive convidada para a tal farsa na Cúpula da Democracia que o Biden convocou para o dia 10 de dezembro de 2021, à revelia das Nações Unidas.

 

  1. Economia mundial menos dependente do Dólar

O sétimo aspecto é na economia. Na minha avaliação, eu sinto que a economia mundial está menos dependente do dólar, porque passam a existir comércio bilateral entre as moedas dos seus próprios países.

O maior exemplo disso é o Yuan Renminbi (moeda chinesa) e o Rublo (moeda russa).  Ambos os países fazem comércio usando as suas próprias moedas. Ainda assim, inegavelmente o dólar ainda é a moeda de troca internacional. O Irã, por exemplo, não consegue vender os seus produtos que não seja em dólar.

Especula-se que, se fosse suspenso o embargo, o Irã pudesse comercializar livremente o seu maior produto de exportação, que é o petróleo, especula-se que o preço internacional poderia cair. Mesmo em detrimento da economia mundial, cujo impacto é grande, com o preço do petróleo, os Estados Unidos não suspenderam o embargo

Então, a economia menos dependente do dólar e há até uma certa desvalorização da moeda hegemônica. Não dá para se prever quanto tempo isso ainda dura. Mas, é certo que o dólar perderá a sua hegemonia em determinado momento da história.

Este é o mundo na economia. O banco dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), foi criado em julho de 2014, na 9ª reunião de cúpula ocorrida no Brasil, em Fortaleza. Eu costumo dizer que foi ali que a ex-presidente Dilma Rousseff começou a cair, cuja queda havia iniciado em junho de 2013, com as famigeradas jornadas fascistas – mas eles fundaram naquela reunião do grupo um banco de desenvolvimento do grupo, com capital inicial de 100 bilhões de dólares.

Presidentes dos países membros dos Brics na cúpula do grupo de 2014I Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

O debate principal que eles fazem é criar uma cesta de moedas e, provavelmente, o Rublo, Yuan, o Yen, Euro e Dólar. O Real, como o Brasil foi golpeado em 2016, não tem a menor chance de ser uma dessas moedas. Mas, criariam então, uma cesta de moedas aceitas mundialmente.

Hoje, a forma de se mandar grandes volumes de dinheiro de um país para outro, só pode praticamente ser feito pelo sistema chamado Swift, que é uma sociedade interbancária de telecomunicações, fundada em 1972, que só faz transferência em dólar. A Europa está tentando criar uma alternativa chamada Instex, que é específica para o Irã poder vender o seu petróleo. Mas nem de longe ela tem a força que o Swift possui.

 

  1. O Petróleo

Eu vejo o ano de 2021 como o de um mundo menos dependente do petróleo. Mas, o preço do petróleo não cede por causa disso, porque há um cartel que domina o mercado, através da Organização dos Produtores de Petróleo-OPEP. Muito países grandes produtores que não são membros da organização, participam das suas reuniões e tomadas de decisão na condição de observadores.

Então, eles ditam o valor e se não é para cair, não vai cair, mesmo que a procura do consumo tenha diminuído. Isso é positivo para o meio ambiente, mas ainda estamos longe do momento da história humana onde nós não dependeremos mais do petróleo.

Quero dizer que não depender totalmente, este dia nunca chegará, porque não é tanto o petróleo transformado em energia, no caso de diesel, do querosene de aviação e da gasolina, não é essa a questão. Tudo isso pode ser substituído por outras fontes de energia. O problema são os derivados. Não inventaram ainda derivados com que se possa fabricar plástico, isopor, poliuretano e uma série de outros produtos que não sejam originados a partir da quebra da cadeia do carbono.

 

  1. A ONU

Eu vejo a Organização das Nações Unidas-ONU um pouco mais forte, um pouco mais respeitada. Apesar de o Biden ter convocado um grande evento mundial sobre democracia, mas discriminou pelo menos 83 países. Se fosse a ONU que convocasse, ninguém teria sido discriminado, de forma que todos os 193 países-membros seriam convidados.

Portanto, na cabeça dele, 83 países não são democráticos e não poderiam ser convidados. Quando a ONU chama, ela não discrimina ninguém. A conferência da ONU seria em defesa da democracia e teria um peso muito mais importante do que essa convocação unilateral do Biden, que excluiu Rússia e China, e tantos outros que ele acha que não são democracias. Ele acha que a democracia dos EUA, onde o voto do povo não vale nada, é a melhor democracia do mundo.

E, o exemplo que dou, do respeito da ONU, é a ação da Organização Mundial de Saúde – OMS que o Trump se desligou da organização, e o Biden já voltou. Os Estados Unidos participaram até 2019, contribuindo com um quarto do valor do orçamento total da OMS. Imaginem o impacto desta saída no meio de uma pandemia. Biden então toma posse em 2021 quando a pandemia já tinha ceifado mais de cinco milhões de vidas no mundo e agora está voltando num pique forte.

Quem estiver acompanhando a evolução da pandemia em nível mundial, prestem atenção e tomem todos os cuidados. Essa nova e terceira onda vem muito forte, segundo dr. Tedros Adhanom, diretor-geral da OMS, um homem que eu respeito de formação progressista de esquerda, até marxista. Doutor Tedros disse que está se aproximando um tsunami de contaminação.

No dia 29 de dezembro os Estados Unidos registraram 200 mil contaminações e 2 mil mortes. No dia 13 de janeiro, o mundo registrou mais 3,6 milhões de contaminações e só nos EUA quase um milhão e 150 mil internações. Na Europa, a mesma coisa. Isso ainda não chegou no Brasil, mas está chegando. Então, no meio de uma grande epidemia, em 2020, Trump sai da OMS e o Biden voltou no ano passado.

Então, quando eu digo a ONU mais forte, é que instituições da ONU, abaixo da sua assembleia-geral, dentro do organograma da organização, siglas da ONU que fazem parte do nosso dia a dia, se fortalecem e estão mais conhecidas. Nós somos, de alguma forma, atingidos por uma decisão, por uma resolução, por um acordo de alguma conferência de uma delas.

O Brasil não tem tantas sedes dos organismos multilaterais na ONU, mas nós sabemos o que elas significam: OMS, Unesco, Direitos Humanos, Unicef, OIT, são siglas que fazem parte do nosso dia a dia e hoje nós não saberíamos viver sem elas.

Portanto, em que pesem essas atitudes do imperialismo estadunidense que enfraquecem as Nações Unidas, ela é ainda a maior e melhor experiência que a humanidade pode produzir em termos de uma governança global, mas que está muito longe de que isso aconteça.

 

  1. A tensão política militar e econômica no mundo

Outra questão importante também é a grande tensão política, militar e econômica que vivemos no mundo neste momento. Eu estudo política internacional há pelo menos 40 anos. A União Soviética acabou há 30 anos, no dia 26 de dezembro de 1991, quando a bandeira comunista do Kremlin foi arriada e no seu lugar foi hasteada a bandeira tricolor do czarismo.

Nos primeiros oito anos a Rússia, que deixou de ser a União Soviética, foi governada por um agente da Cia, alcoólatra, que atendia pelo nome de Boris Yeltsin (1931-2007). Em 1999, finalmente, um ex-membro do Partido Comunista da União Soviética, Vladimir Putin, cujo pai e irmão morreram na Segunda Guerra, assume o comando da Federação Russa.

Putin foi membro do Partido Comunista de 1975 até 1991. Ele foi da alta hierarquia da KGB, o que não é pouca coisa. Ele já disse muitas vezes que tem saudades da União Soviética. Não tem saudades do sistema socialista, a bem da verdade, seja dito. Mas, na coletiva que ele deu, dia 23 de dezembro, uma coletiva tradicional de final de ano, que durou quatro horas, ele falou de Lênin e da União Soviética, pelo menos umas 10 vezes.

A URSS terminou, mas a dessovietização não aconteceu totalmente. Muitas estátuas de Lênin e Stálin estão preservadas e a força do Partido Comunista da Federação Russa atinge 20%. Eles mudaram a letra do hino em 1991, mas a música eles não tiveram coragem de mudar, que era a música do Hino da antiga União Soviética, que é hoje o hino da Rússia. O nome dela é: “Tributo a Lênin”. Nós comunistas e o povo russo nos emocionamos quando o ouvimos.

Nem é preciso dizer a importância do papel que Xi Jinping e Vladimir Putin jogam no mundo hoje. E, eles estão aguardando Luis Inácio Lula da Silva tomar posse, no dia seis de janeiro de 2023.

 

II – Perspectivas para 2022

Ao terminar este balanço eu quero falar de seis perspectivas para este ano de 2022, ou seja, fazer algumas previsões de como este ano será. Eu prefiro falar em “construção de cenários” do mundo em 2022, que eu imagino que vá existir. Talvez o termo melhor seja “prognósticos”. Vamos a eles.

 

  1. Um mundo mais multipolar

Eu prevejo em 2022 um mundo muito mais multipolar, porque a multipolaridade atual é uma multipolaridade ainda frágil. Isto, porque são dois grandes polos importantes, que são a China e a Rússia, que tem população, PIB e tamanho territorial, mais o exército. Mas, eles ainda não conseguem dobrar totalmente os EUA. Estes são potência decadente, mas ainda muito fortes.

Um grande exemplo disso, foi tema de um ensaio longo que escrevi em 2021, sobre o socorro do Irã à Venezuela. O país não precisa de petróleo, visto que tem a maior reserva do mundo, mas precisam de gasolina. As refinarias venezuelanas estavam paralisadas por causa do bloqueio imposto pelos EUA. Eles precisam de insumos para quebrar a cadeia do petróleo para poder produzir os derivados, assim como peças de reposição para as suas refinarias, que estão entre as maiores do mundo.

O Irã mandou cinco superpetroleiros com mais de dois milhões de litros de combustível cada um deles. Eles calculam a capacidade desses navios de outra forma que é por barril. Esses superpetroleiros transportavam peças e insumos para as refinarias voltarem a funcionar e até alimentos. É a solidariedade que o Irã presta para países que lutam contra o imperialismo.

Isto se deu apesar de o mar do Caribe e o entorno da Venezuela estar sob bloqueio naval da 4ª Frota dos EUA. O Irã foi advertido para não enviar os petroleiros, pois dessa forma, eles poderiam ser apreendidos. No entanto, todos os cinco petroleiros chegaram à Venezuela sem que o Almirante Donald Gabrielson, seu comandante, fizesse alguma coisa. Não que eles não quisessem. Não só queria, como chegaram a ameaçar de apreender. Mas, nada ocorreu. Isto porque simplesmente, eles já não podem tudo como tem sido até aqui.

Agora, há o caso da tensão na fronteira com a Ucrânia. Putin deu um ultimato: afastem a OTAN dos países fronteiriços com a Rússia, como a Ucrânia e a Geórgia e também da Bielorrússia (Belarus). Ele está dizendo que algumas ex-Repúblicas que foram soviéticas socialistas, que hoje estão na OTAN, também devem sair. Esse foi tema de várias reuniões ocorridas em Viena e Bruxelas, entre os dias 10 e 12 de janeiro de 2022.

E Putin ainda exige que os países do antigo Leste Europeu que eram socialistas, como Polônia, Hungria, República Tcheca, Bulgária bem como os países bálticos Letônia, Estônia e Lituânia também saiam da Organização. Todos esses países hoje estão cercando a Rússia. Putin deu um ultimato pedindo para afastá-los.

É como a gente diz: os Estados Unidos piscaram, porque eles pediram uma reunião com Putin. A Otan pediu e a Organização sobre a Segurança Europeia também se reuniu com a Rússia, porque não é possível eles fazerem o que estão fazendo, cercando a Rússia, o maior país do mundo.

O Pacto de Varsóvia, organização militar do bloco socialista, desfez-se em julho de 1991, de forma que não há o menor sentido para a existência da OTAN. Mas, eles não só ampliaram o escopo da Organização, como ampliaram o número de seus membros. Com que objetivo mesmo se a tal guerra fria acabou?

Então, em um mundo mais multipolar, aguarda-se o Brasil. A União Europeia, com a vitória progressista no Brasil se fortalece para ensaiar os movimentos mais de independência. A União Europeia, tal qual a Índia, são polos, mas subservientes aos Estados Unidos.

Eu não me lembro, nos últimos 30 anos em uma virada de ano, termos vivido uma tensão tão grande. E em um clima de tensão como esse, tudo pode acontecer: quem dará o primeiro tiro? Será que vai ocorrer? É provável que não, mas só o tempo que dirá.  Em geopolítica não se pode ser taxativo e dizer “vai ocorrer ou não vai ocorrer”.

A Rússia não quer, mas será que o governo fascista da Ucrânia que surgiu quando derrubaram o ex-presidente Viktor Yanukovych, em fevereiro de 2014, que era amigo da Rússia, não podem querer um conflito? A Ucrânia era amiga da Rússia, boa parte do povo é bilingue, fala ucraniano e russo. A Ucrânia foi criada na prática por Lênin. Ela sempre fez parte do império Russo e depois da URSS.

Então, o governo fascista de lá quer entrar na OTAN, mas isso não vai acontecer. Eu posso errar e errar faz parte das análises. Mas, é uma linha vermelha que não pode ser cruzada por tropas da OTAN. Ela não pode ter mísseis na fronteira ucraniana-russa, que dista apenas 300 km da capital Moscou.

As eleições na Índia ocorrerão em 2023 e deverá tirar do poder o racista, supremacista hindu Narendra Modi, que persegue cristãos e muçulmanos, sejam sunitas, sejam xiitas. O que ele quer é a supremacia do hinduísmo. Apesar de estar na órbita dos Estados Unidos, não podem romper com a China, nem com a Rússia, pois a Índia é membro da OCX.

 

  1. Mais multilateralismo e fortalecimento da ONU

O segundo aspecto desta avaliação refere-se ao multilateralismo com um fortalecimento e aumento do protagonismo das Nações Unidas, em 2022. A despeito do que Biden vem fazendo, ele que é do Partido Democrata dos Estados Unidos, que se diz multilateralista. O Trump, do Partido Republicano é contra o multilateralismo.

Multilateralismo ocorre nos organismo da ONU onde prevalece um voto por país e suas decisões são deliberativas, diferente da Assembleia Geral que é apenas recomendativa. Exemplo maior disso é o Conselho de Direitos Humanos, que tem 47 membros. Os Estados Unidos são surrados em praticamente todas as reuniões.

Com todo o seu poderio econômico, eles não conseguem reverter tais decisões. Não tem lobby como aqui no nosso Parlamento. Na ONU não tem isso. Mas, não por falta de tentar. Com seu poderio econômico eles podem oferecer projetos para os países mais pobres. Mas, ainda assim, os EUA vem perdendo cada dia mais espaços no mundo e nas relações internacionais.

 

  1. Um mundo com menos desigualdade e pobreza

A terceira perspectiva é a de que poderá haver uma diminuição da desigualdade e um aumento do combate à pobreza. Essa questão foi apontada por Thomas Piketty em sua já clássica obra “O capital do Século 21” onde apresenta dados estarrecedores sobre a concentração de renda e riqueza em plano mundial.

Esse autor é o papa dos dados e números que deixam todos estupefatos. Ele diz claramente que, se o mundo, a humanidade conseguiu razoavelmente ter sistemas públicos de saúde, sistemas de ensino, sistemas de aposentadoria, agora precisa garantir o mínimo de renda universal para todos. Se educação, saúde e aposentadoria estão razoavelmente resolvidas, a grande questão que deve envidar esforços de todas as nações é a diminuição da desigualdade.

Não é possível que um punhado de 36 bilionários detenham a mesma renda de 3,5 bilhões de pessoas, quase metade da Terra. Não é possível que no Brasil, seis homens detenham a renda de 106 milhões de brasileiros. Isso não pode ser assim. Na verdade, isso é anticapitalista. Isso não é bom para o próprio capitalismo.

 

  1. O futuro do neoliberalismo?

A quarta perspectiva é sobre o futuro do modelo neoliberal. Será que ele vai acabar em 2022? Eu não sei! O que eu sei é que ele dá sinais de extrema debilidade. Nos Estados Unidos, a política econômica do presidente Biden, que completou um ano de governo no dia 20 de janeiro, desenvolve políticas que são vistas como antineoliberais.

Tudo indica que ele será o mais keynesiano dos presidentes dos EUA, desde que Roosevelt tomou posse, dia 20 de janeiro de 1933. Na época a teoria keynesiana era muito forte e ela não se enfraqueceu, mesmo com os acordos de Bretton-Woods em 1944. Mesmo que a Libra Esterlina ter deixado de ser a moeda de troca internacional, a concepção do Estado de bem-estar, do Estado provedor, do Estado que investe, desenvolve e ajuda no desenvolvimento econômico, continuou prevalecendo. O plano Marshal de reconstrução da Europa a partir de 1945, especialmente da Alemanha, de Konrad Adenauer, e posteriormente, Willy Brandt.

Ele reconstroem a Alemanha e a Europa, de modo geral, com o dinheiro público. O Biden injetou oito trilhões de Dólares em um ano na economia. O bolsa família dele é de US$ 1.400 (7.500 Reais). Enquanto aqui a miséria do auxílio emergencial foi agora para R$ 400,00. Então, isso é um forte impacto que está ferindo de morte o neoliberalismo. Ele está moribundo.

Se vai acabar é um debate que nós vamos fazer, mas ele está enfraquecido. Mas, eu deixo para vocês refletirem e pensarem. Eu não tenho uma resposta. Se o modelo de financeirização do capital, teorizado por Alain Chesnais em La financeirización du capital, um excelente livro, se isso vai perdurar ainda não podemos saber. Alguns autores dizem que esse modelo estaria com seus dias contados.

Também Samir Amim, saudoso egípcio e economista marxista abordou essa temática. A financeirização do dinheiro da economia. Se esse modelo acabar, o capitalismo volta a ser o que era até meados do século passado? O capitalismo produtivo que conhecemos até meados do século XX, cuja riqueza deriva a partir do trabalho, vai voltar a existir?

É preciso dizer que operário não é só aquele que produz um bem material. Eu fui professor por 25 anos no ensino privado. Eu sou um operário, um proletário cujas mãos nunca estiveram sujas de graxa, mas sujas de giz. Ou seja, não podemos entender mercadorias apenas como bens materiais, mas também imateriais, como cultura e educação.

A pergunta é: será que esse capitalismo dito produtivo volta a existir como era ou ele não tem mais volta? Será que sistema capitalista caminha para o seu fim? Se não voltar a forma produtiva de capitalismo, o que teremos então depois do fim do modelo neoliberal? São perguntas para as quais não temos uma resposta ainda.

A construção de um outro modelo, pode levar o nome que quisermos dar. Nós chamamos de socialismo. Eu não sei se isso acontecerá caso o neoliberalismo acabe. Porque, o neoliberalismo era o último recurso que eles os capitalistas tinham.

É como aquilo que Marx deixou claro como uma das duas grandes contradições históricas do sistema capitalista que o levaram à destruição. A segunda mais importante que ele disse: há uma tendência declinante média histórica das taxas de lucro.

Um sistema que vive do lucro, e se o lucro tende a desaparecer, o sistema tende a acabar um dia. Sem falar na segunda grande contradição: a produção é cada vez mais coletiva e a apropriação daquela riqueza produzida é cada vez mais privada e fica no bolso de um ou poucos.

 

  1. A luta antifascista

Quero abordar aqui sobre o crescimento de uma onda antifascista no mundo. A formação de frentes amplas antifascistas em defesa da democracia, que é o que está em curso no Brasil, devem ser formadas em todo o mundo, tal qual no período de 1933 a 1945. O presidente Lula é um sábio e ele é um frente-amplista. Ele sabe que mesmo que ganhasse eleição com um vice de esquerda, ele dificilmente conseguiria governar.

Das oito eleições realizadas no Brasil desde 1989, as quatro que nós vencemos foi com um vice de centro. E, as quatro que nós perdemos, foi com um vice de esquerda: José Paulo Bisol-PSB (1989); Aloisio Mercadante-PT (1994); Leonel Brizola-PDT (1998) e Fernando Haddad teve como vice Manoela D’Avila-PCdoB (2018). Lula venceu duas eleições tendo como vice o empresário José Alencar-PL e Dilma Rousseff venceu as duas com Michel Temer-PMDB, (2010 e 2014).

Então, o mundo tem que formar essas frentes amplas antifascistas. O exemplo do sábio presidente da Rússia, Vladimir Putin no seu discurso de 47 minutos, dia 27 de janeiro de 2021, em Davos, num dos trechos de seu discurso ele fala: “lembremos de 1933”.

O que que aconteceu naquele ano? Ele pediu para o mundo lembrar de Hitler que, em 5 de março de 1933 venceu as eleições com seu partido que tem o sugestivo nome: Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães. Ele venceu com 18 milhões de votos. Os comunistas e sociais-democratas, que brigavam entre si e tiveram somados apenas 11 milhões de votos.

Hitler, dessa forma, teve sete milhões de votos a mais que comunistas e sociais-democratas que brigavam entre si. Faltaram apenas 5% das cadeiras para ele virar chanceler, mas logo arrumou com o Partido Conservador Alemão e chegou ao cargo de chanceler. Meses depois fechou o Parlamento, depois invadiu a Polônia em setembro de 1939, e depois veio a história que já conhecemos.

Não é possível que nós tenhamos esquecido tudo isso. Felizmente, a Internacional Comunista reunida em seu sétimo e último congresso em agosto de 1935 – ela seria dissolvida em 1942 – sob o comando do comunista búlgaro Georgi Dimitrov, que contou com a presença do camarada Stálin. A nova orientação foi no sentido da formação de frentes únicas antifascistas de caráter amplo.

Todo o mundo que quisesse lutar contra o nazi-fascismo era bem-vinda. O único programa desta frente única antifascista é ser antifascista. Ninguém perguntou para Oskar Schindler, burguês capitalista milionário e nazista no início, se ele era bem vindo na frente única antifascista, porque era, como todos que a ela quisessem se juntar. A frente era dirigida por comunistas revolucionários marxistas-leninistas, mas tinham cristãos, democratas, patriotas, judeus, ciganos etc.

Nós aqui no Brasil não conseguimos formar essa frente para derrubar o fascista que nos desgoverna. Paciência! Ele ficou feliz. Mas, para o presidente Lula ser eleito, ele fará uma frente muito ampla. Mas, ela será muito mais do que uma frente de esquerda, será muito ampla mesmo.

 

Conclusões

Eu vejo que em breve podemos vir a ter uma nova arquitetura financeira mundial. Acho que em 2023 crescem as condições para que os BRICS voltem a ser fortes, para que sejam criadas alternativas ao Swift ou que ele aceite fazer remessas e transações financeiras que não sejam exclusivamente em Dólar.

E que, finalmente, aponte-se para a perspectiva de criar uma cesta de moedas que não seja exclusivamente do Dólar para o comércio internacional. Preparem seus corações e mãos à obra. Muito ânimo e muita força.


Texto em português do Brasil

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