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Terça-feira, Dezembro 24, 2024

A liberalização e a desregulamentação da energia

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Contra todas as garantias anunciadas o aumento da concorrência não se está a traduzir em qualquer redução no preço da energia e numa conjuntura particularmente complicada, com a desorganização das cadeias de distribuição e as economias a funcionarem a um ritmo intermitente, o efeito da desregulamentação no aumento estrutural dos preços é ainda mais preocupante.

Desde o final do Verão passado que os preços da energia têm registado uma subida generalizada, constante e expressiva que irá fazer disparar os custos e os preços no corrente ano e pressionar a inflação em toda a Zona Euro (até o BCE, depois de prever que a inflação começasse a recuarreviu as suas previsões em alta), aumentando ainda mais as dificuldades para as empresas e as famílias já em situação precária. E esta situação, ao contrário do que se pretende fazer crer, não é pontual nem tem origens cíclicas, antes resulta da essência das decisões políticas em benefício do mercado livre e da concorrência que há mais de duas décadas implementaram a desregulamentação dos mercados europeus de gás e electricidade.

O desmembramento das empresas do sector da energia – alcançado mediante a divisão das actividades de produção, gestão da rede e venda ao cliente final (como aconteceu entre nós com a EDP e a REN), anteriormente reunidas numa única empresa pública, que separa os sectores com probabilidade de gerar lucros rápidos daqueles dos menos rentáveis e introduz a concorrência directa na produção e no abastecimento, enquanto a transmissão e a distribuição permanecem públicas, mas obrigadas a adaptar-se para promover a concorrência entre os todos os intervenientes – e a posterior criação de bolsas de produtos energéticos, sobre as quais se formam os preços de mercado, respeitaram os princípios fundadores do modelo neoliberal e serviram para substituir o modelo de tarifas fiscalizadas pelos poderes públicos.

A liberalização dos mercados do gás e a da electricidade não registaram as mesmas dificuldades em todos países, mas sim em função da respectiva situação de importador ou exportador e da estratégia de cada agente, tornando-se o mais competitivo aquele que se conseguir fornecer ao melhor preço ou quem mais cortar nas suas despesas operacionais.

Além do desmembramento das empresas do sector, a liberalização dos mercados da energia (gás e electricidade) trouxe ainda a novidade da mudança dos modos de abastecimento e fornecimento, mediante a generalização dos contratos a muito curto prazo em substituição da anterior norma que eram os contratos a longo prazo. Estes, além da segurança no abastecimento ofereciam a vantagem de financiar a necessária infra-estrutura sem excessivo agravamento dos riscos, enquanto os outros, mais dependentes da conjuntura económica (e até da meramente meteorológica), tornaram os preços muito mais sensíveis a uma lógica especulativa onde até as oscilações do mercado de acções têm repercussões directas sobre os consumidores.

Esse mesmo pendor especulativo sobre a formação dos preços já tinha chegado ao mercado dos combustíveis (gasolina e gasóleo) com a indexação do preço ao consumidor à cotação dos contratos de futuros sobre o crude – contratos que na sua quase totalidade nunca são cumpridos até final –, com os bem conhecidos efeitos no aumento generalizado dos bens e serviços.

Confrontados com a subida da inflação no último trimestre do ano passado, os governos europeus procuram agora intervir para controlar esse efeito, mas estão completamente ultrapassados por um mecanismo propositadamente complexo, que ajudaram a criar em nome dos benefícios da livre concorrência, e por terem sacrificado a maior parte dos meios e poderes de regulação. Manietados pela regulamentação que apoiaram e na expectativa de conseguirem conter o aumento dos preços, resta aos governos europeus a actuação por via fiscal, reduzindo os impostos sobre a energia (como o fizeram a Alemanha, Itália, Espanha ou Portugal) ou implementarem medidas de apoio directo aos consumidores, como fez a França ao criar um cheque energia para 5,8 milhões de famílias de baixos rendimentos; de uma forma ou de outra a solução gizada não altera nem corrige a origem do problema – a liberalização e a desregulamentação de actividades económicas essenciais – e ainda agrava o crónico problema do desequilíbrio entre receitas e despesas públicas. Além disso os consumidores irão acabar por pagar, talvez mais tarde quando os preços de mercado caírem… ou quando os fanáticos do equilíbrio orçamental virarem a solução contra os governos e os cidadãos.

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