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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

Ao Fundo Pitangas

Vitor Burity da Silva
Vitor Burity da Silva
Professor Doutor Catedrático, Ph.D em Filosofia das Ciências Políticas Pós-Doutorado em Filosofia, Sociologia e Literatura (UR) Pós-Doutorado em Ciências da Educação e Psicologia (PT) Investigador - Universidade de Évora Membro associação portuguesa de Filosofia Membro da associação portuguesa de Escritores

Ainda em mim as caminhadas difusas ao recôndito plasma, para sentir contigo o bramir fosco das vozes cruzadas entre beijos inventados, pensar verdades que não existem neste silêncio daqui, o muro onde moro.

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São distantes, sobem montanhas e ocultam madrugadas, risadas devassas e dobram maresias, sucumbem certamente e um dia, o tempo se ocupará por devolve-las ao distinto nada, ao imenso vazio de todos os rios e tempos, a todos os encantos se retiraram os espólios deste mercado sonolento, que abre pestanas e pestanejantes desejos, a tudo se retirará o desejo de tantos futuros, de tantos e puros encantos. Um dia, que restará dessa alma ambulante desvirtuada e redentora dos silêncios comprados sobre madrugadas?

Porque partem devassas as ausências, se encobrem nefastas melodias deste ritual ausente, as músicas do distante rolam sobre o som do tempo, diante a maresia escurecida e o nevoeiro das ondas estilhaçando-se contra os meus sonhos, que rebentam ondas ofuscadas e repelidas como ventos, que se arrastam madrugadas e noitadas, vão silenciosas diante olhares brilhantes, reflectindo sobre a alma o crepúsculo e a ressonância, sentem-se magnetizados pelos beijos alheios, pelos semblantes bestiais, pelas inconstâncias teatrais das noitadas carregadas na solidão do crepúsculo…

Parecem portos estacionados. Ofuscantes os distantes impresentes, cada dedo dirigindo-se ante a mão do destino. As lágrimas jorradas somam-se sobre a água, somam-se e dirigem-se sem destino, ao mar complacente, ao mar desmobilizador, ao mar do encanto, do canto de cada dor partida, de cada viagem conseguida, de cada rumo jamais repetido, como portos estacionados na distância dum olhar arrumado, ancorado sem silêncio, com as ancoras da madrugada neste quarto blasfémico de vozes espalhando-se pelas paredes que se repartem e dividem pelos sonhos do amanhã, em cada gota de misericórdia, por cada apelo e impulso se renderem depois, as lágrimas serão futuro deste mar que te dou, em tuas mãos que invento com os dedos dirigidos a um porto que se perde, quando partem devassas distâncias sem a voz dos teus olhos que me colam à manhã, sem o meu navio.

Sem que ainda restem os quintais, fiquem aventais e destinos dos beijos que darei, partirem os espólios do meu restante futuro, os empolgados e alongados projectos e todos os sonhos, somarem a restante monotonia que rejeito, que amputo à madrugada dos recados deixados em teus segredos, que se molham neste porto azedo e perdido, estacionado na amálgama deprimente dos salpicos comprimidos sobre a noite, que flutua lentamente pelos olhos semiabertos e rendidos.

Parecem portos inventados os meus desejos, portos ancorados os meus projectos, portos navegados os meus delírios, para que durmam devassas alegrias e sigam futuros espoliados e espalhados e rendidos, sobre todas as águas e todos os sonhos dos teus corpos ancorados nesta sigla de silêncios que invento e ancorarei, para que partam então e definitivamente os teus devassos sorrisos que me esquecem… Partem esplendorosos os sorrisos. Espalham-se pelo ar, levam fumos riscando o céu, rasgando o vento, rompendo com o tempo que dista da razão, que fuma empalidecido recado imaculado, rogado e desprezado, abalroado sentimento que é agora, fumo simplesmente, o invisível de cada estado, ira de sonhos e contemplados sentimentos de fuga.

Sem criar espaço ou distância, albergue ou asilo, sem marcar memória, desejo ou esquecimento, entrar ou sair da orbita das ideias, a que me relego, entre mim e o que vislumbro, o esplêndido sorriso aglutinando o tempo num copo vazio, ou memória que se enche de silêncio que se abarca num breu de beijos, o toque que me marca e alma ressequida, dorme ainda. Mesmo que passados se vendam ou pássaros se rendam a sua liberdade.

Os contornos vagos de todos os momentos, os vazios preenchendo o escuro entre a distância, sinto longe os passos da morte lentamente retorquir-se às maresias enfeitadas do meu rosto que se mergulha por si a dentro.

Coloco sobre as mãos uma ideia, agito sobranceiramente os cadafalsos magros do meu momento, como que se me quisesse exilar do presente exaltando as memórias que se imolam nos resquícios secos do delírio.

Brilham maravilhadas e as escuras, as palavras que dormem, o vento empurrando sem sentido os delírios que quase a origem de si mesmas, revoltas e breves sobre as relvas, como um charco de noite pedindo pisadas de ninguém, nesta orla, cânticos e sonhos em redoma rodopiam quase manhãs, quase amanhãs, quase eternas promessas de que da vida levam as dores entregues como nuvens rebocadas numa ordem repressiva, as fraquezas que subestimam a essência sem morte já.

Alojados ainda percorrem sob fantasias, os delírios debicados ainda se encaminham, ainda se expõem ao silêncio desta noite, encobertos os desejos de sonhar-te ainda cedo, ainda sempre, sem que nunca se repita de repente, o discurso destas nuvens sobre as ruas os meus passos, que se perdem entre as ruas quase escuras, quase nuas, quase sós, iluminam bem distante a minha azáfama, a minha sede e mesmo ainda, um coração já vendido ao silêncio do presente que me cala contra as minhas próprias iras, iras calmas, já adormecidas, já ausentes, sem sentido nem ressonância, como os pássaros que compraram liberdade e bajulam lá bem longe, o orvalho desta vida um dia certa, certamente mergulhando os meus oceanos recolhidos na ausência das palavras dos teus beijos, que me calam.

Foi por detrás da noite. Por entre o sabor das trevas. O paladar escondido de gostos que a memória possa recordar. Havia a distância dos ruídos engolirem o fim da noite. Havia sorrisos teus. Foi por detrás da noite.

Sabes como começam e acabam todas as histórias, umas mais vulgares que outras, mas há nelas todas e tu sabes, sabores que se trazem depois pela manhã, sentimos isso na língua, sentimos isso no corpo, sem que desfaleça, a vontade fica e o desejo de repetirem-se sempre histórias iguais, nem que sejam sempre sazonais.

Parecem pedaços de Verão.

Como se distinguem as coisas, pelo efeito das sombras que o mar repercute na distância, o sorriso mórbido das manhãs, repleto de ausência e angústia, os sabores que amargam nefastas turbulências das maresias que se inventam, o reflectir de si em si mesmo, as palavras amorfas e medonhas gravadas no varandim espartano do alem, diante o nevão do tempo, o alvorecer do arvoredo colado à sombra, entrando subtilmente e deitando-se nesta cama dos meus últimos momentos deste instante.

À janela do tempo, onde se dispersa vagarosamente, despreocupadamente, ousadamente irrompe o claro dia observando o vazio espalhando azáfama pelas ruas invadidas e repletas dos ruídos amorfos dos que seguem, sinto em cada um o instante que sou quando me entrego, e ali sigo, como um vento comum engolindo o silêncio que invento, as palavras arrasadoras de horas e esplanadas sem vazios e mesas preenchidas com riachos de imensas coisas, perdem-se subtilmente indiferentes e seguem-se as horas que incluem no nada o total dos dias…

Amanheço enfim com saudades. Que importa agora não esquecer. Desço este árido sonho, rumando às marcas do tempo, enchidos silêncios, náuseas socorrendo-me de ideias, entre as marcas de tuas dedadas, desço às ruas em que procuro antigos sorrisos, em que havia no beiral o rio, sentado no parapeito do tempo, desço à melancolia do silêncio, em que sentia as manhãs cantarem, desço à madrugada embebida de meus gritos, onde dormia as tuas lágrimas, desço talvez onde já não exista a minha marca, sentar-me no resto do desejo que ficara como areia ressequida, encobrir um distante futuro nas sombras das ideias, dos cheiros embalsamados com o único resto possível de ti, à memória dos sorrisos que dormem uma única paz.

Há vagares sinuosos, vagares vulgares, vagares intemporais… quando sentimos o reflexo dos espelhos da alma seguirem, que lhes perguntamos? Mais que chorarmos o silêncio… ou mais que sentirmos o que em nos for de facto significativo, representaremos perante nos mesmos o que nos interiorizar sob os espelhos do escuro, numa noite como esta, vulgar e sinuosa…ou que talvez sonhar nos elevasse como pórticos do desejo, sentir como podem as águas no limiar do tempo evaporar do corpo a sede dos sonos, dos amores, saberás sim, sei, que um dia dirás baixinho, só que eu te ouça, a mensagem que sabes sobre as coisas estranhas duma beleza rara, enfadada com contornos desenhados por ti, longe da noite… Quando sinto longe a noite e em meus pensamentos os resquícios do perfume da tua voz arfarem, sei que estou num campo onde se pode descer belamente há maré baixa desta noite contigo, pensando-te junto as águas salgadas dos beijos inventados com estes ventos que compro na madrugada, e ver bruscamente sob as águas a lua dormindo como tu, um anjo que me busca. Era cedo porque ser de facto cedo é mesmo importante, porque ser cedo é primordial para te ver nadar sob os reflexos que a lua alucina em minha alma que dorme.

Coloco os dedos de sonhar-te nesta água que sinto seres, e sinto quem és, sonho não, ou mesmo que o sejas, sinto o bramir das águas sorverem-me e eclodirem-me como toques sinusoidais da floresta ardente do teus beijos, contados um a um neste imenso percurso em que se sente que facto o mar, recria a vantagem de amar, de amar-te mesmo de noite e na rua, onde a tua voz se confunde com a bela lua, com a bela tu, nas mãos do meu belo sonho mergulhado contigo nas águas do douro ate que consigamos nos navegar, o leito do amor que supostamente tenhamos inventado, para recriar outros mares, na falésia desta cidade que é tua e amo.

Não sei de facto como devorar com passos o escuro que busco, mas que seguir é mesmo lema, que importa não haver quem comigo reme e vou, até ti, nesse distante estranho que um dia beijei, e senti, na pele que sobrevoou as falésias do impossível e encontrou num destino que descontraidamente dormia e acordou, ao pressentir perto o meu sono lúgubre, cheio de sal para entregar-lhe. Nada como as noites transmite como tu, o sabor, só silêncio, que caminha lentamente desejos de um dia encontrar em ti, a tua imagem que faça em mim sentir a vantagem de ser-te, um amor sob estas águas brilhantes… Entre os palanques do imaginário, o sorriso da certeza, conturbado talvez este silêncio em que permaneças na ausência, a presente e inócua vantagem de sentir-te, os reflexos que me deixas quando chegas, intemporal distância quando sempre pela noite a tua voz me acorda das profundezas entranhadas num labirinto de sol, como ondas de um mar qualquer no meu jazigo vivo, rememoro-te presente e sempre constante, de sorrisos ainda iguais aos de outros tempos, quando pensava existires.

Ainda em mim as caminhadas difusas ao recôndito plasma, para sentir contigo o bramir fosco das vozes cruzadas entre beijos inventados, pensar verdades que não existem neste silêncio daqui, o muro onde moro.

Sou mais que obstipado, mais que sentenciado e sereno, divago apenas a margem da tua impresença marítima nesta calúnia de amores vertiginosos que se sentenciam findados, finitos e castrados planos de origens recônditas, antes que surja a verdade de ti num sopro sólido, onde a verdade real tenha sido apenas o momento expurgado nesta feira ambulante de livros de nadas, com a mão que inventara de ti, trazendo-me a esta realidade verdadeira, embora escreva apenas o que tivesse sido, sem que nada fosse de facto. Por isso tu ainda ai, slide existente do momento. Eternizando num tempo a vontade de sacar de mim, as memórias de tantos amanhãs em alguém mais que tu, sendo-me de mim palavras soltas, num verso ou verdade sacra, à esplanada do sonho que construo na imagem que me sobrevoa, sorvendo a verdadeira passagem da vida ou por ela mesma, a vida dos momentos…

Um caminhar idêntico, indiferente, um galgar quase atónito, brusco, o sorvete da esfinge quebrando o silêncio que se esvai, num vulgar repercutir destas águas amanhecidas, destas talvez impróprias sentenças da vida, estereotipadas e vandalizadas, como os ontens nossos aqui devastados pelas flores da pele, mergulhadas nestas águas saboreando-nos, como o zénite das noites esclarecidas diante dos corpos que se castram sem vontade de auto possuírem-se num altruísmo dizimante, às folhas raras da escrita esquecida neste compendio denunciando-te vidente dos meus futuros. Sobranceria. Vagamente ecoo-me. Pareces plátano destes rios azuis. Sou-te cardápio voluptuoso. És-me sinceramente, o eclodir das imensas noites. Quando um dia formos navegantes? Não, quando formos fantasistas do tempo. Não o sou, sê-lo-ei certamente. A tua voz navega as astúcias raras deste nebuloso silêncio, deste pragmático além.

Ainda assim, que durmam um silêncio longe, este desejo invulgar, a maré meio adormecida acalenta o rugido fúngico do teu abraço não peculiar com cheiros de fungos e juncos a regelarem-se na madrugada e dela uma luz à beira do corpo a viajar, como sentia sei, a tua mão, como dizia antes, que amar agora?, como posso fingir que a vida foge pelos dedos da imaginação carpida de luzes ouvidas no alpendre seco do quarto onde antes, nós, sim, só nós, dormíamos de corpos colados num acoplado desdém de verdade amorosa que não foi, da tua voz, a verdade desses idos calores absorvidos pela ânsia nua da omnisciência, pudesse eu mais que isso escrever páginas na maré, na arte fingida dos escombros deste maremoto derrapante de casas tremidas, durmam vocês o que puderem deste lado quente de países na areia da vida alem mar e nela, viveria uma centena de todos, mas não, a pele arranha o silêncio, o destino, a vontade e nela a tua mão de vorazes incertezas a colmatarem ali, um fim anunciado um dia antes desta noite em que já dormiras na mesma cama comigo.  Digo-me das noites frias numa casa abandonada pelo sono, incauta manhã.

– Vontade de rir, teria?

Ao fundo um quintal de memórias, os gritos afónicos da minha mãe na lezíria careca do recreio.

– Que professora no claustro?

Cirandava na minha maresia ali perto, saberás disso, o estreito vale após desceres os primeiros degraus da minha casa descobrirás, o momento em que a vida me fizera calar, aqui. Os lobos nunca dormem. Ou que osso na lezíria ilumine o tempo?


Como aperitivo à deliciosa prosa de Vítor Burity da Silva, apresentamos novo capítulo do livro Ao Fundo Pitangas

 

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