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Quinta-feira, Julho 18, 2024

No centro do furação inflacionário europeu

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Dados de Julho deste ano revelam que com um aumento anualizado da inflação superior a 20%, os estados bálticos da UE estão bem no centro da tempestade económica que varre a região, enquanto da velha Albion chega a notícia do pior desempenho económico em mais de 300 anos. Se, provocada ou não pela invasão russa da Ucrânia e pelos efeitos da Covid-19 que ainda persistem, a Estónia tem o aumento de inflação mais rápido da zona do euro, região que em finais de Julho apresentava um valor de 8,9%, o máximo desde a criação da moeda única, em 1999, já a Grã-Bretanha estará a sofrer a tripla conjugação de factores, com o rescaldo da Covid-19 e o despoletar da crise ucraniana (com os preços da energia a quase duplicarem, depois de um aumento de 54% em Abril), mas principalmente os inevitáveis efeitos de um BREXIT que se está a revelar muito mais prejudicial que a promessa feita pelos irresponsáveis dos seus promotores e que nem a plena autonomia na definição da sua política monetária consegue já disfarçar.

A tendência de inflação na Estónia (23,2%), acentuadamente acima da média europeia mas em linha com os vizinhos Letónia e Lituânia (que registaram 21,3% e 20,9%, respectivamente), pode ser atribuída a uma série de factores onde se incluem um aumento nos preços da electricidade (129,6% em Junho passado) impulsionado pela escassez e por uma recuperação excepcionalmente forte da economia estónia após a pandemia – segundo dados do Departamento de Estado norte-americano, o PIB estónio cresceu 8,1% no último ano, ultrapassando os montantes de pré-pandemia, enquanto a potência económica da região, que é a Alemanha, só agora (no segundo trimestre deste ano) conseguiu regressar a ritmos de crescimento semelhantes –, o que levou a uma situação de escassez de mão de obra e a uma pressão no sentido do aumento dos salários.

Com uma situação política interna relativamente frágil – o actual governo da liberal Kaja Kallas foi empossado há pouco mais de um mês, é o terceiro desde as eleições de 2019 e resulta de uma coligação tripartida (formada pelo Partido Reformista da primeira-ministra, os conservadores de direita do Partido Isamaa e os sociais-democratas) que substituiu a anterior coligação com o Partido do Centro (centro-esquerda), fragmentada quando este começou a ser acusado de ser demasiado pró-russo – e com o aproximar de eleições, em Março de 2023, é expectável a continuidade das políticas fiscais de forte pendor liberal, apesar do seu evidente insucesso na contenção da inflação.

A par com a recusa da ideia de qualquer aumento do investimento público, cujo efeito no aumento da procura interna é tido pelos liberais como pernicioso para a inflação e para o défice público, também parece excluída a hipótese de redução nos impostos sobre os combustíveis, solução julgada ineficaz e de duvidoso efeito prático. Ainda assim, e contrariando esta visão, foram recentemente anunciados em vários países europeus, como a Alemanha, a França e a Espanha, pacotes fiscais que incluem reduções em impostos directos e indirectos e até nos EUA já foi promulgada uma Lei de Redução de Inflação que associa um pacote legislativo de combate à inflação, à crise climática e de apoio aos cuidados de saúde da população norte-americana.

A razão para o flagelo da elevada inflação que assola a região das ex-repúblicas soviéticas do Báltico (Estónia, Letónia e Lituânia) e que em grande medida se deverá ao súbito aumento do custo da energia em consequência do conflito russo-ucraniano, não estará a revelar-se particularmente gravoso na Estónia em consequência da estrita aplicação dos conceitos liberais (opção grandemente partilhada pelos vizinhos letões e lituânios onde pontificam governos manifestamente da direita conservadora), mas principalmente pelas limitações à política monetária impostas pelo facto da Estónia ser a única das três economias que integra a Zona Euro, perdendo assim qualquer autonomia na fixação das taxas de juro e na emissão de moeda.

E se é certo que, com o objectivo declarado da necessidade de reduzir as expectativas dos cidadãos relativamente à inflação futura e sinalizando ainda a possibilidade de outro aumento já em Setembro (valor que os mercados admitem venha ser de mais meio ponto percentual), o BCE (Banco Central Europeu) já elevou em Julho as taxas de juros em meio ponto percentual, não é menos verdade que o fez muito influenciado pelas necessidades dos membros mais endividados da zona do euro e com inflação mais baixa (como a Itália e a Espanha), muito aquém das aspirações estónias, assim deixando antever a permanência de uma inflação elevada e garantindo uma ainda maior redução no rendimento disponível no país.

Respondendo a este cenário, a economia estónia tem vindo a registar uma tendência para uma alta generalizado dos preços a par com a exigência de salários mais altos, naquilo que é conhecido entre os economistas como um processo de espiral inflacionária, de difícil e delicada contenção, de que foi exemplo a situação vivida na década de 70 do século passado quando o FED teve de elevar as taxas norte-americanas até valores da ordem dos 20%.

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