A onda de greves de trabalhadores cujo salário não dura até o fim do mês devido à alta dos preços foi chamada de “verão do descontentamento”.
O Reino Unido vive o pior cenário econômico dos últimos 50 anos. Ao mesmo tempo, o contexto político gera instabilidade e dificulta a recuperação britânica. País está imerso há semanas em uma crise devido ao aumento do custo de vida que desencadeou grande frustração entre seus cidadãos, dando origem a um número cada vez maior de greves e ao surgimento de iniciativas de boicote às contas de luz e gás.
Diante disso, a onda de greves de trabalhadores cujo salário não dura até o fim do mês devido à alta dos preços foi chamada de “verão do descontentamento”. O termo faz alusão aos protestos registrados no final da década de 1970 em meio a uma grave crise econômica — e que foram chamados na época de “inverno do descontentamento”.
Inflação descontrolada
A inflação chegou a 10,1% em julho, cinco vezes a meta definida pelo Banco da Inglaterra. A previsão da instituição é que ela ultrapasse 13% nos próximos meses.
Segundo reportagem da BBC, analistas projetam um percentual muito maior e isso tem gerado preocupação e indignação na população, que precisar escolher entre aquecer a casa ou comer quando chegar o inverno.
De acordo com o banco de investimentos Citi, a inflação está “entrando na estratosfera” e pode chegar a 18% no ano que vem, a taxa mais alta em quase 50 anos.
Crise energética
O aumento do preço da energia prenuncia um inverno complicado no Reino Unido. Nesta sexta-feira (26), o Escritório de Mercados de Gás e Eletricidade (Ofgem, na sigla em inglês) anunciou que o teto para o gasto com energia no Reino Unido será elevado em 80% a partir de 1 de outubro e passará das atuais 1.971 libras (2.325 dólares) pagas por ano por uma residência média para 3.549 libras (4.180 dólares).
“A alta reflete a progressão contínua dos preços globais de gás no atacado, que começou com o fim dos confinamentos após a pandemia de Covid e atingiu níveis recordes quando a Rússia interrompeu lentamente o fornecimento de gás para a Europa”, afirmou a Ofgem. Levando em consideração a tendência atual, a agência alerta que “os preços podem aumentar de forma considerável em 2023”.
Nos últimos dias, o preço do gás se aproximou dos níveis históricos registrados no início da ofensiva russa na Ucrânia. “Somos conscientes do grande impacto que o aumento do teto tarifário terá nas residências em todo Reino Unido e nas decisões difíceis que os consumidores terão que tomar”, afirmou Jonathan Brearley, diretor geral da Ofgem.
O diretor-gerente da EDF Energy no Reino Unido, Philippe Commaret, alertou, em entrevista à BBC, que “metade das famílias britânicas enfrentará pobreza energética neste inverno se o governo não tomar medidas para aliviar o aumento do preço das contas”. Segundo ele, um “inverno catastrófico” se aproxima para mais da metade dos lares britânicos, que terão que destinar 10% ou mais de sua renda para pagar pela energia.
Campanha “Don´t Pay Uk”
A campanha “Don’t pay UK” (“Não pague o Reino Unido”) lançada em junho após as altas decorrentes da crise energética, convoca britânicos a boicotar o pagamento das contas de eletricidade a partir de 1º de outubro, data prevista para o aumento do teto da tarifa da energia imposto pela Ofgem.
Até o momento, mais de 118 mil pessoas aderiram à iniciativa por meio da web e concordaram em cancelar seus pagamentos por débito automático. Atos estão sendo convocados nesta sexta (26) em todo o país.
O movimento afirmou que o apoio recebido até então “demonstra a raiva e a frustração diante de um sistema de energia quebrado que deve ser transformado drasticamente em benefício dos cidadãos”.
A organização exige uma redução nas contas a um nível acessível e veem na campanha a única forma de obrigar o governo e as empresas de energia a agir. O grupo diz ainda que não tomará nenhuma atitude a menos que 1 milhão de pessoas se inscrevam e que está “consultando extensivamente” especialistas em direito e dívidas pessoais. Até esta sexta (26) 118 mil pessoas haviam se comprometido.
A pior onda de greves em 30 anos
Frustrados com o não-fechamento das contas no fim do mês, milhares de trabalhadores de diversos setores entraram em greve em defesa de melhores salários para fazer face à inflação crescente. E os que não entraram, consideraram a possibilidade. Esta é a maior greve da indústria em 30 anos.
A central sindical britânica (TUC, na sigla em inglês) pediu ao governo para aumentar o salário-mínimo em 15 libras por hora “o mais rápido possível”. O salário-mínimo atual para trabalhadores com mais de 23 anos é de 9,50 libras, com valores mais baixos para funcionários mais jovens.
“Todos os trabalhadores deveriam ter recursos para um padrão de vida decente”, diz Frances O’Grady, secretária geral do TUC. “Mas milhões de trabalhadores com baixos salários estão vivendo de salário em salário, lutando para sobreviver, e agora estão sendo levados à beira do abismo por contas exorbitantes e preços que disparam.”
Os trabalhadores do setor ferroviário estão há muito tempo em pé de guerra com o governo. A eles, se somam ainda quase dois mil membros do sindicato Unite – operadores de guindastes, máquinas e estivadores – que decidiram no domingo (21) parar por oito dias as atividades no porto de Felixtowe, o mais movimentado da Grã-Bretanha e responsável por 48% dos movimentos de contêineres dos países da ilha.
O descontentamento atinge também setores como o judiciário, o serviço de correio britânico Royal Mail, o de telecomunicações, de professores e enfermagem. Trabalhadores de metrôs, trens, ônibus e universidades também já cruzaram os braços pedindo mudança salarial.
“Queremos apenas um aumento que acompanhe o custo de vida, para que possamos comprar em 2022 o que poderíamos comprar em 2021”, disse Mick Whelan, secretário-geral do sindicato Aslef, que representa 21 mil maquinistas, em entrevista coletiva.
“As pessoas estão em situações financeiras delicadas. Vejo muito desespero”, desabafou Steve Garelick, representante GMB Union, maior sindicato do Reino Unido, durante protestos de trabalhadores da Amazon de Tilbury, a leste de Londres.
“É o verão do descontentamento”, completou, usando um termo que faz referência ao “inverno do descontentamento”, de 1979, quando a Inglaterra teve paralisação generalizada: desde operários de fábricas a coletores de lixo e coveiros.
por Bárbara Luz | Texto em português do Brasil
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