Regras do encontro garantiram mais dinamismo, permitindo a interação direta dos presidenciáveis.
O segundo turno das eleições 2022 chegou à metade com o mais esperado confronto entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual mandatário, Jair Bolsonaro (PL). Na noite deste domingo (16), os dois presidenciáveis estiveram frente a frente em debate promovido por um pool de veículos da grande mídia nos estúdios da Band.
Se Bolsonaro teve mais menções nas redes sociais ao longo dos três blocos do encontro – conforme levantamento da Quaest Consultoria –, Lula foi apontado em pesquisas qualitativas como o candidato mais convincente nos confrontos. O petista se saiu melhor especialmente em temas como o enfrentamento à pandemia de Covid-19 e o combate à pobreza.
“O senhor não carrega nas costas um pouco do sofrimento dos brasileiros de ser responsável pelo menos por 400 mil mortes nesse país?”, questionou o ex-presidente, denunciando a insensibilidade de Bolsonaro. “Você é o rei das fake news e da estupidez”, emendou Lula.
À imprensa, após o debate, o ex-presidente admitiu que defender o “povo pobre” foi o ponto “essencial” de sua estratégia para o debate. “Eu perguntei duas vezes sobre salário mínimo, e ele não responde. Eu perguntei sobre Educação, e ele não responde”, afirmou. “Ele não discute esses temas. Ele vive de mentiras.” Lula mostrou que Bolsonaro mentiu, por exemplo, ao se pôr como o responsável pela transposição do Rio São Francisco. Lula executou 88% das obras, e Bolsonaro, só 3,5%.
Esse contraponto de classe ficou mais evidenciado no primeiro bloco. Bolsonaro comentou de forma preconceituosa a recente agenda de campanha de Lula no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. “Eu conheço o Rio de Janeiro. O senhor esteve atualmente no (sic) Complexo do Salgueiro. Não tinha nenhum policial ao seu lado – só traficante.”
Lula não passou recibo. “Sabe do que eu tenho orgulho? É que eu sou o único candidato a Presidente da República que tem coragem de entrar numa favela – e sem colete de segurança”, disparou. “Eu acredito no povo e eu fui numa comunidade no Complexo do Alemão – povo extraordinário, trabalhador. Fizemos uma passeata extraordinária e exuberante, e ali não tinha bandido na passeata. Ali tinha mulheres e homens que trabalham, que levantam (às) 5 horas da manhã para trabalhar.”
Segundo o cientista político Felipe Nunes, diretor da Quaest, esse foi o momento em que o presidente e candidato à reeleição mais “pisou na bola” durante o debate. “A postura do Bolsonaro, associando quase que necessariamente quem mora em favela a bandido, não está soando bem nas redes sociais”, explicou Nunes.
As regras do encontro garantiram mais dinamismo, permitindo a interação direta dos presidenciáveis. Esse formato prevaleceu em dois dos três blocos – o primeiro e o último –, estendendo-se por uma hora. Tanto Lula quanto Bolsonaro elogiaram essa flexibilidade, mas tiveram alguns tropeços.
Bolsonaro, mais afeito a lives e comícios com suas claques, demorou a se adaptar ao ambiente. Além de nem sequer deixar o púlpito em sua primeira participação, o presidente raramente olhava para as câmeras e não parava de consultar suas anotações.
Já Lula, assertivo e dominante no primeiro bloco, pecou no terceiro ao não dosar seu tempo de fala. Era o bloco derradeiro, e Bolsonaro chegou a ficar com quase seis minutos livres para se pronunciar sem interrupções – um tempo de ouro para os padrões da TV. Porém, Bolsonaro preferiu falar para sua bolha, com uma peroração moralista tão arrastada quanto repetitiva.
O segundo bloco, no qual jornalistas faziam perguntas para os candidatos, foi mais convencional. Não havia réplicas nem de jornalistas, nem de candidatos – o que enfraqueceu o debate. Ainda assim, conforme a Quaest, foi o bloco em que as menções a Bolsonaro nas redes mais ficaram negativas. De cada três citações ao presidente, duas lhe eram desfavoráveis.
Isso se deve, em boa medida, ao fato de que as perguntas escolhidas pelos jornalistas expunham mais o presidente. No primeiro questionamento, entrou em pauta a proposta autoritária de Bolsonaro de ampliar a composição do STF (Supremo Tribunal Federal) para garantir a blindagem de seu governo. “É um atraso e um retrocesso que a República já conhece. Eu sou contra”, demarcou Lula. “Não é prudente nem democrático o presidente da República ter os ministros da Suprema Corte como amigos.”
Lula, da mesma maneira, deixou claro que é contrário à privatização da Petrobras e que vai lutar institucionalmente contra as fake news. O ex-presidente concordou com a criação de uma lei que inibisse notícias falsas, sobretudo nas eleições. “Acho que a campanha deve ser regulada – a Justiça tem que tomar decisão. Toda vez que houver mentira vamos entrar com um processo”, completou Lula.
Ele ainda propôs a troca do “orçamento secreto” pelo orçamento participativo. “Nós vamos pegar o Orçamento e mandar para o povo dar opinião para saber o que quer efetivamente que seja feito para ver se a gente consegue diminuir o poder de sequestro que o ‘Centrão’ fez com o Bolsonaro”, disse Lula.
Nas considerações finais, Bolsonaro retomou o discurso do medo, com suas velhas fake news sobre ideologia de gênero, drogas, aborto e igrejas. A coordenação da campanha do presidente à reeleição gostou do tom moderado e menos agressivo de Bolsonaro no debate, mas lamentou a dificuldade do candidato em falar “para fora da bolha”.
Lula deu preferência ao combate à pobreza e à insegurança alimentar. “Nós vamos voltar, consertar esse país. E vamos voltar nos finais de semana a comer um churrasquinho e tomar uma cerveja”, brincou o ex-presidente. “Eles (os bolsonaristas) ficam doidos porque ele pensa que só ele pode. Mas nós podemos e vamos querer comer um churrasquinho.”
Conforme dados preliminares do instituto Kantar Ibope Media, o debate na Band teve audiência média de 11,8 pontos das 20h às 21h51, levando a Band ao segundo lugar no horário, atrás apenas da Globo. Os índices se referem à Grande São Paulo.
por André Cintra, Jornalista | Texto em português do Brasil
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