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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

As contas manipuladas do Orçamento do Estado

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

As contas manipuladas do governo sobre o aumento das remunerações dos trabalhadores das Administrações Públicas em 2023 para enganar a opinião pública e o saldo de 4004,7 Milhões € previstos na Segurança Social em 2023 à custa do aumento da pobreza dos pensionistas.

Neste estudo analiso o aumento da despesa que o governo diz no Relatório do Orçamento do Estado para 2023 que terá com o aumentos das remunerações base dos trabalhadores das Administrações Públicas em 2023 (905 milhões €), e mostro, com dados oficiais, que os valores apresentados pelo governo não têm qualquer aderência à realidade, já que a despesa real com impacto no OE-2023 é menos de metade. Também analiso a redução no poder de compra dos pensionistas que resulta do corte do aumento das pensões em 2023 para metade devido ao não cumprimento da Lei 53-B/2006 pelo governo e o argumento falso que o governo utilizou para justificar essa redução para metade.

Estudo

As contas manipuladas do governo sobre o aumento das remunerações dos trabalhadores das Administrações Públicas em 2023 para enganar a opinião pública e o saldo de 4004,7 Milhões € previstos na Segurança Social em 2023 à custa do aumento da pobreza dos pensionistas

Na pág. 56 do Relatório do Orçamento do Estado para 2023, pode-se ler que o Orçamento para 2023 “garante uma atualização salarial média aos trabalhadores das Administrações Públicas (Central, Local e Regional) de 3,6% no próximo ano” . E que o Estado gastará “905 milhões e para a atualização base remuneratória e outras valorizações remuneratórias”, que não incluem as progressões e promoções obrigatórias que custarão, segundo o mesmo relatório, 338 milhões €, nem a atualização do subsídio de refeição que custará, segundo também o relatório, 77 milhões €. E na pág. 53 do relatório do governo, este escreveu que “para 2023, todos os trabalhadores terão, no mínimo, um aumento de 52,11€ por mês nos seus salários base, sendo também garantida uma valorização de pelo menos 2%”. Analisemos então a consistência e veracidade destes números do governo.

 

O AUMENTO SALARIAL MÉDIO DE 3,6% DETERMINARÁ UM AUMENTO DE DESPESA BRUTA, ANTES DOS DESCONTOS PARA O IRS E CGA/SEGURANÇA SOCIAL, NÃO DE 905 MILHÕES € MAS SIM DE 583 MILHÕES € SE SE UTILIZAR A REMUNRAÇÃO BASE MÉDIA E DE 680,3 MILHÕES € SE SE UTILIZAR O GANHO MÉDIO MENSAL DIVULGADOS PELA DGAEP

O número de trabalhadores atualmente nas Administrações Públicas é 742.000 como consta nas Estatísticas divulgadas pela DGAEP e também no Relatório do OE-2023 (pág. 55). Segundo a Direção Geral da Administração e Emprego Público (DGAEP), em abril de 2022, a remuneração base media dos trabalhadores das Administrações Públicas era 1.559€. Se multiplicarmos este valor por 742.000 trabalhadores e por 14 meses obtém-se 16 194 995 880 €. Um aumento médio de 3,6% sobre este total são 583 019 852 € e não 905.000.000 € como o governo afirma que custará. Mesmo se utilizarmos o Ganho médio mensal, que inclui tudo o que trabalhador recebe (subsídio de refeição, horas extraordinárias, etc.), que era, em 2022, 1819€ a diferença continua a ser enorme. Fazendo os mesmos cálculos agora com base neste valor para os 742.000 trabalhadores das Administração Públicas obtém-se um aumento de despesa de 680.300.148 € e não os 905.000.000€ que consta na pág. 56 do Relatório do Orçamento do Estado para 2023. As contas do governo não batem certas.

Se se calcular um aumento da despesa total que resulta de um aumento para todos os trabalhadores de 52,11€ por mês no salário base chega-se também a números muito diferentes dos apresentados pelo governo no Relatório do Orçamento do Estado para 2023. A remuneração base média mensal atual é 1559€ nas Administrações Públicas. Um aumento de 52,11€, representa uma subida de 3,3% e não 3,6% como diz o governo. Segundo o Conselho de Finanças Públicas a inflação aumentará 5,1% em 2023. E esta previsão é a feita ainda em 2022, porque a final e verdadeira será certamente muito maior. No entanto, tendo em conta este aumento de preços – +5,1% – os trabalhadores das Administrações Públicas já têm garantido, à partida, uma perda de poder de compra de -1,7%, a juntar à perda de poder de compra de -7,2% que tiveram em 2022, e a juntar à que tiveram entre 2010 e 2021.

Por outro lado, se multiplicarmos o número total atual de trabalhadores das Administrações Públicas – 742.000 – por 52,11€ e por 14 meses obtém-se 541.318.680€, que é um valor também muito inferior aos 905.000.000€ que o governo afirmou que determinaria de aumento de despesa.

Seria bom e necessário que governo explicasse estas diferenças enormes entre os números a que chegamos utilizando dados oficiais, e as que apresentou no seu Relatório bem como a forma como chegou a um acréscimo de despesa de “905.000.000€ para a atualização da base remuneratória e outras valorizações remuneratórias”. Quais?

 

MAS O AUMENTO DA DESPESA LÍQUIDA PARA O ORÇAMENTO DO ESTADO DE 2023 COM REMUNERAÇÕES BASE É DE 423,3 MILHÕES € E NÃO OS 905 MILHÕES € COMO DIZ O GOVERNO, PORQUE O GOVERNO “DÁ COM UMA MÃO E RETIRA PARTE DO QUE DÁ COM A OUTRA” (IRS e CGA/SS)

Se o governo pretendesse falar verdade, devia saber e dizer que o aumento real de despesa resultantes da subida das remunerações base para o Orçamento do Estado não pode ser calculado com base nas remunerações ilíquidas ou brutas, como faz no seu Relatório. Isto porque o Estado, logo à cabeça, desconta 11% para a CGA ou Segurança Social e também o IRS. Sai por uma porta e entra por outra. Isto já para não falar do desconto de 3,5% para a ADSE. Só depois de deduzirmos estes descontos (CGA/SS e o IRS), que o governo oculta, é que se pode falar do aumento da despesa efetiva para o O.E.

com a subida das remunerações líquidas dos trabalhadores, pois estas é que constituem o seu “rendimento disponível que levam para casa no fim de cada mês”, como todos eles sabem muito bem.

Tomando como base a remuneração base média mensal dos trabalhadores – 1.559€ segundo a ADSE – e depois aumentando-a em 3,6% , que segundo o próprio governo será o aumento médio em 2023 – ela passará para 1.615 € – e depois calculando os valores líquidos, ou seja, os que se obtêm depois de deduzir os descontos para a CGA ou Segurança Social e também o valor do IRS, e depois multiplicando os valores obtidos por 742.000 trabalhadores, que é o numero atual dos trabalhadores das Administrações Públicas, e por 14 meses, conclui-se que o aumento de encargos efetivo para o Orçamento do Estado de 2023 resultante da “atualização base remuneratória” é 423,3 milhões €, ou seja, menos de metade do valor de 950 milhões que o governo refere no Relatório do OE-2023.

Dividindo aquele valor – 423,3 milhões € – pelos 742.000 trabalhadores de todas Administrações Públicas obtém-se 40,7€ por mês. É este o valor líquido médio de aumento que os trabalhadores da Função Pública terão em 2023 e não os 52,11€ por mês ditos pelo governo. E isto para compensar uma inflação de cerca de 8% em 2022 e uma inflação superior a 5% em 2023 pois o aumento das remunerações base em 2022 foi apenas de 0,9%. É preciso que o governo fale verdade e deixe de procurar enganar e manipular a opinião pública. É o mínimo que se pede ao governo.

 

A SITUAÇÃO DOS PENSIONISTAS E A METADE DE AUMENTO QUE VÃO TER EM 2023 EM RELAÇÃO AO QUE TERIAM SE A LEI 53-B/2006, QUE REGULA A ATUALIZAÇÃO DAS PENSÕES, FOSSE CUMPRIDA

O gráfico 1, construído com dados do Relatório e Conta das Segurança Social de 2020 – Parte II, pág.282, (é o último disponível) dá uma informação clara dos valores das pensões pagas pela Segurança Social. E é importante conhecer para se saber quem está a sofrer mais com escalada de preços causada pelas sanções aplicadas pela U.E., com o acordo do governo português, à Rússia por esta ter invadido a Ucrânia, e das sanções aplicadas pela Rússia aos países europeus, como retaliação. Como consta da pág. 42 do Relatório do OE-2023, “desde o início de 2021, o preço do petróleo duplicou, o de fertilizantes triplicou e os do gás natural transacionado na Europa aumentaram oito vezes”.

As sanções contra Rússia são sanções também contra os países da U.E. e contra os europeus causando uma escalada de preços e tornando possível aos EUA vender à Europa o seu petróleo e gás caro, antes impossível porque os seus custos da produção são mais elevados e aumenta a dependência da U.E. Os europeus estão a pagar tudo isto e os ucranianos a ser massacrados e o seu país a ser destruído e ninguém faz nada para um acordo que ponha fim a esta guerra. A classe média e os pobres não aguentam mais. E os eurocratas em Bruxelas que tomam estas decisões não têm qualquer autoridade moral pois já decidiram que as remunerações na CE vão aumentar 8,5% a partir de jan.2023.

A continuar, a ascensão da extrema-direita será inevitável, como está já a acontecer, e aqueles que dizem querer defender a democracia estão de facto a criar condições para ascensão da extrema-direita. A juntar a isto a política de “contas certas”, da redução drástica da divida publica, em % do PIB, e do défice mais do que outros países da U.E deste governo está a contribui para aumentar ainda mais a pobreza. É preciso ter a coragem de dizer tudo isto.

Em 2020, 14,2% dos pensionistas recebiam pensões inferiores a 275,30€, e 53,3% tinham pensões entre 275,30€ e 438,81€. E em 2021 as pensões não tiveram aumentos e, em 2022, as pensões mais baixas até 2 IAS tiveram um aumento de apenas 1% e o complemento de meia pensão, dado uma única vez, não é considerado na pensão de 2022 para fazer em 2023 o aumento entre 3,53% (pensões mais altas) e  4,43% (pensões mais baixas inferiores a 957,4€ ). 81,8% do total de pensionistas (gráfico 1) recebiam pensões inferiores a 659€ em 2020. No Relatório do OE-2023 (pág. 53), o governo afirma que os aumentos (3,53%/4,43%) determinarão um aumento de despesa para a Segurança Social de 1155 milhões € beneficiando 2.700.000 de pensionistas, o que dá um valor médio mensal de 31€. Mas este valor, a que terá ainda de ser deduzido o IRS se o pensionista estiver sujeito a ele, será distribuído de uma forma desigual recebendo em euros mais quem recebe uma pensão mais elevada e recebendo menos euros quem tem uma pensão menor. E foi a estes pensionistas, em que mais de 80% dos da Segurança Social recebem inferiores a 675€, que o governo decidiu reduzir para cerca metade o aumento que teria de fazer se cumprisse a Lei 53-B/2006. E com o objetivo de confundir e enganar a opinião pública lê-se na pág. 53 do Relatório do OE-2023 que “tendo em conta este aumento e o complemento excecional pago aos pensionistas em out.2022 (meia pensão) garante-se que os pensionistas não perdem poder de compra , pois os com menores rendimentos terão um aumento igual a 8%, acima da inflação prevista”. E isto é uma pura mentira, porque a meia pensão paga em 2022 não entrará no rendimento dos pensionistas em 2023, e a inflação que se verificará, entre o fim de 2021 e o de 2023, será pelo menos de 13,3%.

Mas é mantendo na pobreza de quase dois milhões de pensionistas que o governo pretende aumentar o saldo positivo da Segurança Social, entre 2022 e 2023, de 2543,7 milhões e para 4004,7 milhões € (+57,4%) como consta do quadro 4.17 que está na pág. 151 do Relatório do Estado para 2023. Estes dados mostram a falsidade da teoria do governo sobre a insustentabilidade da Segurança Social que o governo utilizou como justificação para reduzir para metade o aumento das pensões em 2023.


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