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Segunda-feira, Fevereiro 24, 2025

Valladolid 2022 – um festival de boa memória… também para o cinema português

José M. Bastos
José M. Bastos
Crítico de cinema

Terminou no sábado passado na cidade espanhola de Valladolid a 67ª edição da SEMINCI – Semana Internacional de Cine, um certame  faz da promoção do ‘cinema de autor’ o  seu principal objectivo. A mostra deste ano teve saldou-se por um resultado muito positivo. Uma secção oficial com um conjunto de filmes de qualidade muito assinalável, uma atenção particular (e já habitual) ao cinema documental, à produção espanhola e aos jovens cineastas e inúmeras actividades paralelas como encontros de mulheres cineastas e críticas, masterclasses e homenagens a autores como Pasolini, Bardem, Godard, Mungiu ou Bigas Luna. Também um ciclo dedicado à filmografia irlandesa, projecção de filmes com música ao vivo, secções dedicadas ao público infantil e adolescente e filmes sobre as questões ambientais e a gastronomia. Um sem número de propostas susceptíveis de captar interesses muito diferenciados. E pode dizer-se que o esforço da organização do festival foi sobejamente premiado. Ultrapassados todos os condicionamentos com que decorreram as duas edições anteriores o público acorreu em massa à maioria das sessões. Registe-se ainda a presença de inúmeros realizadores, produtores, actores e outros intervenientes nos filmes.

Parece-nos ser interessante reproduzir este excerto da acta do Júri Oficial da SEMINCI:

“O júri está maravilhado e gratificado pela resposta entusiástica aos excelentes filmes escolhidos para a SEMINCI. Muito obrigado aos programadores do festival pelo seu trabalho na escolha de tantos filmes extraordinários. Mesmo às 8:30 da manhã de segunda-feira o teatro teve a sua lotação esgotada. O festival e os filmes não são nada sem o público. Obrigado por terem vindo. É muito importante apoiar um cinema de alta qualidade como o que Valladolid teve a sorte de experimentar esta semana”.

 

Espiga de Ouro para ‘Return to Dust’ do chinês Ruijun Li

 ‘Yin ru chen yan’ / Return to Dust, que já tinha competido na secção oficial do Festival de Berlim, conquistou a Espiga de Ouro, o prémio máximo da SEMINCI. Passado num ambiente rural e pobre a sexta longa-metragem de Ruijun Li, filmado com um tempo, uma  tranquilidade e uma beleza formal que nos fez lembrar algum do melhor cinema de Zhang Yimou e outros cineastas chineses, aborda a forma digna e corajosa como um casal formado por duas pessoas marginalizadas e unidas por um casamento concertado, enfrenta as dificuldades da vida num lugar inóspito.

 

‘The Quiet Girl’ do irlandês Colm Bairéad conquistou a Espiga de Prata

‘An Cailín Ciúin’ / The Quiet Girl,  um filme irlandês falado em gaélico, foi um dos grandes vencedores do festival. Para além da Espiga de Prata (galardão para o segundo melhor trabalho) conquistou o Prémio da Crítica / FIPRESCI e o Prémio do Público. The Quiet Girl tem como figura central uma jovem rapariga aparentemente pouco sociável, uma das várias filhas  de uma família pobre e desestruturada, que é recebida durante as férias de Verão, por um casal que perdeu o filho único alguns anos antes. O relacionamento da jovem com o casal de acolhimento e o encontro com um ambiente estável e carinhoso são os eixos  fundamentais desta obra que recolheu as preferências atrás referidas do público e da crítica.

 

Jerzy Skolimowski – Prémio para o Melhor Realizador

Depois de em 1968 ter recebido o Pémio Especial do Júri  da SEMINCI com ‘Bariera’, o veterano realizador polaco Jerzy Skolimowsi voltou a ser distinguido em Valladolid 54 anos depois!… Agora recebeu o Prémio para Melhor Realizador com ’EO’. O filme que já tinha sido distinguido com o Prémio do Júri no Festival de Cannes deste ano, dá ao espectador um retrato da Europa dos dias de hoje através do percurso de um burro que encontra boas e más pessoas e vive situações de alegria e de dor.

 

Prémio Pilar Miró (melhor primeira-obra) para ‘Alma Viva’ de Cristèle Alves Meira

Pilar Miró foi uma importante argumentista, realizadora de cinema e directora da RTVE – Televisão Espanhola. Morreu há 25 anos com menos de 60 anos de idade. Na SEMINCI o prémio destinado à Melhor primeira-obra tem o seu nome. Nesta 67ª edição o Prémio Pilar Miró foi para o filme português ‘Alma Viva’ da luso-francesa Cristèla Alves Meira. O representante português na candidatura aos ‘Óscares’, filmado numa aldeia do concelho de Vimioso, teve um excelente acolhimento por parte do público de Valladolid e também do Júri Oficial do festival que disse que ‘Alma Viva’ “tem o poder de tocar o público com humor e com amor pela humanidade mesmo quando esta está longe de ser perfeita”. Cristèle e a principal protagonista Lua Michel estiveram em Valladolid durante o festival mas já não estavam aquando da atribuição dos prémios.

 

Prémios de interpretação

O Prémio para o Melhor Actor  foi atribuído ex-aequo a Ivan Barnev e Karra Elejalde pelos seus papéis na co-produção hispano-búlgara ‘Vasil’, da espanhola Avelina Prat, que nos fala da relação de um imigrante búlgaro  em Espanha que encontra abrigo na casa de um arquitecto reformado.  Este interessante filme foi repescado da secção ‘Punto de Encuentro’ para substituir na secção oficial ‘La Manzana de Oro’ de Jaime Chávarri excluído por incumprimento do regulamento da SEMINCI.

Já o Prémio para a Melhor Actriz distinguiu Lubna Azabal, actriz belga  de ascendência marroquina, pelo seu excelente desempenho em ‘Le Bleu du Caftan’, interessante filme marroquino de Maryam Touzani que aborda a relação de um casal proprietário de um atelier de roupas tradicionais na medina de uma cidade de Marrocos, alterada com a chegada de um jovem aprendiz.

De referir ainda que o Prémio para o Melhor Guião foi para  Mikhaël Hers, Maud Ameline e Mariette Désert por ‘Les passagers de la nuit’ filme realizado por Mikhaël Hers,  o Prémio para a Melhor Fotografia para Rubens Impens pelo seu trabalho em ‘Le otto montagne’, de Felix Van Groeningen e Charlotte Vandermeersch, e o Prémio para a Melhor Montagem para Kim Sang-bum em ‘Decisão de Partir’ de Park Chan-wook.

 

Espiga de Prata para ‘Ice Merchants’ de João Gonzalez. Filme português brilhou nas curtas-metragens da secção oficial

 ‘Ice Merchants´, filme de animação de João Gonzalez, co-produção entre Portugal, Reino Unido e França,   vencedor da Semana da Crítica do Festival de Cannes, obteve agora em Valladolid a Espiga de Prata de curtas-metragens da secção oficial da SEMINCI. Nas palavras do júri “pelo seu sentido de humor, poesia e compromisso com o aquecimento global”. João Gonzalez é um realizador, animador, ilustrador e músico português licenciado pela Escola Superior de Media Artes e Design – Politécnico do Porto e, bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, fez um mestrado na Royal College Art (Reino Unido), Ice Merchants”, conta a historia de um pai e um filho que todos os dias saltam de paraquedas desde a sua casa no alto da montanha para ir à aldeia vender gelo.

O filme recebeu ainda uma menção especial do júri do Prémio Espiga Verde da secção ‘Cambio Climático’ “por  apostar numa animação estilizada e poética, sustentada num guião preciso, que transmite com eficácia e sem sublinhados uma necessária mensagem sobre o meio ambiente. Mostra de forma correcta o efeito da mudança climática sobre a fragilidade da vida na Terra, sem se esquecer de nos dizer que, apesar de tudo, há sempre esperança”.

A Espiga de Ouro de curtas metragens foi para o magnífico ‘Arquitectura emocional 1959’ do espanhol León Siminiani. O autor cruza no seu trabalho as suas duas grandes paixões, o cinema e a arquitectura, numa história de amor passada em Madrid no final dos anos 50.

 

Dois vencedores nas longas da secção ‘Punto de Encuentro’

A secção expressamente dedicada aos novos autores teve este ano duas longas metragens premiadas ex-aequo: Syk Pike’ / Sick of Myself, de Kristoffer Borgli (Noruega, Suécia), e War Pony’ de Gina Gammell e Riley Keough (EUA), este anteriormente galardoado com a Câmara de Ouro do Festival de Cannes e o Prémio do Júri do Festival de Deauville.

 

‘O Homem do Lixo’ de Laura Gonçalves, a melhor curta-metragem estrangeira da secção ‘Punto de Encuentro’

Outro prémio para o cinema português foi obtido através da curta-metragem de Laura Gonçalves, ‘O Homem do Lixo’, filme já anteriormente premiado no Festival de Zagreb. De acordo com o júri de “Punto de Encuentro”, “esta é uma história terna sobre a generosidade e a admiração por um herói anónimo. Recolhe, repara e recicla os desperdícios de outras pessoas e oferece-os à família e amigos, dando uma segunda vida ao que consideramos lixo na nossa sociedade descartável. Uma animação bela, cálida e íntima”.

 

Outros títulos do palmarés

Secção ‘Tiempo de História

  • Primeiro prémio: ‘All that breathes’, de Shaunak Sen  (Índia, EUA, Reino Unido)
  • Segundo prémio: Rojek’, de Zaynê Akyol (Canadá)
  • Melhor curta-metragem:  ‘La Mécanique des fluides’, de Gala Hernández López (França)

Secção ‘Doc. España’  – ’Hafreiat’, de Alex Sardà (Espanha, Jordânia)

Prémio Castilla y León em Corto – ‘Plein Air’, de Raúl Herrera

Prémio de La Noche del Corto Español – ‘El porvenir’, de Santiago Ráfales

Prémio FUNDOS– ‘All that breathes’, de Shaunak Sen  (Índia, EUA, Reino Unido)

Espiga VerdeDelikado de Karl Malakunas (Austrália, Hong Kong, EUA, Filipinas, Reino Unido) e menção especial, como já referido,  para Íce Merchants’ de João Gonzalez (Portugal, Reino Unido, França)

Espiga Arco-IrisWarsha’, de Dania Bdeir (França, Líbano)

Prémio ‘Blogos de Oro’‘Le Otto Montagne’ de Felix van Groeningen e Charlotte Vandermeerschn (Itália, Bélgica, França)

Prémio PIC (Periodistas Iberoamericanos de Cine)‘No Mires a Los Ojos’ de Félix Viscarret (Espanha)

Prémio SEMINCI/Jovem‘El universo de Óliver’, de Alexis Morante (Espanha)

Prémios do Público

  • Na secção oficial, ´’The Quiet Girl’ de Colm Bairéad (Irlanda)
  • Na secção ‘Puento de Encuentro’, ‘Joyland’, de Saim Sadiq (Paquistão) e ‘The Sparrow’ de Michael Kinirons (Irlanda)
  • Na secção ‘Tiempo de Historia’, ’Afghan Dreamers’ de David Greenwald (Afeganistão).

 

Prémios do Júri Jovem

  • Na secção oficial, Berdreymi’ / Beautiful Beings, de Guðmundur Arnar Guðmundsson (Islândia, Dinamarca, Suécia, Países Baixos, República Checa)
  • Na secção ‘Tiempo de Historia’, Palm Trees and Power Lines’, de Jamie Dack (EUA). Menção especial para Syk Pike’ / Sick of Myself, de Kristoffer Borgli (Noruega, Suécia).

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