Os nossos responsáveis políticos deveriam ser instados a rever os planos de urbanização existentes, não para os poluírem com jargão vácuo, mas antes, em aplicação do princípio de precaução hidrológica, promover coberturas do solo de regularização hídrica e conservação da água onde a urbanização impeça o solo de exercer essa função.
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A religião dos modelos
O Instituto Português do Mar e da Atmosfera emitiu em Agosto passado uma previsão meteorológica de seca para os meses de Outubro, Novembro e Dezembro intitulada de ‘Multi-Modelo C3S – Copernicus’. O dito cujo modelo é pago pelo dinheiro dos contribuintes através dos ‘Serviços de Mudança Climática’ da Comissão Europeia.
Estas previsões das autoridades políticas que gerem as chamadas ‘Mudanças Climáticas’ foram depois repetidas pela imprensa, por comentadores e por responsáveis políticos, sem sempre referirem a fonte em que se basearam.
Acontece que estes três últimos meses do ano não só não confirmaram a ‘maior seca do século’ propalada por alguns, mas encontrar-se-ão, seguramente, entre os de maior pluviosidade alguma vez registada.
Em ciência, os modelos só conduzem a previsões após passarem por testes, antes disso fazem parte do corpo das hipóteses. A fé nada tem a ver com ciência, e isto independentemente de saber se o objecto dessa fé é um modelo ou outra coisa qualquer.
Até hoje não vi por parte da Comissão Europeia ou por parte do IPMA qualquer explicação para este estrondoso falhanço do modelo que tomaram como previsões. Em particular, não nos disseram se a constatação da falha deste modelo é extensível a outros com que se têm construído realidades virtuais conhecidas como ‘mudanças climáticas’.
Errar é não só humano, mas é também um processo essencial à validação científica. O problema aqui é que para além de se confundir hipótese com previsão, não se assume o erro, o que é mais grave.
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Trabalhar com base na incerteza
O conhecimento científico permite-nos limitar a incerteza, mas a superstição travestida de ciência aumenta o risco da tomada de decisões erradas.
Sabemos que ao longo das últimas décadas a precipitação média se reduziu substancialmente no Sul da Europa, e em especial em Portugal, mas não sabemos se o mesmo se vai verificar no futuro e menos ainda qual será o padrão de distribuição dessa precipitação.
Nessa situação parece-me ser de puro bom-senso atentar às palavras da arquitecta Aurora Carapinha publicadas pelo Público a 8 de dezembro, que sugere a mudança da política hidrológica prevista para Lisboa.
A política hidrológica praticada até aqui tem-se caracterizado pela abundância de declarações sobre ‘mudanças climáticas’ que são paralelas à ausência de qualquer acção urbanística, nomeadamente mantendo na gaveta de planos de drenagem. Mesmo se porventura o nosso clima vier a evoluir na direcção de um clima desértico, não faz qualquer sentido deixar de considerar esses planos de drenagem, dado que nos climas desérticos existem frequentemente chuvas torrenciais que necessitam de drenagem de grandes volumes de água num curto espaço de tempo.
Nesse particular, basta a qualquer um de nós ler o jornal e ver como as vastas metrópoles construídas no deserto arábico têm sido vítimas de inundações extremamente devastadoras sempre que não preveem os necessários planos de drenagem.
O que a arquitecta Aurora Carapinha nos diz é também que não podemos apenas pensar na drenagem por grandes túneis de escoamento, dado que a probabilidade de enfrentarmos secas aconselha permitir tanto quanto possível a infiltração da água na terra e a construção de instrumentos de retenção para que as águas que caem em excesso possam ser usadas quando fazem falta. É um raciocínio elementar que é difícil entender como não é feito pelos responsáveis políticos.
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Por uma política hídrica responsável
Embora as palavras de Aurora Carapinha tenham tido um eco considerável nas redes sociais, a verdade é que não deixaram rasto visível nem na opinião pública nem nos centros de decisão política.
A única coisa a que se deu importância política no contesto das inundações foi ao facto de só dois dos ministros do Governo terem telefonado ao presidente do município lisboeta, e o Primeiro-ministro não o ter feito, demonstração cabal da frivolidade do debate político no nosso país.
Por um lado, os desafios hidrológicos não se coadunam com os mapas administrativos. Grande parte dos problemas da área metropolitana de Lisboa fizeram-se sentir em concelhos limítrofes. Por outro lado, os desafios com que os portugueses estão confrontados não passam por saber quantas vezes os seus políticos se telefonam uns aos outros, mas antes por saber que políticas escolher para enfrentar os problemas com que nos confrontamos.
O fenómeno de substituição de aproximações racionais por liturgias estéreis ultrapassa Lisboa. Bruxelas tem um clima onde a pluviosidade é tradicionalmente mais regular que em Lisboa, mas que observou este Verão uma seca de grandes proporções. Um pouco à imagem do que se passa entre nós, também por aqui se multiplicaram a esse propósito as recitações sobre ‘mudanças climáticas’, mas estas também aqui tendem a variar de forma inversamente proporcional às medidas de gestão inteligente da água.
Existem na cidade numerosas residências tradicionais equipadas com tanques de captação de água, costume que deveria ser desenvolvido, mas que é ignorado nas numerosas prédicas oficiais. Foram construídas nos últimos anos numerosas bacias de retenção de água para obstar às cheias na cidade (frequentes e devastadoras), mas em nenhum caso, que eu saiba, está previsto o aproveitamento da água das mesmas, nem constam propostas para isso na prolixa documentação sobre estratégia hídrica.
Os nossos responsáveis políticos deveriam ser instados a rever os planos de urbanização existentes, não para os poluírem com jargão vácuo, mas antes, em aplicação do princípio de precaução hidrológica, promover coberturas do solo de regularização hídrica e conservação da água onde a urbanização impeça o solo de exercer essa função.