A problemática das sanções económicas dificilmente deixará de ser uma das grandes questões do ano que agora termina. Talvez por isso, e em jeito de balanço, se justifique plenamente recordar uma das suas variantes mais antigas e duradouras: o embargo dos EUA a Cuba.
Desde Outubro de 1960, e em resposta à nacionalização sem quaisquer indemnizações da indústria petrolífera maioritariamente detida por capitais e interesses norte-americanos, que Washington decidiu aplicar um embargo às exportações para Cuba (com a excepção de alimentos e remédios), medida que alargou para incluir quase todas as exportações, em 1962, depois do fracasso da Invasão da Baía dos Porcos.
Erroneamente atribuída a John F. Kennedy, a origem do embargo imposto pelos EUA a Cuba remonta à administração Eisenhower, quando este sugeriu, em Janeiro de 1960, que a marinha norte-americana colocasse aquela ilha em “quarentena”, na expectativa que a “fome” levasse Fidel Castro a cair em desgraça junto da população. As críticas internas a esta medida, considerada por alguns como uma punição injusta a todo o povo cubano, foram rapidamente esquecidas e as medidas agravadas a partir de 1964 quando passaram a incluir bens alimentares e medicamentos, numa espiral de sacrifícios e prejuízos que, segundo o governo cubano afirmou no documento “Cuba vs. Bloqueio” que apresentou sobre o embargo à Assembleia Geral da ONU em 2020, já terá custado aos cubanos 144 mil milhões de dólares.
As sucessivas administrações norte-americanas têm prolongado, com maior ou menor rigor, uma medida que mantêm apesar das sucessivas votações esmagadoramente condenatórias que desde 1992 se repetem na ONU e onde o maior absurdo se registou em 2016 quando os próprios EUA se abstiveram. Mas nada mudou e na mais recente votação, realizada em Novembro último, só quatro estados não se manifestaram contra: os EUA e Israel, que votaram a favor do embargo e as abstenções da Ucrânia (por razões fáceis de adivinhar) e do Brasil, regressado à posição de abstenção depois de em 2019 e sob a presidência de Jair Bolsonaro se ter tornado no primeiro país latino-americano a votar a favor dos EUA e contra a condenação do embargo.
Nas recentes palavras do ministro dos negócios estrangeiros cubano, Bruno Rodriguez, perante a Assembleia Geral da ONU, o bloqueio imposto a Cuba é «um acto deliberado de guerra económica com o objetivo de impedir receitas financeiras para o país, destruir a capacidade do governo de responder às necessidades da população, fazer colapsar a economia e criar uma situação de ingovernabilidade».
Em termos práticos e contrariamente à desejada onda de protestos e contestação ao regime cubano, o bloqueio tem servido para este se justificar e explicar, entre apelos à resistência e à luta, a situação degradante em que vivem as populações insulares. Mas, atenção, este é um cinismo do mesmo tipo do que alimenta o cenário político norte-americano entre democratas e republicanos ou a comunidade cubana exilada em Miami. É que se os primeiros oscilam entre um apoio suave ou declarado ao bloqueio (conforme a conjuntura política ou os interesses do momento, como sucedeu durante a última campanha para as eleições presidenciais, quando apesar das promessas de suspender algumas sanções de Trump, Biden deixou a situação de Cuba congelada), os segundos defendem-no, intransigentemente, em nome da liberdade e da democracia enquanto beneficiam chorudamente do negócio organizado em torno das “exportações ilegais” para a ilha.
Embora as votações da Assembleia Geral da ONU não sejam juridicamente vinculativas, os EUA têm recentemente insistido, noutros contextos e a propósito de outras questões (veja-se a questão do conflito ucraniano), que aquelas votações reflectem a opinião mundial e carregam um peso moral e democrático que não pode ser ignorado. Se isso fosse verdade, então os EUA tinham a responsabilidade moral e democrática de seguir a ordem internacional que afirmam defender e acabar com o inútil embargo a Cuba.