Depois das eleições internas nos dois primeiros dias do mês, Câmara e Congresso queimaram fevereiro sem trabalhar. No recesso prolongado, ninguém deixou de receber. A pausa faz parte da estratégia dos partidos, especialmente os do Centrão, para arrancar cargos e concessões do Governo Lula, que ainda não tem uma base parlamentar sólida e clara.
Funcionamento normal só haverá em março, quando terão sido divididas entre os partidos as presidências das comissões técnicas permanentes, que hoje são 25 na Câmara e 14 no Senado. Mas essa não é a única razão para a pasmaceira do Congresso. Na Câmara, o presidente Arthur Lira e seus aliados do Centrão tentam construir uma federação partidária reunindo PP, PL e União Brasil.
Este bloco, que já vem sendo chamado de “Novo Centrão”, se efetivado poderá reunir cerca de 130 deputados (praticamente o mesmo tamanha da esquerda reunida), o que dará aos partidos integrantes mais força para arrancar de Lula os cargos que mais cobiçam. O Avante de André Janones também discute o ingresso na federação. Não é muito fácil, pois há divergências e disputas entre eles, mas a gula pode ser maior.
Eles querem, por exemplo, manter o comando da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) ou das superintendências do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e da Amazônia (Sudam).
Estes são cargos muito cobiçados por políticos fisiológicos porque, através de obras e benefícios às suas bases eleitorais, conseguem ampliar a influência regional, reelegendo-se e elegendo prefeitos que lhes dão sustentação. É o que Bolsonaro chamava de “velha política” em 2018, e à qual se entregou completamente. O Governo Lula até aqui resistiu mas já começa a ceder, admitindo uma co-habitação na Codevasf, onde o presidente seria mantido e as diretorias renovadas.
Lula disse ontem (14/2) que há “bolsonaristas às pencas” ainda escondidos no governo e que precisama ser tirados. Mas ele sabe que isso não será completamente possível. O governo precisará de muitos votos para aprovar matérias como a reforma tributária e a nova âncora fiscal. Os bolsonaristas escondidos são, em sua maioria, indicados pelos partidos conservadores.
O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues, rebateu as cobranças do União Brasil por mais cargos dizendo que o partido já tem espaço demais no governo e que terá de entregar pelo menos 80% de seus votos. Hoje o União Brasil tem os ministérios do Turismo (Daniela Carneiro) e das Comunicações (Juscelino Filho). E ainda indicou o ministro da Integração Nacional, Valdez Goes, embora ele seja do PDT.
Todo governo precisa também de aliados nas presidências das comissões técnicas mais importantes. Por isso o PT tratou logo de garantir a presidência da Comissão de Constituição e Justiça da Camara, a CCJ, por onde começa a tramitação de qualquer matéria. Mas há outras também relevantes, como a de Fiscalização de Controle – CFC.
Lira, que se reelegeu com o apoio de todos os partidos com assento na Câmara, fez ontem uma reunião com os lideres para começar a discutir a divisão. Ficou acertado que PT e PL, os dois maiores partidos, farão cada um as quatro “pedidas” iniciais. Eles ficarão com as mais importantes. O PL quer ficar com a CFC, comissão que investiga atos do governo e costuma convocar ministros para dar explicações. O PT não abre mão dela.
No Senado também paira a névoa. A CCJ ficará com o atual presidente, senador Davi Alcolumbre, importante cabo eleitoral do presidente reeleito da Casa, Rodrigo Pacheco.
Vanderlan Cardoso (PSD-GO) ficará com a poderosa Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e Flávio Arns (PSB-PR) com a de Educação, Cultura e Esporte (CE). As senadoras estão na briga pelo comando de algumas, já que foram excluídas da Mesa.
Há também uma disputa pelos cargos de presidente e relator da Comissão Mista de Orçamento, a CMO, de vital importância para um governo que precisará de fazer constantes remanejamentos de verbas para atender às suas prioridades. A partir de junho a CMO analisa a proposta de LDO e até o final do ano a proposta de orçamento para 2024, que terá de ser apresentada até 31 de agosto. O PL quer a relatoria, e o União Brasil também. Lira terá que arbitrar a disputa entre aliados que deseja juntar numa federação.
Resumindo: Ao longo de fevereiro o Congresso gazeteou em busca dos melhores esquemas para arrancar de Lula alguns nacos a mais de poder. Lula, PT e aliados resistem como podem mas sabem que terão de fazer concessões para garantir o apoio do Congresso que, ao ser perdido por Dilma, deu no golpe parlamentar de 2016.
Para que o jogo Governo-Congresso comece em março com alguma segurança, tanto a questão dos cargos como a divisão de comissões terão de estar bem equacionadas.
Texto original em português do Brasil