Foi-se o carnaval em que os brasileiros se esbaldaram festejando o fim da pandemia e a volta à normalidade democrática. Segue no litoral paulista o mutirão de trabalho para enfrentar as consequências da fúria da natureza contra os abusos da humanidade. Em Brasília, começará agora o jogo político para valer.
O presidente Lula tem pela frente um duplo desafio: por um lado, garantir a governabilidade, formando uma base de apoio ampla e sólida no Congresso, o que significa fazer concessões à direita e à sua face operacional, o Centrão. Por outro lado, terá que conservar e ampliar o apoio popular, fazendo um governo progressista, vale dizer, pela esquerda, que promova crescimento e mude a face injusta do país. O presidente precisa da direita mas não pode ceder a ela ao ponto de comprometer seu projeto de governo.
Lula foi eleito com a vantagem de uma unha sobre Bolsonaro (50,9% dos votos válidos). Venceu porque conseguiu formar uma frente ampla, atraindo setores que no passado apoiaram a cruzada anti-petista ou até mesmo apoiaram Bolsonaro. Mas das urnas do primeiro turno saiu um Congresso de larga maioria conservadora, embora não essencialmente bolsonarista. Trata-se de uma direita e uma centro-direita essencialmente fisiológica, que se alimenta de nacos de poder para manter seus redutos eleitorais.
Nestes dois meses, além de abortar uma tentativa de golpe, ele deu curso a um inegável ativismo governamental com medidas que vão do resgate do povo Ianomami à parceria com o governador bolsonarista de São Paulo no enfrentmento da tragédia do litoral paulista, passando pelo novo Minha Casa, Minha Vida, novo aumento para o salário-mínimo em maio, isenção de IR para quem ganha até R$ 2.640,00, entre outras. Mas falta o mais pesado, que dependerá do Congresso, como a reforma tributária por emenda constitucional.
O conservadorismo parlamentar não brinca em serviço. O PP de Arthur Lira tenta formar uma federação com União Brasil e Avante para ter mais força nas disputas com o PT e a esquerda por vantagens e espaços no governo.
No jogo que agora começa a disputa vai aflorar em algumas frentes. No Executivo, com a distribuição dos cargos de segundo escalão em muitos órgãos federais e empresas estatais. Na semana passada o governo cedeu ao Centrão, aceitando manter seus indicados à frente da Codevasf e do DNOCs. E quase entrega a Sudene, que o PT de Pernambuco pleiteia. Nos escalões inferiores destes órgãos o PT e os aliados de esquerda também querem seu quinhão. Na estatais há um grande número de diretorias ainda não preenchidas. A arbitragem será de Lula, que precisará usar sua experiência, seu tirocínio político e habilidade para fixar o limite das concessões.
No Congresso vem aí a partilha das presidências das Comissões Permanentes, base do funcionamento parlamentar. No acordo para a reeleição de Arthur Lira à presidência da Câmara o PT garantiu a ocupação da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) este ano. Lira agora reunirá aos líderes para a divisão das outras. Já estabeleceu que o PL bolsonarista, maior partido da Casa, e a federação PT-PV-PC do B, segundo maior bancada, farão as quatro primeiras escolhas. O PL quer tomar do PT a Comissão de Fiscalização e Controle, para com ela fustigar o governo, convocar ministros etc. E há outras, não menos importantes.
Está em curso uma disputa pela presidência e relatoria da poderosa CMO, Comissão Mista de Orçamento. PL e União Brasil disputam a relatoria, que este ano ficará com a Câmara. Quem perder ficará com a presidência da Comissão de Finanças e Tributação, essencial na reforma tributária. Na presidência, que cabe ao Senado, o PT terá que emplacar, se não um nome seu, pelo menos o de um aliado de confiança.
Até aqui, o PT foi concessivo demais nas disputas internas na Câmara. Para agradar ao Republicanos, que gostaria de ver na base, concordou com a entrega da primeira vice-presidência da Câmara ao presidente do partido, Marcos Pereira, e ajudou a aprovar a indicação do deputado por Roraima Jonathan de Jesus para uma vaga de ministro do TCU, este cargo vitalício tão cobiçado na República.
E, no entanto, Republicanos segue fora da base. Não há nome do partido na lista dos 15 vice-líderes do governo divulgada por Lula na véspera do carnaval. Talvez a boa relação com o governador Tarcísio de Freitas, por conta da tragédia litorânea, resulte em uma aproximação com o Republicanos. Estão aí os bolsonaristas criticando o governador que, vale dizer, não sofre da indiferença demonstrada por Bolsonaro nas adversidades.
Agora terá que jogar mais duro. Mas observado o invisível limite: até onde ceder à direita para garantir a governabilidade sem comprometer a natureza do governo?
Apoio popular
Lula precisa de apoio parlamentar mas também de ampliar sua base de apoio na sociedade, a popularidade. A recente pesquisa Quaest deu-lhe 40% de ótimo e bom e 24% de regular. Isso significa 64% de aprovação. É mais do que os 50,9% de votos válidos obtidos no segundo turno mas algo longe ainda dos índices que ele teve no passado.
Mais popularidade é decorrência do desempenho do governo. Logo, dependerá da economia. Por isso a questão dos juros é essencial para Lula.
Veremos agora se ele vai afrouxar o cabo de guerra com o BC ou continuará na refrega. Nos dias 21 e 22 de março haverá nova reunião do Copom. Tendo o ministro Fernando Haddad enviado ao Congresso, até lá, as propostas de reforma tributária e âncora fiscal, pode ser que o BC use o pretexto para dar início a uma redução da taxa Selic. É nisso que apostam os auxiliares de Lula que o aconselham a baixar o tom, deixando a refrega para os parlamentares aliados. Veremos.
Texto original em português do Brasil