O que prometia ser uma decisão das mais amargas para o governo Lula – o que fazer com a desoneração total dos combustíveis adotada por Bolsonaro para ganhar votos – acabou resolvida da forma mais palatável possível. A fórmula adotada não será uma pancada forte para os consumidores e dará mais consistência ao discurso do governo nos planos político, fiscal, social e ambiental.
A volta parcial da cobrança dos impostos zerados por Bolsonaro não será indolor mas passará longe do impacto que teria a volta da cobrança plena. Na gasolina, haveria um aumento de R$ 0,69 por litro mas com a reoneração de apenas R$ 0,47, combinada com a redução dos preços nas refinarias anunciada (com atraso) pela Petrobrás, devemos ter um aumento de apenas R$ 0,25 por litro.
A reoneração do etanol, em apenas R$ 0,02, terá impacto mínimo na bomba. O diesel, o gás veicular, o gás de cozinha e o querosene de aviação continuarão isentos até o final do ano. No caso do diesel, cujo preço na refinaria caiu de RR$ 4,10 para R$ 4,02, o que o consumidor sentirá será a queda no preço final.
O anúncio da redução nas refinarias veio com atraso de pelo menos 15 dias. A Petrobrás estava com os preços 8% acima dos preços internacionais, referência da atual política de PPI. A redução anunciada não queimou toda a gordura e por isso Lula quer tirar uma contribuição adicional da empresa. Talvez a contenção dos aumentos até que toda a gordura seja queimada. Referia-se a isso o ministro Haddad quando, ao anunciar a decisão ontem, frisou a importância de garantir maior transparência nos preços praticados pela petroleira nacional. Ninguém sabia que estávamos pagando mais que os estrangeiros por um litro de gasolina.
Os preços praticados pela empresa vêm garantindo os lucros extraordinários que drenaram bilhões em dividendos para os acionistas privados nos últimos anos. Por isso Lula fala também em mudança na regra de distribuição dos lucros, pois alguma coisa tem que ficar no caixa para ser reinvestido ou para beneficiar a sociedade como um todo.
Discursos fortalecidos
A fórmula mediada por Lula, ao poupar os consumidores, mirou o risco de desgaste e perda de aprovação. Mitigou também a pressão do PT e aliados de esquerda pela manutenção da desoneração. Mas há um ganho importante, e intangível, que é o fortalecimento do discurso do governo, melhorando a percepção de que não está se guiando por soluções fáceis e populistas.
Haddad, em sua entrevista, bateu forte em Bolsonaro, dizendo indignado que este foi mais um problema deixado por ele, em sua busca irresponsável e desesperada por votos na campanha eleitoral. Que gasta 70% de seu tempo corrigindo sandices do governo anterior. Isso é ganho político.
Mas Haddad precisava mesmo era de fortalecer sua retórica de responsabilidade fiscal e conseguiu isso ao garantir a arrecadação de quase R$ 29 bilhões com a volta, ainda que parcial, da cobrança dos impostos. Para tanto, travou e ganhou a queda de braço com a ala política do governo. “Não vamos resolver problema nenhum pelo caminho da demagogia”, disse e repetiu ontem
Se tivesse prevalecido a posição do PT e dos aliados de esquerda, que defendiam a manutenção da desoneração de Bolsonaro até à adoção de uma nova política de preços pela Petrobrás, o arranhão em sua credibilidade fiscal teria sido fundo. Diz-se (mas eu mesma não tive confirmação disso) que Haddad chegou a ameaçar deixar o cargo se isso acontecesse. Mas alguma inflação ele colherá, embora tenha dito que no médio e longo prazos a fórmula contribuirá para contê-la, e por decorrência, para a redução dos juros.
Por fim, saiu fortalecido também o discurso social e o ambiental. O social porque diesel, gás de cozinha e gás veicular continuarão isentos de impostos ( e também o querosene de aviação, contendo os preços das passagens aéreas para a classe média). O ambiental porque a taxação da gasolina, poluente, foi maior que a do etanol, bioderivado.
Enfim, Lula e Haddad não fizeram exatamente do limão uma limonada mas uma bebida agridoce bem mais palatável.
Texto original em português do Brasil