Há pouco mais de uma semana, na sexta-feira dia 10 de Março, o FDIC (acrónimo de Federal Deposit Insurance Corporation ou Agência Federal de Garantia de Depósitos, é a agência federal norte-americana que tem como principal função a garantia dos depósitos bancários) decretou o encerramento do Silicon Valley Bank, conhecida entidade financiadora de start-ups sedeada naquela região, abrindo a que já é considerada como a maior crise financeira desde 2008.
Na origem daquela que já é apresentada como a maior falência bancária nos EUA desde a crise de 2008, esteve uma crise de liquidez rapidamente convertida numa corrida aos depósitos – com os clientes a tentarem reaver cerca de um quarto do total dos depósitos do banco, num valor superior a 40 mil milhões de dólares, num só dia – que inviabilizou os planos de recuperação que começaram por uma acção concertada para alienar activos mobiliários no valor de cerca de 2,25 mil milhões de dólares, mas o plano foi mal recebido pelo público e o boato que se preparava a venda do banco, aumentou a incerteza e levou as ações da empresa a caírem 87% em dois dias, motivando a intervenção do FDIC.
O Silicon Valley Bank foi fundado em 1983 e funcionava como principal financiador para as startups, contando na sua carteira quase 50% das empresas tecnológicas cotadas na bolsa norte-americana, além de outras originárias de países como Alemanha, Canadá, China, Dinamarca, Índia, Israel, Reino Unido e Suécia. No final do ano passado tinha aproximadamente 209 mil milhões de dólares em ativos totais e cerca de 176 mil milhões em depósitos, mas tal foi a sangria que se desconhece o seu valor na data da intervenção do FDIC.
O anúncio do encerramento do Silicon Valley Bank surpreendeu os investidores e aumentou os receios sobre a solidez do conjunto do sector bancário, com os especialistas a apontarem a rápida subida das taxas de juro de referência pela Fed (o que não impediu o recente anúncio de mais uma subida pelo BCE, que elevou a taxa directora do euro em 50 pontos base, deixando-a nos 3,5%) e a consequente descida do valor das obrigações das carteiras de investimento como principais razões para o sucedido, esquecendo talvez de mencionar o excesso de risco do sector das tecnológicas (a maioria das startups nunca reembolsarão o investimento inicial e até o mais simples e prosaico facto da mera subida das taxas de juro ter agravado significativamente o risco de investimento naquele sector de actividade), alguma imprudência na gestão das aplicações (como sugere a referência do presidente norte-americano, Joe Biden, à possível responsabilização dos responsáveis pela confusão), para não falar no aumento do risco do sector das tecnológicas devido à quebra das cadeias de distribuição, originado pela Covid-19, e na redução da disponibilidade de chips em consequência da guerra económica lançada pelos EUA contra a China.
Apesar do Silicon Valley Bank não se contar entre os bancos sistémicos (aqueles cujo peso e influência no sistemas financeiro determinam o valor e a segurança de todos os outros), os quatro maiores bancos norte-americanos perderam de imediato 52 mil milhões de dólares em capitalização bolsista, com o record de quebra a ir para o californiano First Republik Bank (congénere do SVB que chegou a cair 65%) e os bancos asiáticos e europeus acompanharam-nos na desvalorização, com os franceses Société Générale, BNP Paribas e o Crédit Agricole a perderem, respectivamente 4,49%, 3,82% e 2,48%, enquanto o alemão Deutsche Bank recuava 7,35%, o britânico Barclays 4,09% e o suíço UBS 4,53%. E isto foram os reflexos nas horas imediatas, pois meras 48 horas volvidas sobre as notícias do encerramento do SVB chegavam de Nova York novas do colapso do Signature Bank, cujo encerramento foi decidido em nome da protecção de potenciais riscos de contágio, revelando que a crise levanta dúvidas sobre a viabilidade de outras instituições, especialmente vulneráveis a possíveis problemas de solvência em caso de levantamentos rápidos de numerário, o que já levou a Reserva Federal a anunciar a disponibilização de fundos adicionais às instituições financeiras norte-americanas de forma a assegurar a resposta dos bancos às necessidades dos seus depositantes, e que esta não teria origem no modelo de negócio das empresas tecnológicas, pois o mercado do Signature Bank era a prestação de serviços financeiros a empresas de consultoria (advocacia e criptomoedas), em nada semelhante ao do SVB, mas bem mais próximo do Silvergate Bank (o principal credor de plataformas e outras actividades ligadas às criptomoedas) que já havia anunciado o encerramento no dia 10.
Tal como em 2008, logo se fizeram sentir os primeiros sinais de pânico, agravados quando a meio da semana surgiu a notícia que o Credit Suisse tinha pedido ajuda ao Banco Nacional da Suíça depois de uma queda de 30% em bolsa e depois do seu principal accionista, o Saudi National Bank, ter recusado novos investimentos e ampliados agora com a notícia do resgate do First National Bank, assegurado por um sindicato bancário que integra o JPMorgan, o Citigroup, o Bank of America, o Wells Fargo, o Morgan Stanley e o PNC Financial Services Group que, numa acção coordenada pela administração norte-americana, se dispõe a injectar 30 mil milhões em depósitos para tentar estabilizar o banco. Mas como sempre acontece (especialmente no sector financeiro), nem tudo são más notícias pois meras 48 horas volvidas sobre as notícias do encerramento do SVB, chegava de Londres a informação que o HSBC comprara a subsidiária britânica daquele banco pela módica quantia de uma libra, numa operação apresentada como solução para evitar a insolvência e reveladora de um excelente sentido estratégico (para os accionistas do HSBC, acrescento eu).
Então que dizer no momento em que o Silicon Valley Bank e o Credit Suisse testam a saúde do capitalismo, senão que, mesmo que o BCE diga que não vè risco de contágio e que a banca europeia está a salvo, devemos duvidar do muito que se diz e escreve sobre a situação de um sector financeiro que a evidência mostra que ainda não ultrapassou os problemas da crise global de 2008 – expressos na ausência de uma adequada regulamentação e fiscalização (incluindo o short selling e outras operações de reporte de títulos) e de uma clara separação entre a actividade comercial e a especulativa –, que persiste em negar que é ele próprio e a forma autofágica como se gere que são a fonte do problema – fraca capacidade de gestão do próprio risco, proliferação de produtos derivados altamente especulativos (Credit Default Swaps e outros produtos ditos de cobertura de risco que não passam de meros mecanismos especulativos) e persistência de grandes operações fora do balanço – e, recomendar que continuemos a acompanhar a evolução da situação…