Há uma fartura de balanços dos 100 dias do governo Lula na praça. Alguns podem ser eufóricos, alguns são generosos porém realistas, e há também os muito severos e mesmo injustos. Para mim, nada foi mais importante que a salvação da democracia, com a derrota do golpe de 8 de janeiro. Porque, como já disse o ministro Flávio Dino, o golpe faticamente aconteceu. Os poderes foram tomados. Não aconteceu juridicamente, porque o governo agiu na hora certa e do modo certo para impedir a sua consumação.
É claro que a tentativa de golpe impactou o resultado dos 100 dias, no mínimo porque atrasou o início do governo. Mas, noves fora isso, destaco dois outros aspectos não mensuráveis, que devem ser levados em conta. São duas as diferenças que o governo Lula faz na paisagem político-social brasileira: primeiro, o ativismo governamental, que havia desaparecido. Depois, o fato de estar no cargo um presidente empático, que diferentemente do outro, sabe se colocar no lugar do outro, ou dos muitos que enfrentam adversidades. O nome disso é compaixão.
E Lula demonstra todos os dias seu sentimento de compaixão para com os brasileiros em dificuldades, e que nem sempre são os muito pobres. Indo ao litoral norte paulista ou ao Maranhão alagados, fazendo um minuto de silêncio pelas crianças monstruosamente assassinadas em Blumenau, corrigindo o valor da merenda escola ou das bolsas de pós-graduação, Lula se coloca no lugar dos outros. Isso faz diferença.
Hoje, quando acontece alguma coisa ruim, os brasileiros já podem se perguntar: o que fará o presidente? Às vezes ele não pode fazer nada além de um minuto de silêncio, mas sabemos que Lula não ficará indiferente. Usará a caneta, o cofre ou sua própria energia física, admirável em sua idade, para ir onde for preciso.
O ativismo governamental é essa capacidade de responder imediatamente a todos os problemas, e no Brasil acumulam-se hoje os problemas do passado, os do presente e os do futuro. Governo ativo é aquele que está o tempo todo agindo, planejando e executando. Ainda que nem todos concordem com as medidas, ninguém pode negar que o atual governo age o tempo todo. É confortante, para a população, saber que seu presidente está sempre de olhos abertos e ouvidos atentos. Isso deve ser reconhecido em Lula. O tempo nem sempre é o correto. O governo demorou para ouvir as críticas à reforma do ensino médio, mas acabou ouvindo e agindo.
O ativismo do governo Lula dá-se no social com muita ênfase, mas dá-se também na frente econômica, ambiental e internacional. E em todas estas elas, o Estado estava em déficit para com a sociedade.
Destacados estes dois pontos, Lula tem saldo altamente positivo na reconstrução do ambiente institucional, ainda que a polarização continue existindo e haja ruídos no Congresso. Mas não temos mais poderes brigando, e muito menos o Executivo querendo sobrepor-se aos outros dois. Há também diálogo federativo, não importando as correntes ideológicos e partidos dos gestores.
É altamente positivo o saldo da reconstrução de políticas públicas, como todo mundo aponta: estão de volta programas que não deviam ter sido desmontados, como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos e outros. Este primeiro passo precisava ser dado antes das inovações.
Na questão ambiental, não há números positivos no que toca, por exemplo, à redução do desmatamento, mas não é justo cobrar isso agora, quando se sabe que os instrumentos de fiscalização e repressão foram desmantelados. A ministra Marina Silva é ativíssima no seu dever, está reconstruindo os instrumentos da pasta e já conseguiu restabelecer o Fundo Amazônia. E muito trabalhou para que os EUA venham a ser colaboradores.
A economia não melhorou nada, disseram muitos. Mas não é honesto pressupor que poderia ter melhorado em 100 dias, sem o enfrentamento de problemas cruciais, como o fiscal, o tributário, o do inflação e o dos juros, esta pedra sapato de Lula. Tirar um paciente da UTI exige mais que um respirador.
Cem dias são um tempo muito curto para avaliações definitivas. É preciso muito esforço para não reconhecer tudo o que mudou para melhor, embora nem tudo tenha melhorado. É preciso sempre olhar para trás e perguntar como estaríamos com Bolsonaro. É certo que o Brasil voltou, e agora precisa ir para a frente.
Texto original em português do Brasil