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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

O negócio iraniano do refém belga

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Desde os seus primeiros dias que o regime saído da revolução islâmica iraniana usa a captura de reféns para libertar os seus operacionais terroristas. A principal consequência da repetida cedência dos países ocidentais nestas negociações, tem sido a consagração do sistema, com as redes terroristas iranianas a aumentar consideravelmente a sua actividade à sombra da sua pressentida impunidade, e a prática da captura de reféns a multiplicar-se.

1. O atentado falhado de Paris

Em 2018, as autoridades policiais belgas, alemãs, francesas e luxemburguesas lançaram a que foi até hoje a operação antiterrorista de maior sucesso da história europeia. O regime iraniano tinha resolvido desencadear um ataque bombista contra a maior reunião anual da oposição iraniana, que em 2018 se realizou em Paris, no dia 30 de junho de 2018, contando com a presença de dezenas de milhares de pessoas, entre as quais centenas de políticos convidados americanos e europeus.

Como responsável pela operação terrorista, foi nomeado o responsável pelos serviços secretos iranianos na Europa e diplomata iraniano acreditado na Embaixada austríaca, Assadollah Assadi, que estava já sob observação por autoridades policiais europeias. Foi assim possível seguir todos os passos dados para a concretização do atentado, começando pelo transporte da bomba, por mala diplomática, pela Austrian Airlines, de Teerão para Viena de Áustria, até ao encontro no Luxemburgo com a equipa responsável pelo transporte da bomba, constituída por dois iranianos que tinham já obtido a nacionalidade belga, e que se tinham infiltrado na oposição iraniana belga.

A polícia abortou o atentado interceptando a viatura com a bomba em Bruxelas, a viatura com o diplomata/terrorista iraniano na Alemanha, e prendendo outro iraniano infiltrado na segurança do evento que esperava a bomba para a colocar tão perto quanto possível do palco onde estava a presidente da Resistência Iraniana, Maryam Rajavi. A polícia fez explodir a bomba perto da circular de Bruxelas, num bairro residencial da capital, Stockel.

Dado que o atentado estava planeado para Paris, e os seus autores foram presos em França, na Alemanha e na Bélgica, o processo de determinação do local e das modalidades do julgamento foi relativamente complexo, mas as autoridades dos países envolvidos acabaram por acordar num julgamento único no local de residência dos dois irano-belgas, em Antuérpia (Bélgica).

Dado que todos os preparativos para o atentado tinham sido filmados e cuidadosamente registados pelas autoridades policiais, o julgamento foi relativamente rápido, tendo o Tribunal de Antuérpia condenado o principal responsável belga pelo atentado à pena máxima prevista por lei para homicídio tentado, e os seus cúmplices a penas igualmente importantes, em fevereiro de 2021.

As autoridades iranianas argumentaram publicamente com a violação da imunidade diplomática do seu operacional, argumento juridicamente sem sentido, dado que ela não se aplica a casos de flagrante delito e que, em qualquer caso, ela só poderia ter funcionado na Áustria, não no resto do território europeu. Em privado, mesmo na reunião realizada a pedido do homicida com o responsável pela investigação, a mensagem foi a da ameaça de mais atentados terroristas caso o diplomata/terrorista não fosse libertado.

2. As rocambolescas negociações irano-belgas

Enquanto as autoridades policiais e judiciais dos países envolvidos, e muito em particular da Bélgica, agiram de forma exemplar, as autoridades políticas belgas – e neste momento não sabemos se apenas por sua iniciativa, ou se com cobertura das autoridades dos outros países envolvidos, ou mesmo das europeias ou americanas – apostaram na sabotagem do trabalho das suas instituições judiciais e de segurança.

O primeiro sinal de que as autoridades belgas não tinham a mínima intenção de respeitar a decisão judicial veio a público no Verão do ano passado, apenas porque um dos deputados belgas reparou que no meio de um pacote de anódinos textos consulares e protocolares dizendo respeito a vários países a ser ratificado ‘com urgência’ pelo parlamento, se encontrava um ‘Tratado Internacional para extradição de prisioneiros’ entre a Bélgica e o Irão assinado em segredo pelos dois países em Março de 2022.

Apesar da intensa oposição tanto política como da sociedade civil (foi constituído um colectivo de vítimas potenciais do atentado compreendendo vários dos dirigentes políticos europeus e americanos aí presentes), o Tratado foi primeiro congelado e, depois de o governo garantir que o Tratado não era apenas uma forma camuflada de libertação do terrorista/diplomata Assadi, aprovado pelo Tribunal Constitucional de forma condicional, dando às vítimas do atentado o direito de se opor judicialmente à transferência de condenados.

No meio do processo, as autoridades belgas, com o extenso apoio da comunicação social, surgiu como argumento último para a ratificação: a libertação pelo Irão de um refém belga, Olivier Vandecasteele.

Acontece que a resistência iraniana conseguiu penetrar na página electrónica do Ministério dos Negócios Iranianos e daí retirar dezenas de milhares de páginas de documentação, entre as quais, as relativas à negociação entre as autoridades dos dois países para libertar Assadollah Assadi.

Para além de se confirmar aquilo que se sabia ou se suspeitava – como a intensa actividade da diplomacia iraniana junto da imprensa belga para obter a libertação do seu funcionário e atacar a oposição – ficou também a conhecer-se o calendário e o conteúdo preciso das negociações entre os dois países para essa libertação.

Ficou a saber-se assim que as conversações começaram antes sequer de o terrorista ser condenado – confirmando assim que isso era um dado adquirido por ambas as partes – e que, em outubro de 2020, meses antes da primeira sentença, e ano e meio antes do rapto do refém belga, no mesmo mês em que o actual governo belga assumiu funções, o Ministério da Justiça belga fez chegar ao Irão uma primeira proposta para o ‘tratado internacional’.

Ou seja, na verdade, não só o Tratado não foi uma resposta ao rapto do refém belga, mas como pelo contrário, o rapto do refém foi a consequência da vontade expressa pelo governo belga de vir a libertar o terrorista.

Pelo caminho, ficou o regime europeu de sanções antiterroristas – em que Assadollah Assadi era um proeminente membro da lista nominativa de terroristas – que proíbe qualquer forma de cooperação de qualquer cidadão europeu com estes e a capacidade das forças policiais e judiciais belgas para fazer o seu trabalho.

3. A lógica iraniana da troca de reféns por terroristas

Desde os seus primeiros dias que o regime saído da revolução islâmica iraniana usa a captura de reféns para libertar os seus operacionais terroristas. A principal consequência da repetida cedência dos países ocidentais nestas negociações, tem sido a consagração do sistema, com as redes terroristas iranianas a aumentar consideravelmente a sua actividade à sombra da sua pressentida impunidade, e a prática da captura de reféns a multiplicar-se.

A cooperação dos media e das autoridades políticas belgas com a chantagem do regime sobre os reféns e os seus familiares apenas assegura o reforço do terrorismo e da tomada de reféns minando totalmente os princípios e as instituições do Estado de Direito.

A total cobertura dada pelas autoridades iranianas às acções terroristas do seu diplomata só poderia ter resultado numa retaliação diplomática consequente por parte da União Europeia, e a ausência de resposta, como décadas de experiência comprovam, só poderia ter resultado no avanço destas para novas medidas contrárias à justiça, ao direito, e à soberania europeias.

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