Foram divulgadas na semana passada as conclusões de um relatório sobre as implicações económicas da ação climática, da autoria de Jean Pisani-Ferry (economista francês, membro do think tank europeu Bruegel) e de Selma Mahfouz (inspectora de finanças francesa), que revela que se a França quiser cumprir as metas definidas deverá reduzir 55% das suas emissões até 2030 (o equivalente a 150 milhões de toneladas de CO2), fazendo o que não conseguiu nos últimos trinta anos, num contexto em que o país ensaia uma reindustrialização estratégica e onde os sectores dos transportes, construção civil e indústria serão os mais afetados e terão de diminuir em dois terços as suas actuais emissões.
A juntar a esta dificuldade o relatório estimou em cerca de 65 mil milhões de euros, pouco mais de dois pontos do PIB francês, o nível de investimento adicional e anual necessário para atingir aquele objetivo, valor a que acrescem cerca de 4 mil milhões de euros em despesas de adaptação, números que deixam ainda bem claro que o objectivo de 2030 só poderá ser alcançado mediante o recurso a aumento dos impostos e da dívida.
E isto é algo que não deverá ter agradado nada a Emmanuel Macron para quem toda a política económica do governo tem de ser baseada na redução dos impostos e da carga fiscal suportada pelas empresas.
Segundo Pisani-Ferry, tido como próximo de Macron, o esforço necessário representará, no curto prazo, um choque negativo para a economia, com a dívida pública a aumentar cerca de 10 pontos adicionais do PIB, ou seja, um montante entre 250 e 300 mil milhões de euros até 2030, situação que pode ainda agravar-se quando em 2040 aquela percentagem da dívida pública chegar a 25% do PIB. A confirmar-se este cenário, a França terá de realizar uma verdadeira revolução industrial num contexto político e social já muito tenso, onde o crescimento potencial deverá ser fortemente atenuado pelo efeito de substituição dos combustíveis fósseis que não se traduzirá num aumento dos bens e serviços produzidos.
Esta é uma situação em que o sucesso da transição depende de as populações aceitarem suportar o acréscimo de gastos verdes até 2030, obtendo menos rendimento do que se não realizassem esse esforço adicional e agravando a desigualdade social e económica já existente, pois o “custo” da descarbonização vai ser muito maior para os grupos de rendimentos mais baixos que para os de rendimentos mais altos (a título de exemplo o estudo antevê que os custos com a mudança de equipamentos de aquecimento doméstico representem 79% do rendimento médio anual das famílias muito modestas contra apenas 44% das da classe média).
A transição deverá exigir ainda um grande esforço público, quer para desencadear decisões de investimento privado onde aquele interesse for baixo, quer para compensar os efeitos do agravamento das desigualdades. Mas como o aumento dos gastos não poderá ser assegurado exclusivamente pelo aumento da dívida, avizinhar-se-á novo agravamento fiscal devidamente orientado para a transição e, simultaneamente, cuidadosamente calibrado para corrigir as desigualdades e não para o seu agravamento.
Um tal tipo de imposto terá de incidir obrigatória e exclusivamente sobre os rendimentos mais elevados e isso é algo frontalmente contrário aos interesses instalados e às actuais políticas vigentes de protecção do interesse individual.
Este problema (e muitas das conclusões do relatório) não são exclusivas dos franceses, tanto mais que, às dificuldades já enunciadas juntam-se as que resultam das políticas orçamentais e monetárias definidas por Bruxelas, que levam os estados mais endividados a debaterem-se com as limitações aos seus défices públicos e os privam de qualquer margem de manobra adicional face à inexistência de formas de tratamento preferencial para os investimentos verdes, a que acresce o facto dos EUA estarem preparados para investir generosamente na descarbonização da sua economia, graças à sua Inflation Reduction Act (a Lei de Redução da Inflação é uma lei federal, assinada por Joe Biden, destinada a conter a inflação, reduzir o déficit e investir na produção interna e na promoção da energia verde), e na sua protecção face à concorrência estrangeira, ao actuarem cada vez mais à revelia das regras de uma OMC abandonada pela administração Trump.
Por outras palavras: com tantas dificuldades, limitações e completa ausência de coordenação e bom senso, como pode a Europa pretender ser simultaneamente a campeã do clima, da ortodoxia orçamental e do multilateralismo?
A resposta a esta intrincada conjugação é simples e rápida. Não pode! A habitual tibieza de Bruxelas vai voltar a manifestar-se e a Europa não vai lograr uma efectiva política de descarbonização, começando pelo facto de nem sequer conseguir obrigar a que ela seja paga por quem mais dela tem beneficiado.