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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

A Europa e o preço da energia

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Uma notícia na edição europeia do site POLITICO pretende que. com os preços dos combustíveis a voltarem aos níveis anteriores à guerra, a Rússia perdeu a sua melhor influência sobre o continente, pelo que a crise energética da Europa se transformou agora num problema de Putin.

Mas atenção, para esta afirmação ser totalmente verdadeira era preciso que os reais efeitos da queda dos preços dos combustíveis na economia russa equivalessem a quebra dos mais de 300 euros por megawatt/hora registados no Verão de 2022, para os 25 euros actuais, quando é por demais sabido que nunca a Rússia (nem nenhum outro produtor) vendeu o gás àquele preço.

Nem a Rússia, nem qualquer outro produtor de gás, o vendeu alguma vez àqueles preços, mas a sua subida excessiva no mercado europeu teve consequências para as empresas e as famílias. Estas vêem o seu rendimento disponível mais reduzido por via do aumento dos custos da energia (para falar só no impacto do preço do gás), enquanto as empresas, especialmente algumas das indústrias mais intensivas em energia, registaram um declínio na produtividade em reacção aos preços mais voláteis do gás.

Ao invés, o que devia merecer ampla atenção – e a adequada intervenção dos poderes políticos – é que a acentuada descida da cotação do gás nos mercados internacionais não esteja a ser devidamente reflectida nos preços praticados no retalho, o que na prática se traduz num mecanismo artificial de aumento de margens e lucros para os intermediários distribuidores e influencia os preços das restantes fontes de energia, contribuindo decisivamente para manter elevada a taxa de inflação.

Muitas e variadas aleivosias se têm dito e escrito a propósito da situação gerada pela invasão da Ucrânia, mas na realidade quase nunca se vê referido o facto da justificação para a contínua subida de preços não apresentar a menor explicação perante a realidade que os mercados diariamente vão mostrando. Se alguma razão houve, ela está há muito ultrapassada e a justificação para a subida geral dos preços tem que ser procurada noutras realidades e noutros quadrantes.

Ainda a propósito de matérias-primas e da formação dos seus preços, recordo o que escrevi em Dezembro, no artigo «A FALSA ESCASSEZ E A INFLAÇÃO», onde chamei a atenção para “uando tanto se fala na escassez de gás, ninguém se interroga porque as reservas europeias estão acima da média dos últimos dez anos, porque em finais de Outubro haviam dúzias de navios-tanque parados ao largo dos portos europeus e o preço spot do gás chegou a valores negativos ou porque a cotação dos futuros atingiu esta semana um mínimo de Julho de 2021?”

Claro que os defensores da necessidade da guerra pretendem continuar a vender a ideia, falsa, de que a inflação é um custo a suportar pela defesa da democracia, quando a realidade é a de que o grande vencedor nesta “guerra” será o mundo dos negócios (e reparem que nem sequer estou a considerar aqui os “negócios” escuros que envolvem todas as guerras) e esta não passará de mais uma oportunidade para aprofundar o processo de empobrecimento geral e da consequente concentração da riqueza, do mesmo modo que, confrontados com a quase absoluta ineficácia da política de sanções económicas aplicadas à Rússia, pretendem agora que a queda dos preços do gás nos mercados internacionais determinará o desastre e o soçobrar de Putin, como se o terceiro maior produtor de petróleo não possuísse quaisquer mecanismos de protecção, nem a poderosa OPEP (organismo que reúne os maiores produtores mundiais de produtos petrolíferos) não tivesse reagido já com o anúncio de cortes na produção para inverter o ciclo de quebra nos preços.

É verdade que a expectativa de Moscovo de uma crise energética na Europa que minasse o apoio à Ucrânia não se concretizou, mas não é menos verdade que a Europa ainda não se libertou da dependência dos hidrocarbonetos (nem, por falta de real vontade e de capacidade financeira para investir na economia verde, se deverá libertar nos tempos mais próximos) e até a aparente redução das importações russas (de 50% em 2021 para 13%, segundo o citado artigo do POLITICO) deve ser analisado sob outra perspectiva, agora que a Europa está a importar petróleo via Índia (pagando-o obviamente mais caro) e que, em mais uma clara confirmação da ineficácia da política de sanções económicas, as esperadas dificuldades russas para escoar a sua produção têm encontrado, mesmo que apenas parcialmente, uma óbvia alternativa nos mercados asiáticos, ou não fosse o Império do Meio uma economia em crescimento e o segundo maior consumidor mundial de petróleo e gás natural.

E os problemas da Europa não se resumem à dependência energética, agora que o recente anúncio da entrada da Zona Euro em situação de recessão técnica veio confirmar os piores receios sobre a política de sanções imposta à Rússia, de pouco ou nada servindo o facto de os próprios EUA já estarem nessa situação desde o final de 2022.

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