Porque eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura…
Este trecho de um poema de “O Guardador de Rebanhos”, de Fernando Pessoa (mais correctamente do seu heterónimo Alberto Caeiro) deveria constituir o mote para a forma como olhamos o Mundo que nos rodeia, seja na vertente económica (aquela que tanto condiciona o nosso dia-a-dia) ou na geopolítica (cuja relevância é cada vez mais perceptível), mas especialmente para a forma como processamos todo o tipo de informação disponível.
Por mais complexa e multifacetada que seja a natureza humana, a habilidade de ler e interpretar a informação que nos chega está em claro declínio, tanto quanto está em perigo o jornalismo independente. Pelo menos é isso que concluiu um estudo da UNESCO, que não deixa de frisar a existência de novas leis e políticas que restringem a liberdade de expressão online.
É que se a disseminação quase instantânea de informações, possibilitada pela Internet, derrubou barreiras geográficas de forma inédita e o recurso a IA e o surpreendente progresso que trouxe ao processo de tradução automática deveriam ter criado um imenso fórum de debate e circulação de ideias, a dura realidade mostra que as grandes empresas tecnológicas (que juntam os gigantes Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft, que são também conhecidas pelo acrónimo GAFAM) e os algoritmos que desenvolveram com objectivos puramente comerciais e de lucro condicionam dramaticamente a liberdade de informação e definem claramente uma tendência de limite à comunicação que já extravasa do espaço digital para a interacção social no mundo físico e a uma velocidade equivalente; se não, vejamos: mediaram cerca de 100 anos entre a invenção da imprensa por Gutenberg e a criação do sistema sensório do “index librorum proibitorum”, oficializado pelo Concílio de Trento em 1545, mas bastaram 20 anos para a criação de um sistema de censura sobre a Internet que, sob a batuta dos Zuckerbergs, Musks e afins, a pretexto do politicamente correcto ou outro qualquer, está a silenciar o imenso manancial de informação que aquela prometia ser, graças à reorientação dos motores de busca para as fontes mainstream, e a transformá-la num mero eco da voz do dono.
Um sistema de informação verdadeiramente digno desse nome deveria implicar rigor na busca dessa pluralidade e diversidade de pontos de vista, o que exige uma vigilância redobrada quando as ferramentas que a deveriam difundir se transformam em armadilhas e em modernas formas de censura.
Com a crise sistémica global iniciada em 2008, ainda em fase de resolução e a atravessar sobressaltos, como o da recente falência do Silicon Valley Bank ou o fim do Credit Suisse, enquanto persistem fundadas dúvidas sobre as soluções mais viáveis, o controlo e o enviesamento da informação estarão a condicionar a formação da ideia de um colapso global que poderá não ser mais que a perspectiva ocidental da própria tibieza das suas “soluções”. Na realidade, no resto do mundo, o optimismo e os projetos concretos estarão já a desenhar a sociedade do futuro e as alternativas estarão a ser construídas e a fortalecerem-se, enquanto na generalidade do Ocidente se continua preso num passado tóxico ou, pior, a imaginar um futuro fantasioso, muito por responsabilidade de uma comunicação social amorfa e acrítica, cujos exemplos abundam, bastando recordar o que há uma década foi dito e escrito sobre a crise das dívidas soberanas ou até a simples leitura das “notícias” e “comentários” sobre a situação ucraniana, para disso dar nota.
A vulgarização da ideia de uma “crise de soluções” que grassa no Ocidente, se baseia essencialmente na percepção de um decrescimento económico que os ideólogos e analistas mainstream não querem reconhecer como consequência daquela crise sistémica por aparentemente esta realidade contradizer a teoria vigente e eles de modo algum poderem admitir o fracasso do modelo de consumo (cujos vínculos com o modelo de produção condicionam o nosso quotidiano e a nossa relação com a natureza) que tem alicerçado o crescimento económico desde meados do século passado, mas que actualmente se revela tolhido entre os avanços tecnológicos e as convulsões políticas, sociais e económicas, precisamente na fase em que o mercado global se expandiu para incluir economias emergentes, lideradas pela China e pela Índia, onde o padrão de vida de grande parte das suas populações se aproximou do dos países mais ricos, mas é um erro pensar que esse desenvolvimento será tão linear como o que o Ocidente conheceu no último século, porque as necessidades e as aspirações dessas diferentes populações não são as mesmas, e o modelo ocidental de globalização está ultrapassado e deixou de ser o eldorado como imaginamos.